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A fé dos Apóstolos, nosso vínculo de salvação

Sem a fé dos Apóstolos, cujos nomes constam, um por um, na mais importante oração eucarística da Igreja, não podemos nos dizer católicos. Essa fé vale mais que a vida, por isso tantos mártires derramaram seu sangue para preservá-la.

Texto do episódio
01

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 9,36–10,8)

Naquele tempo, vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor. Então disse a seus discípulos: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi pois ao dono da messe que envie trabalhadores para a sua colheita!”
Jesus chamou os doze discípulos e deu-lhes poder para expulsarem os espíritos maus e para curarem todo tipo de doença e enfermidade. Estes são os nomes dos doze apóstolos: primeiro, Simão chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão, o Zelota, e Judas Iscariotes, que foi o traidor de Jesus. Jesus enviou estes Doze, com as seguintes recomendações: “Não deveis ir aonde moram os pagãos, nem entrar nas cidades dos samaritanos! Ide, antes, às ovelhas perdidas da casa de Israel! Em vosso caminho, anunciai: ‘O Reino dos Céus está próximo’. Curai os doentes, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demônios. De graça recebestes, de graça deveis dar!”

No Evangelho deste domingo, Jesus escolhe os Doze Apóstolos. Esse é o ato fundacional do novo povo de Deus. No Antigo Testamento, o Senhor havia preparado de muitas formas a vinda de seu Filho.

Toda a história de fé do povo de Deus começa com o chamado de Abraão, “que gerou Isaac, que gerou Jacó”, que gerou doze filhos. Eis a origem das tribos de Israel, o povo eleito, congregado por Deus no mesmo sangue. É o mesmo povo que irá exilado para o Egito e que, séculos mais tarde, fugirá dali, a pé enxuto, pelo Mar Vermelho. Quando as doze tribos finalmente entrarem na Terra Prometida, passados já quarenta anos de peregrinação no deserto, terá início a preparação imediata para a vinda do Filho de Deus ao mundo.

O que ninguém sabia era que, quando viesse o Messias, um novo povo seria constituído. É o que Jesus faz no Evangelho de hoje. Com a eleição dos Doze, nasce a Igreja, fundada não na ascendência de sangue, mas na fé de Abraão, ou seja, na fé em Jesus Cristo. Nosso Senhor mesmo o diz no evangelho de São João: “Abraão viu o meu dia e exultou” (Jo 8, 56).

Os antigos Patriarcas, quando fizeram seu ato de fé, viram por especial revelação a vinda de Cristo ao mundo. Por isso, somos herdeiros da fé de Abraão num sentido mais profundo do que geralmente se imagina.

A Carta aos Hebreus, celebrando a fé do Antigo Testamento, afirma, com a alegria de quem vê realizada a profecia, que os Patriarcas viram de longe o que nós hoje vemos com clareza. Enquanto a fé de Abraão era de poucos, com a vinda de Cristo ela pode enfim ser de muitos. Nisto se realiza a profecia: os filhos de Abraão se tornam inumeráveis como as estrelas do céu. O novo Israel, de agora em diante, é gerado na fé sobrenatural.

Eis por que o fato de os Apóstolos terem abraçado o celibato também é significativo espiritualmente. Jesus fundamenta a Igreja em homens que não terão descendência biológica, porque abraçaram o celibato, mas que terão inúmeros descendentes na fé. Nesse sentido, nós somos filhos dos Apóstolos; são eles as pedras basilares sobre as quais se ergue esplendorosa a muralha da Igreja, como viu São João no Apocalipse (cf. Ap 21, 14).

É vergonhoso que hoje tenhamos tão pouca devoção aos Apóstolos, devoção esta que foi alimentada pela Igreja durante séculos. Na tradição litúrgica romana, os Doze eram citados nominalmente ao longo do Cânon (o que hoje corresponde, mais ou menos, à Oração Eucarística I). Não ter devoção aos Apóstolos é perder consciência da própria identidade católica. Sim, há santos muito mais recentes que são queridos por todos nós, como São Padre Pio, Santa Teresinha, Santo Antônio etc., e faz bem mantermos essas amizades espirituais; mas é importante — na verdade, é necessário — voltarmos o olhar da fé para a grandeza dos Apóstolos. 

