Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 9, 18-26)
Enquanto Jesus estava falando, um chefe aproximou-se, inclinou-se profundamente diante dele, e disse: “Minha filha acaba de morrer. Mas vem, impõe tua mão sobre ela e ela viverá”.
Jesus levantou-se e o seguiu, junto com os seus discípulos. Nisto, uma mulher que sofria de hemorragia há doze anos veio por trás dele e tocou a barra do seu manto. Ela pensava consigo: “Se eu conseguir ao menos tocar no manto dele, ficarei curada”. Jesus voltou-se e, ao vê-la, disse: “Coragem, filha! A tua fé te salvou”. E a mulher ficou curada a partir daquele instante.
Chegando à casa do chefe, Jesus viu os tocadores de flauta e a multidão alvoroçada, e disse: “Retirai-vos, porque a menina não morreu, mas está dormindo”. E começaram a caçoar dele. Quando a multidão foi afastada, Jesus entrou, tomou a menina pela mão, e ela se levantou. Essa notícia espalhou-se por toda aquela região.
Circunstâncias. — a) De tempo. A narração da cura da hemorroíssa e da ressurreição da filha de Jairo, Mateus a situa em seu evangelho logo após a discussão entre Cristo e os fariseus sobre o jejum (cf. Mt 9, 11-18): “Falava ele ainda, quando se apresentou um chefe da sinagoga”. Marcos e Lucas, no entanto, narram que esse episódio aconteceu depois de Jesus ter atravessado novamente o mar de Tiberíades, desde a região do gerasenos, enquanto do outro lado o aguardava uma multidão. A cronologia de Mateus, em todo caso, parece preferível, já que ele é o único a indicar com alguma precisão em que momento aconteceram esses fatos: “Falava ele ainda…”. — b) De lugar. O lugar em que se deram, porém, não é indicado de forma explícita por nenhum evangelista; mas como o Evangelho se refere a “um dos chefes da sinagoga” (cf. Lc 8, 41; Mc 5, 22), não é improvável que o episódio tenha acontecido em alguma cidade célebre à margem ocidental do mar, talvez em Cafarnaum. A narração de Mateus é a mais breve, enquanto a de Lucas e sobretudo a de Marcos, secretário de Pedro, que foi testemunha ocular de tudo, é mais extensa e rica em detalhes.
Introdução (cf. Mt 9, 19s.; Mc 5, 22ss.; Lc 8, 41s.). — Assim que Jesus desceu da barca, aproximou-se dele um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo (gr. Ἰάϊρος, hb. Ja’ir = “iluminará”; cf. Nm 32, 41; Dt 3, 14; Jos 13, 30 etc.), que, lançando-se aos pés dele, rogava-lhe insistentemente em favor de sua filha, dizendo: “Senhor, minha filha acaba de morrer” (Mt); “minha filhinha está nas últimas” (Mc); “porque tinha uma filha única, de uns doze anos, que estava para morrer” (Lc). Por isso, pedia-lhe com insistência que viesse à sua casa, impusesse as mãos sobre a menina e a trouxesse de volta à vida. Apesar do que diz o texto de Mateus, que não foi testemunha direta deste acontecimento, não há dúvida de que Jairo rogou pela filha, não já morta, mas prestes a morrer, como dizem Marcos e Lucas; Mateus diz que a menina já estava morta para, como de costume, antecipar por brevidade o anúncio da morte da menina, que o pai receberia dali a pouco a caminho de casa (cf. Lc 8, 49; Mc 5, 35).
