Nestes dias, estamos lendo o início do Evangelho de São Marcos, em que Jesus está sendo apresentado pela primeira vez. E, para sabermos ler essas páginas, precisamos nos colocar no lugar daquela comunidade inicial de cristãos em Roma — para quem, segundo a tradição, Marcos escreveu seu Evangelho.
Foi ali, em Roma, que São Pedro morreu como mártir, crucificado de cabeça para baixo no Circo de Nero, e depois enterrado naquelas proximidades, onde hoje está construída a Basílica do Vaticano. Marcos, que acompanhava o Príncipe dos Apóstolos como um secretário, fazia o papel de tradutor, já que falava grego (a língua “popular” mais comum na época). São Pedro, pobre pescador da Galileia, falava somente aramaico.
Para compor seu Evangelho, São Marcos então pegou aquelas pregações de São Pedro, que havia acompanhado por tanto tempo, e escreveu o seu relato. É por isso que se diz — e nós podemos perceber claramente — que o Evangelho de Marcos é o “Evangelho de Pedro”. Ali contam-se certas situações que somente Pedro poderia ter relatado como testemunha ocular: a ressurreição da filha de Jairo, o Horto das Oliveiras, a Transfiguração.
A tradição nos diz que é por isso que, várias vezes, São Marcos usa palavras aramaicas — como se ainda soassem nos ouvidos do evangelista aqueles relatos do “velho Pedro”. Por exemplo, quando Jesus diz para a menina, filha de Jairo: “Talitá cum!” (“Menina, levanta-te!”), ali está um eco da voz de Pedro, com aquela emoção de quem tinha testemunhado aquele momento único. Pois Jesus não tinha deixado ninguém entrar para ver a ressurreição da menina a não ser os pais, Pedro, Tiago e João. E no Horto das Oliveiras, quem estava lá para ouvir Jesus dizer “Abá, Pai!”? E no Calvário, quem iria nos relatar o grito de Jesus rezando o Salmo: “Eloí, Eloí, lemá sabactâni?” em aramaico (e não em hebraico, como foi escrito o Salmo). Ora, somente Pedro! Então, estamos diante do Apóstolo que nos conta essas boas novas.
Pois bem, escrevendo para aquela comunidade romana a partir da pregação de São Pedro, Marcos constrói seu livro de tal forma que, no ápice de sua narrativa, encontramos, aos pés da Cruz, o centurião romano Longinus (ou “São Longuinho”, no português brasileiro): o soldado que, com uma lança, transpassou o peito de Jesus, convertendo-se naquele exato momento em que o Corpo do Senhor verteu água e sangue, dizendo: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!”
Acompanhando a leitura do Evangelho de São Marcos, é importante termos diante dos olhos todos esses personagens e nos colocarmos em sua posição. Somos nós aquela primeira comunidade de cristão em Roma, ouvindo o testemunho do Príncipe dos Apóstolos. Sou eu o centurião Longinus, que precisa, tendo acompanhado todos esses fatos e conhecendo Jesus, chegar finalmente àquela mesma profissão de fé: “Verdadeiramente, este homem era Filho de Deus!” — não um homem qualquer, mas Deus que se fez homem. É com esse espírito que devemos meditar essas páginas.
Pois bem, neste Evangelho de hoje (Mc 2,1-12), a casa de São Pedro é destelhada. Sim, Cafarnaum era a terra de São Pedro, e quando Jesus começou a sua pregação, adotou a casa de Pedro como a sua casa. Sabemos disso com clareza porque Nosso Senhor era de Nazaré, mas é Cafarnaum que fica à beira do lago, onde Jesus encontra Pedro, Tiago e João, chamando aqueles primeiros pescadores; “Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de homens” (Mc 1,17). É ali onde tudo começa, naquela Galileia dos gentios. Então, São Pedro cedeu a sua casa para ser a casa de Jesus.
Jesus vai à sinagoga de Cafarnaum, onde expulsa o demônio (Mc 1,21-28). Depois, vai para a casa de Pedro, onde encontra a sua sogra doente, de cama (Mc 1,29-31). Jesus então repreende a febre, e a sogra de Pedro se levanta e começa a servi-los. Dali para a frente, aquela torna-se a casa de Jesus. Lembra-se de quando Nosso Senhor levanta-se de madrugada e vai rezar num lugar escondido? É da casa de Pedro que Ele sai, e todos o procuram, mas é o Príncipe dos Apóstolos quem o encontra: “Todos te procuram” (cf. Mc 1,35-37), como se dissesse, “Mestre, você deveria estar lá em casa, que agora é a sua casa”.
