Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Jo 10, 11-18)
Naquele tempo, disse Jesus: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas. O mercenário, que não é pastor e não é dono das ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa. Pois ele é apenas um mercenário que não se importa com as ovelhas. Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas. Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a elas devo conduzir; elas escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor. É por isso que o Pai me ama, porque dou a minha vida, para depois recebê-la novamente. Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo; tenho poder de entregá-la e tenho poder de recebê-la novamente; essa é a ordem que recebi do meu Pai”.
Este 4.º Domingo da Páscoa é conhecido como Domingo do Bom Pastor, exatamente porque o Evangelho de hoje é sempre do capítulo 10 do Evangelho de São João. O trecho que nos cabe meditar este ano são os versículos 11 a 18. Nesta parte do grande discurso sobre o Bom Pastor, Jesus fala de si mesmo, ou seja, Ele se identifica como o Bom Pastor e contrapõe-se à figura do mercenário, que não é verdadeiro pastor, mas um usurpador das ovelhas.
No original grego, Jesus diz que Ele é o Belo Pastor (‘καλός [kalós]’, em grego). A tradução “Bom Pastor” está correta, em princípio, porque nas línguas mediterrâneas, já em latim e principalmente em grego, as noções de “belo” e “bom” se confundem. No entanto, pelo contexto do Evangelho, Jesus está falando do verdadeiro pastor. Um pastor é bom e belo, com efeito, quando é verdadeiro pastor.
O contraste é com o mercenário, que, por não ser dono das ovelhas, abandona-as quando vê chegar o lobo. Por quê? Porque é característico do mercenário trabalhar por dinheiro, ou seja, por interesse próprio. Vemos assim que o verdadeiro pastor, do qual Jesus é o modelo máximo, é o pastor movido pela caridade: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos”.
Ora, se pensarmos bem na figura dos nossos pastores, ou seja, os ministros ordenados, padres e bispos, responsáveis pelas ovelhas de Deus, veremos como Jesus preparou os seus. Os Apóstolos terminaram por derramar o sangue como bons pastores. Todos deram a vida pelas ovelhas, com exceção de São João Evangelista, que viveu o martírio aos pés da Cruz de Cristo na companhia da Virgem Maria.
Ora, como foi que Jesus levou esses homens, inicialmente uns medrosos, que saíram correndo do Horto das Oliveiras e até negaram o Mestre, a se tornarem bons pastores, e não mercenários? Antes de tudo, Jesus mesmo lhes serviu de exemplo. Ao morrer na Cruz, Nosso Senhor nos livrou de nossas misérias. O próprio São Pedro, príncipe dos Apóstolos, o primeiro dos Doze, no-lo recorda ao final do capítulo 2 de sua Primeira Carta: “Cristo”, escreve “padeceu por vós, deixando-vos exemplo para que sigais os seus passos” (v. 21).
Pedro está falando, é claro, aos seus fiéis; mas é evidente que ele tem em vista, ao dizer essas coisas, os próprios padres e bispos, e a si mesmo, por ter traído Jesus: “Ele não cometeu pecado, nem se achou falsidade em sua boca” (1Pe 2, 22).
É quase uma Confissão daquele que, com falsidade na boca, negou Jesus dizendo que não o conhecia. São Pedro revela como ele mesmo falhou em ser pastor e, qual mercenário, fugiu diante do lobo na corte de Caifás; mas professa sua fé em Jesus, o Servo profetizado em Isaías 53, 9: “Ele não cometeu pecado, nem se achou falsidade em sua boca. Ele, ultrajado, não retribuía com idêntico ultraje; maltratado, não proferia ameaças, mas entregava-se àquele que julgava com justiça”.
Pedro está descrevendo Cristo pastor, mas como? Como o Cordeiro vítima. Isso nos mostra que, se quisermos ser bons pastores, precisamos ser o Cordeiro que se oferece como vítima, e isso aplica-se a todos, não somente aos padres e bispos.
Primeiro, porque todo leigo tem a obrigação de rezar pelos padres e bispos, para que nos tornemos o que devemos ser, vítimas, assim como Cristo, o Bom Pastor, foi também o Cordeiro imolado. Além disso, todo cristão é de alguma forma pastor, por ter alguém sob a sua responsabilidade. Todo pai de família, por exemplo, é pastor dos próprios filhos e tem a obrigação de levá-los para o Céu. E vai levá-los como? Não com jogos retóricos nem com estratégias de marketing. Obviamente, não. Ou você se entrega, derramando o próprio sangue pela salvação dos seus filhos; ou então, não vai funcionar.