A hemorroíssa (cf. Mt 9, 20ss.; Mc 5, 25-34; Lc 8, 43-48). — Entrementes, uma mulher que há doze anos padecia de um fluxo de sangue e, por causa disso, dispendera todos os seus bens com tratamentos médicos, tão-logo ouviu falar de Jesus, foi-lhe ao encontro às pressas, pensando consigo: “Se eu conseguir ao menos tocar no manto dele, ficarei curada” (gr. σωθήσομαι.), isto é, “serei salva”. E de fato, aproximando-se dele por trás, seja por vergonha, seja pela impureza legal que contraíra por causa da doença (cf. Lv 15, 25ss.), a mulher conseguiu tocar-lhe a fímbria do manto (cf. Nm 15, 38), e “no mesmo instante se lhe estancou a fonte de sangue”, ou seja, cessou o fluxo, “e ela teve a sensação de estar curada”. Ora, “Jesus percebeu imediatamente”, sem que ninguém lho precisasse indicar, “que saíra dele uma força” (δύναμιν), isto é, uma “virtude”, e, “voltando-se para o povo, perguntou: ‘Quem tocou minhas vestes?’”. Perguntou-o, não porque o ignorasse, mas para manifestar a todos os circunstantes o milagre que acabara de acontecer e a sua causa, a saber: a fé daquela mulher. Os discípulos, porém, não compreenderam as palavras do Senhor, como se depreende da observação que fizeram: “Vês que a multidão te comprime e perguntas: ‘Quem me tocou?’”. A mulher, “atemorizada e trêmula”, pensando talvez que não agira corretamente ou irritara o Senhor, “veio lançar-se aos pés dele e contou-lhe toda a verdade”, isto é, confessou abertamente a doença de que padecia, a fé que a levara até Cristo, a vergonha que a fizera tocar ocultamente as vestes do Redentor e a cura que ali mesmo recebeu. Jesus, porém, não só não a repreende como lhe elogia a fé, a tranquiliza e a manda embora em paz: “Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e sê curada do teu mal”. Mateus se limita a narrar a substância do ocorrido, sem esses detalhes.
A filha de Jairo (cf. Mt 9, 23-26; Mc 5, 35-43; Lc 8, 49-56). — Morta a menina, Jesus chega por fim à casa do arquissinagogo e, depois de dispensar as turbas, entra no quarto em que jazia o cadáver, levando consigo apenas cinco testemunhas: o pai e a mãe da menina e três de seus discípulos, Pedro, João e Tiago Zebedeu, que foram também testemunhas da transfiguração no monte Sinai e da agonia no horto de Getsêmani. E Jesus, tendo nas suas as mãos da menina, disse-lhe: “Talitha cumi”, quer dizer, “Menina, levanta-te”. Assim excitada pelo contato e pela voz de Cristo, “a menina se levantou e se pôs a caminhar”, pois já tinha doze anos. O Senhor então lhes ordenou “severamente que ninguém o soubesse”, isto é, quis que esse milagre permanecesse oculto por algum tempo a) devido ao ódio dos judeus, que poderiam ver nele uma nova ocasião para persegui-lo antes do tempo estabelecido; b) para mostrar que, humilde e prudente, não estava à procura de fama; e c) a fim de evitar o tumulto das multidões que o seguiam. Por fim, com grande solicitude pelo bem da menina, “mandou que lhe dessem de comer”, para que todos tivessem certeza de que a criança estava viva.
Sentido espiritual. — 1. A hemorroíssa é imagem da alma que se aproxima da SS. Eucaristia: a) o fluxo de sangue é figura de todos os pecados e imperfeições que impedem e atordoam a alma; b) a reverência e o temor da mulher é exemplo da modéstia e da humildade com que devemos acercar-nos da Eucaristia; c) o toque do manto de Cristo é sinal de que, para comungarmos o Corpo do Senhor, precisamos primeiro nos purificar pelo sacramento da Penitência; d) esse toque, porém, não exerce o seu poder senão por meio de uma fé sincera e um arrependimento profundo das próprias culpas; e) a cura da doença significa a força sobrenatural e a saúde da alma que, em graça, pode então receber a Cristo sacramentado com as devidas disposições; f) as palavras finais do Senhor demonstram a sua inefável e doce caridade para com as almas fiéis. — 2. A história de Jairo, por fim, nos recorda que, ainda que a nossa alma esteja morta pelo pecado, podemos sempre lançar-nos ao pés misericordiosos de Nosso Senhor e implorar-lhe com fé, que mesmo privada do influxo vital da caridade é verdadeiro dom de Deus, que restitua a vida da graça à nossas almas e a incremente em nós cada vez mais: “A menina se levantou”, renovada interiormente, “e Jesus mandou que lhe dessem de comer”, para que saísse da infância espiritual e chegasse pouco a pouco à plena maturidade em Cristo.
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