No Céu, teremos a mesma visão que São João nos deixou escrita no capítulo 21 do Apocalipse: “Levou-me em espírito a uma montanha grande e alta e mostrou-me a cidade santa de Jerusalém, descendo do Céu de junto de Deus”. Nós veremos a Jerusalém celeste, a glória dos santos de Deus, membros do mesmo Corpo ao qual pertencemos! “E o seu brilho era como de pedra preciosíssima, como de jaspe cristalina”. Continua São João: “A cidade santa era cercada por uma muralha grande e alta; sobre as portas havia doze anjos, e nas portas estavam escritos os nomes das doze tribos de Israel […] A muralha da cidade tinha doze alicerces, e sobre eles estavam escritos os nomes dos doze Apóstolos do Cordeiro”.

Sabemos que os Apóstolos ainda irão fracassar. No capítulo 16 do evangelho de Mateus, São Pedro irá professar a fé, mas dali a pouco virá a Paixão, e o mesmo Pedro negará Jesus três vezes. Enquanto Judas traiu o Senhor, os outros nove Apóstolos saíram correndo amedrontados. Somente João permaneceu aos pés da Cruz. Sim, ainda havia muito para percorrerem; mas, quando chegar Pentecostes, tudo será diferente, pois o processo de configuração a Cristo estará completo. Os Apóstolos continuarão a crescer espiritualmente durante o resto da vida, mas, em Pentecostes, a união deles com Jesus já será perfeita: estarão todos nas Sétimas Moradas.

Então, como gigantes espirituais ad currendam viam (cf. Sl 18, 6), para a grande jornada da fé, saíram os Doze a pregar o Evangelho mundo afora, de modo tão eficaz que nós ainda hoje colhemos os frutos espirituais desse ministério apostólico. Somos filhos e descendentes dessa fé. Fomos gerados pela fé apostólica, que vale mais do que a vida. Eis por que os mártires preferiram derramar o próprio sangue a renegá-la.

A fé é o vínculo que nos une ao Corpo de Cristo. Deus nos livre de cometermos um pecado mortal; mas, se porventura o cometermos e ainda tivermos fé, ao menos seremos membros do Corpo de Cristo — membros quase mortos, mas ainda membros. Se, no entanto, perdermos a fé católica e apostólica, teremos quebrado o último vínculo de pertença ao Corpo da Igreja.

Nesse sentido, perder a fé é infinitamente pior do que qualquer excomunhão. A excomunhão é uma pena eclesiástica que, enquanto sanção imposta pela Igreja, visa à emenda do castigado; mas ser excomungado, por si só, não é o mesmo que deixar de ser membro da Igreja [1]. Excomunhão quer dizer, entre outras coisas, proibição de receber os sacramentos e de exercer determinados cargos ou funções dentro da Igreja.

O excomungado, além de não poder comungar, só pode receber a absolvição se a pena for retirada; mas um excomungado não é, necessária e canonicamente um estranho à Igreja, como se fosse um pagão. Pensemos no aborto, por exemplo. Quem procura e obtém a morte do nascituro está excomungado. Trata-se de um pecado mortal que é também um delito canônico punido com a excomunhão latae sententiae. No entanto, ser réu do pecado de aborto e ser excomungado por isso não é o mesmo que estar fora da Igreja, desde que não se perca a virtude da fé. Perdê-la é a tragédia das tragédias que nos separa do Corpo de místico de Cristo.

Por isso, renovemos hoje a nossa fé, graças à qual pertencemos à Igreja, Corpo místico do Senhor. Se você está em pecado mortal, busque restabelecer mais depressa possível o seu vínculo com a Igreja; se, além disso, você foi excomungado em razão de algum crime canônico, procure a reconciliação com a Igreja. No caso do aborto, em particular, todos os sacerdotes têm hoje a faculdade de levantar a excomunhão em favor do fiel que, arrependido, buscar a Reconciliação. 

Procure um sacerdote para se confessar; mas, antes de tudo, não perca a fé dos Apóstolos, que é o vínculo de salvação que ainda nos mantém unidos ao Corpo de Cristo. Com essa fé, podemos receber a absolvição e, se Deus quiser, ser salvos.

Que Ele nos abençoe e nos ajude a permanecer firmes na fé dos santos Apóstolos, mesmo que, para isso, tenhamos de derramar o nosso sangue se preciso for.