Nosso Senhor Jesus Cristo “carregou os nossos pecados em seu corpo sobre o madeiro, a fim de que, mortos para os nossos pecados, vivamos para a justiça” (1Pe 2, 24). Eis aí como Jesus fez bons os seus pastores: Ele morreu na Cruz, a fim de que, mortos para os nossos pecados, vivamos para a justiça, quer dizer, para uma vida de santidade.
Essa morte, nós a vivemos no dia a dia quando somos chamados a morrer para as nossas vontades, para os nossos caprichos, para as nossas veleidades. Essas mortes, pequenas ou grandes, são fonte de vida, quando vividas em união com Cristo sofredor: “Mortos para os pecados, vivamos para a santidade”.
Quando Jesus foi entregue aos algozes, cumpriu-se a profecia: “Golpeado o pastor, dispersaram-se as ovelhas” (Zc 13, 7). Sim, não são apenas os mercenários que fogem; também as ovelhas fogem, desgarradas e assustadas. Agora, porém, olhando para a Cruz de Cristo e para a glória da sua vitória de Ressuscitado, somos atraídos e podemos retornar confiantes: “Eratis enim sicut oves errantes, sed conversi estis nunc”, — “Pois éreis como ovelhas desgarradas, mas agora vos convertestes ao pastor e guarda (ἐπίσκοπον [epískopon]) de vossas almas” (1Pe 2, 25), quer dizer, “ao pastor e bispo de vossas almas”.
Ora, o que é um bispo (ἐπίσκοπος)? Um supervisor (de ἐπι- [epi-, ‘sobre’] + σκοπός [skopós, ‘vigia’]), alguém de olhar providente e bondoso. Cristo guarda nossas almas com o olhar, como é próprio de um pastor, que sabe quantas ovelhas possui e quem é cada uma delas. Todo pastor tem de ser “bispo”, ou seja, tem de supervisionar as ovelhas; numa palavra, ser o guardião delas.
Assim, vemos em Jesus aquilo que precisamos ser: “Ele deu-vos o exemplo”, diz São Pedro, “para que sigais os seus passos”. Éramos ovelhas errantes, agora, sigamos os passos dele. Mas seguir os passos do Bom Pastor é dar a vida como Ele a deu. De fato, o evangelista, ao descrever o Bom Pastor, retrata-o como o Cordeiro, o mesmo do Apocalipse, a quem as ovelhas seguem.
No Apocalipse, São João, o mesmo autor do Evangelho que estamos lendo aqui, mostra exatamente isso: O Cordeiro que, imolado mas de pé, está no meio do trono é o pastor: “Agnus, qui in medio throni est, pascet illos” (Ap 7,16), e ele “os apascentará e levará para fontes de água viva, e Deus enxugará toda a lágrima de seus olhos). É o Cordeiro quem apascenta, porque também Ele é o Bom Pastor. Parece contraditório, mas não o é. É verdadeiro pastor o que dá a vida pelas ovelhas; logo, é vítima, como um cordeiro imolado, mas de pé.
Essa é uma nota importantíssima do sacerdócio católico. Muitos não entendem, por isso reclamam: “Para que celibato? Por que padre tem de ser celibatário? Não há uma alternativa mais ‘funcional’, mais ‘moderna’? Que tal contratar um funcionário para ser servidor da comunidade?”, mais ou menos como um “pastor” protestante, contratado por um grupo de pessoas que “congregam”.
Para nós católicos, o padre não é um “servidor da comunidade”; ele é vítima imolada. Não à toa, nós padres usamos batina preta. A batina é uma mortalha, é sinal de um homem morto. Por isso, é triste ver alguns seminaristas e padres jovens usarem batina como se fosse uma espécie de fantasia para um baile solene: eles vão à igreja de batina, apresentam-se ao povo, depois voltam à casa paroquial, tiram a batina, põem uma camiseta e vão para a vida. Não, batina não é roupa de gala, de apresentação ou representação social. A batina fala da imolação do sacerdote.
Aliás, é exatamente por isso que há tanta divisão na Igreja, entre padres mais tradicionais ou conservadores, de um lado, e padres mais voltados para a sensibilidade social, da Teologia de Libertação, de outro. Essa divisão existe dentro da Igreja porque perdemos a dimensão do sacerdote-vítima.