COMENTÁRIO EXEGÉTICO

Eleição dos Apóstolos (cf. Mc 3,13ss). — V. 12s. Naqueles dias, Jesus retirou-se para o monte (εἰς τὸ ὄρος, provavelmente o monte das bem-aventuranças) a orar e passou toda a noite na oração de Deus (gr. ἐν τῇ προσευχῇ τοῦ θεοῦ, lt. in oratione Dei), i.e., em oração a Deus, em razão da importância do que faria em seguida (cf. Mc 1,35). — Quando se fez dia, chamou, i.e., reuniu os seus discípulos, i.e., aqueles que o seguiam como Mestre; e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos (do verbo ἀποστέλλειν = enviar, lt. mittere), a fim de exprimir o ofício deles, eleitos e enviados como legados de Deus e de Cristo, para dar testemunho da doutrina e (mais tarde) da ressurreição de Nosso Senhor (cf. At 1,21s). Mc (3,13) diz que Jesus chamou a si os que ele (enfaticamente: gr. αὐτός, lt. ipse) quis, e assinala o duplo fim imediato desta eleição: 1.º para que andassem quase continuamente com ele e, assim, se imbuíssem mais profundamente de sua doutrina, 2.º e para os enviar a pregar como ajudantes de seu ministério [2].

Nome dos Apóstolos (cf. Mt 10,2ss; Mc 3,26-19). — O primeiro a ser listado, não pelo tempo em que foi eleito mas por sua dignidade, é sempre Simão (Shim‘on = obediente), chamado Pedro. Do fato de ele ser citado sempre em primeiro lugar nos quatro catálogos de Apóstolos, cumpre concluir que, desde o princípio, Simão foi primeiro entre os doze, o que, de resto, é abundantemente comprovado por suas múltiplas intervenções na história evangélica (cf. Jo 1,40ss; Lc 5,1ss; Mc 5,37; Mt 17,1.4; 17,23; Lc 22,8; Mt 26,37.40; 14,28ss; Jo 21,7; Mt 26,33ss; Jo 6,69; 13,37.22-26; Mt 16,22ss; 18,21s; Jo 13,2ss; Mt 26,34.69ss; Jo 18,15ss; Mt 16,13-20; Jo 21,15ss; Lc 22,31s; 24,34).

2. André (nome gr.), irmão de Pedro, ambos oriundos de Betsaida (cf. Jo 1,44). Cf. Mt 4,18s; Jo 1,41-45; 6,8; 12,22.

3 e 4. João e Tiago (Maior), filhos de Zebedeu e Salomé, pescadores de Betsaida (cf. Mc 1,20). A ambos Cristo deu o nome Boanerges (hebr. benê regesh = filhos do trovão, cf. Mc 3,17, i.e., tonantes, impetuosos), quer pela índole forte deles (cf. Mc 9,37; 10,35; Lc 9,54), quer pela forma ardente com que pregavam. Aparecem frequentemente nos Evangelhos (cf. Mt 4,21; Mc 5,37; Mt 17,1; Mc 35,41; Mt 20,20-24; Mc 14,33; Jo 21,2); João, de modo particular, na história da Paixão (cf. Lc 22,8; Jo 13,23ss; 19,26ss; 20,2ss; 21,20ss).

5. Filipe (nome gr.), também oriundo de Betsaida (cf. Jo 1,44). Sobre ele, cf. Jo 1,44-49; 6,5ss; 21,21s; 14,8s. 

6. Bartolomeu (= filho de Tolma ou de Tolomeu) é provavelmente a mesma pessoa que Natanael (do qual fala Jo 1,45-50; 21,2). A identidade entre eles é ignorada pela tradição mais antiga, mas passou a ser admitida por muitos latinos a partir de Ruperto de Deutz († 1129) e por vários exegetas do séc. XVI; de fato, o evangelista Jo, que não fala de nenhum Bartolomeu, enumera duas vezes a Natanael entre os Apóstolos (cf. loc. cit.). Os sinóticos, embora não façam qualquer menção a Natanael, falam todavia de Bartolomeu. Também é digno de nota que, nos sinóticos, Filipe e Bartolomeu e, no evangelho de Jo, Filipe e Natanael aparecem lado a lado ou na mesma narração. É, portanto, ao menos verossímil que este Apóstolo, assim como Pedro, Mateus etc., tivesse um duplo nome, de modo que era conhecido como Natanael (nome próprio) e como Bartolomeu (cognome, ou nome do pai).

7. Tomé (= δίδυμος, i.e. gêmeo, cf. Jo 11,16, da raiz hebr. te’ôm = duplicar). É mencionado em Jo 11,16; 14,5; 20,24-28; 21,2.