Ora, se o padre não é vítima entregue pela salvação das ovelhas, o sacerdócio degrada-se de fato numa “estrutura de poder” que pode inclusive se tornar opressora, além de perigosa para a alma dos que se ordenam pensando unicamente nas vantagens do estado clerical. Não é à toa que tantos padres jovens, com pouquíssimo tempo de sacerdócio, desanimam e desistem. A razão é simples: se você não está morrendo por ninguém, o sacerdócio perde o sentido.
Por quê? Porque padre é pai. E o que é um pai? Alguém que derrama o sangue para levar os filhos para o Céu. A Igreja é uma família, e o padre tem a missão de dar a vida. Aliás, também o leigo pai de família tem de dar a vida. Ora, por que as famílias estão se desagregando hoje em dia? Porque as pessoas se casam, mas continuam com uma mentalidade egoísta, pensando apenas em si mesmas. O casamento consiste em dois amores que se unem para levar os filhos para o Céu. Nesse sentido, é mercenário quem se casa por interesse, para “ser feliz” às custas de ter uma família. Também quem é casado exerce uma forma de “sacerdócio”, a de ser pastor da família, dando a vida por ela.
Eis o que caracteriza um pai e uma mãe de verdade. É uma questão de maturidade não só espiritual, mas fundamentalmente humana. Nós precisamos nos compreender como pessoas que entregaram a vida, como sacerdote, ou leigo, ou religioso consagrado. O que é um homem maduro? Um pai, ou seja, um homem que vive para os outros e dá a vida por eles. Ao contrário, quem não se faz vítima de amor pelos outros termina sendo um vitimista com rancor dos outros.
Então, esse Domingo do Bom Pastor tem uma mensagem para todos, tanto padres quanto leigos, que são pastores na família. Quem quer ser pastor precisa ser vítima. Só é bom o pastor que dá a vida por suas ovelhas.
E por que é necessário dar a vida? Há um versículo muito importante neste capítulo, mas que infelizmente não é proclamado no Evangelho deste domingo. Trata-se do versículo 10: “Eu vim para que tenham vida”. Sim, Jesus veio para que tivéssemos vida em abundância. Essa vida, no original grego, diz-se ζωή (zōḗ), ou seja, a vida eterna, e não a vida biológica.
Jesus, o Pastor, dá a vida, entregando-a em sacrifício na Cruz. Ele sacrifica sua vida biológica, a fim de merecer para nós uma outra vida: a zōḗ, a vida eterna. Teria um mercenário virtude o bastante para isso, se nem nós somos capazes de o fazer por nossos filhos? Para tanto, precisamos estar unidos ao Bom Pastor, porque a vida eterna é uma graça.
O diferencial está no amor, está na entrega. Afinal, se Ele nos amou e se entregou por nós, então também precisamos nos entregar por Ele de volta. E a forma de nos entregar a Jesus é bem concreta: entregando-nos aos outros, doando-nos pelas ovelhas que Deus nos confiou. Tanto os padres quanto os leigos possuem ovelhas que precisam levar ao Céu. Nós nos unimos a Cristo na Cruz, e o nosso sofrimento, por si só tão inútil, até ridículo às vezes, recebe uma eficácia vinda do Céu. Quando nos unimos a Jesus, o nosso sofrimento, antes estéril, torna-se fecundo e gera vida eterna. Não se unir a Ele é derramar sangue à toa.
Por fim, é importante dirigir uma palavra às mães espirituais que se entregam como vítimas pelos sacerdotes. Todo sacerdote tem de ser vítima; mas para que isso ocorra, quanta oração não será necessária! Então, há muitas mulheres que, seguindo o exemplo de tantas santas ao longo da história, entregam-se como vítimas pelos sacerdotes. Por isso, precisamos agradecer a essas mulheres e pedir que Deus lhes pague por tudo, absolutamente tudo, o que têm feito pelos sacerdotes.
Por isso, neste Domingo do Bom Pastor, renovemos o propósito de nos entregar por nossas ovelhas. Peçamos a Deus mais sacerdotes e pastores mais generosos, que se entreguem como vítimas. E você que é leigo, entregue-se também como vítima pelos sacerdotes e pelas ovelhas que Deus lhe houver confiado.
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