8. Mateus, publicano, que também se chamava Levi. Matthæus (gr. Μαθθαῖος ou Ματθαῖος) é provavelmente transcrição da forma hebr. Mattai, que significa presente ou dádiva de Deus (= donatus a Deo), à semelhança de Theodorus, Adeodatus (v. “Matanias” em 1Cr 9, 15). Alguns autores, de posição minoritária, derivam o nome do termo hebr. emeth (= fé), sob a forma Amittai (= Fiel, cf. Jn 1,1, vulg. Amathi), tendo o א se perdido por influência do aram.

9. Tiago, filho de Alfeu (Halphai, conhecido por outro nome, ou talvez por pronúncia diversa deste mesmo nome: Cleophas [3]). É bastante provável que sejam a mesma pessoa este Apóstolo e o Tiago ὁ μικρός (o Menor), i.e., o autor da Epístola Católica, contado por São Paulo (cf. Gl 2,9) entre as colunas da Igreja e conhecido na Igreja primitiva como “irmão do Senhor”.

10. Tadeu (talvez de taddajja’ = mama; para alguns, o mesmo que Θευδᾶς) em muitos códices e monumentos antigos é chamado Labbeu (do vocábulo lebb = coração, ou de Lebba, vilarejo da Galileia); é chamado por outro nome em Lc 6,6 e At 1,18: Judas de Tiago, ou seja, irmão de Tiago, como ele mesmo afirma no início de sua Epístola: Judas, servo de Jesus Cristo, irmão de Tiago etc.

11. Simão Cananeu, em Lc Zelotes, i.e., seguidor fiel das tradições antigas, ζηλωτές (cf. Gl 1,14), que se traduz pelo vocábulo aram. Qan’ana’; outros derivam Cananeu de Caná da Galileia (o que daria, porém, καανῖος). A partir de Mt 13,55, concluem alguns autores que Simão Cananeu seria irmão de Tiago e de Judas.

12. Judas Iscariotes (hebr. ’ish Qerijjoth = varão de Querioth, certa cidade da tribo de Judá, cf. Js 15,25). O traidor (προδότης) foi o único judeu (i.e., da região da Judeia) entre os Apóstolos; todos os outros eram galileus, pois a eles se dirigem os anjos: Homens da Galileia (At 1,11), e alguns homems que estavam em Jerusalém: Porventura não são galileus… (At 2,7). Foi na Galileia que Jesus encontrou mais fé, e o traidor provinha da região que mais se opôs a Ele. A eleição de Judas ao apostolado demonstra que os homens se salvam ou condenam, não por necessidade de natureza (φύσει), mas segundo a medida em que cada um se mostra digno da salvação ou da perdição [4].

N.B. — Convém observar que a) cada evangelista cataloga os Apóstolos segundo critérios próprios (e.g., citando-os de dois em dois, como Mt; ou individualmente, como Mc; ou, como Lc, listando primeiro os irmãos e depois enumerando os outros um por um mediante a partícula καί). A distribuição de Mt, por aparecer antes da primeira missão, corresponde provavelmente à ordem em que eles foram enviados; b) em todas as listas (inclusive na de At 1,13), os Doze são distribuídos em três séries de quatro nomes, a cada uma das quais preside sempre, nos quatro catálogos, o mesmo Apóstolo (1. Pedro, 2. Filipe, 3. Tiago), enquanto os demais, dentro de qualquer série, aparecem em ordens variadas. É evidente que esta distribuição não é causal.

Notas

  1. Isso vale em geral para os excomungados tolerati, que permanecem no corpo da Igreja, mas proibidos de participar dos sacramentos e de outros bens eclesiásticos; os vitandi, por outra parte, não são membros da Igreja, a qual, nas sentenças de excomunhão maior, os declara eliminados “do grêmio da santa Madre Igreja e do consórcio de toda a cristandade” (cf. Zubizarreta, Theol. I (Bilbao, 31937) 449, n. 556.
  2. Mc 13,14, em gr., diz literalmente: E fez doze (Καὶ ἐποίησεν δώδεκα) para que estivessem com Ele etc., onde o verbo fez (ἐποίησε) equivale a constituiu, como se dá às vezes em hebr. (עָשָֹה).
  3. É possível que Alfeu e Cléofas (ou Clopas, Κλωπᾶς) equivalham ao mesmo nome: Chalpai (חֲלפי), pronunciado com maior ou menor suavidade.
  4. Cf. Knabenbauer, In Matth. (Paris, 31922) 435.

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