Logo na sequência, Jesus diz: “Vamos a outros lugares, às aldeias vizinhas, para que lá também eu anuncie, pois é para isso que vim” (Mc 1,38), e Ele sai com os discípulos pelas cidades da Galileia, anunciando a Boa Nova nas sinagogas, curando doentes e expulsando demônios. A fama de Jesus se espalha de tal forma que Ele já não consegue entrar nas cidades, e passa a pregar em lugares desertos, para onde vão pessoas de toda parte para o ouvir (cf Mc 1, 38-45).
Chegamos, finalmente, ao Evangelho de hoje: o início do capítulo 2 de São Marcos. Em todos esses acontecimentos que estamos sintetizando aqui, quero que você enxergue São Pedro como “protagonista”, como aquele que está narrando. Então, vejam as palavras que Pedro usa aqui, pela pena de Marcos: “Tendo Jesus entrado novamente em Cafarnaum, alguns dias depois, ficaram sabendo que ele estava em casa.” Quer dizer, depois de espalhar o Evangelho pela Galileia, Jesus volta para a sua casa — a casa de Pedro.
Já aqui, no início, esta palavra colhe-nos com todo o seu poder, levando-nos meditar: eu estou disposto a deixar que Jesus entre e faça dele a minha casa?
Não há como negar: acolher Jesus em casa é ser incomodado. De repente, a casa não é mais sua, é de Jesus. De súbito, surge uma multidão. Mas Pedro não “chama a polícia”, não faz um boletim de ocorrência, não depõe: “Olha, estão perturbando a paz da minha residência, já passou o horário dessa gente estar aqui”. Não, a sua casa já não é mais dele, é a casa de Jesus. E então Pedro, pobre pescador, que provavelmente tinha como único patrimônio somente seu barco, suas redes e aquela humilde casa, vê esta mesma ser destelhada.
Uma multidão literalmente destroçando sua casa, e não somente perturbando a paz da sua família: “Ajuntou-se tanta gente que já não havia mais lugar, nem mesmo à porta. E Jesus dirigia-lhes a palavra. Trouxeram-lhe então um paralítico, carregado por quatro homens. Como, por causa da multidão, não conseguiam levá-lo até Ele, abriram o teto…” — É a minha casa! — “...bem em cima do lugar onde [Jesus] estava”.
Meus queridos, a casa onde Jesus quer entrar é a sua alma, e o teto que a multidão quer desmantelar são as suas ideias preconcebidas do que vai ser a sua vida. Você pode ter planejado tudo: planejou se converter, ser um bom católico, fazer a sua própria “igrejinha” particular para se fechar dentro de sua bolha e ficar em paz. “Tudo estará em paz porque eu sou de Jesus e Jesus é meu”, mas, de repente, uma multidão ensandecida invade a sua casa e arranca-lhe o teto.
Na prática: depois que você começou a seguir Jesus, no que a sua vida ficou incômoda? Jesus tomou conta da sua casa, que não é mais sua! O seu problema é achar que “tem casa”, mas você não tem mais; é achar que tem vida, mas acontece que você a entregou a Jesus! Deixe-se, então, guiar por Ele, deixe-se conduzir por Jesus: Aquele que desfaz os tetos, que desfaz os nossos projetos. O homem propõe, Deus dispõe. É a Providência divina que guia os nossos dias, que vai nos conduzindo por essa nova vida.
É certo que acontecem tragédias em nossa sociedade, em nosso país. Mas às vezes não é preciso ir às páginas dos noticiários, basta simplesmente descer à realidade comezinha de sua vida, da sua família, do seu dia a dia, para ver como tudo pode ficar transtornado, como tudo está difícil. Mas devo saber e lembrar que não sou eu mais o dono de tudo isso.
Será esse mesmo Pedro que mais adiante neste Evangelho, quando Jesus disser que “é difícil um rico entrar no Reino dos Céus”, dirá alegremente: “Senhor, nós deixamos tudo e te seguimos (até da minha casa derrubaram o teto!)”. E Jesus responde: “Em verdade, vos digo: ninguém que deixe casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos e campos, por causa de mim e do Evangelho, ficará sem receber cem vezes mais: neste tempo agora, casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos — com perseguições —; e no mundo futuro, a vida eterna.” (cf Mc 10,17-31).
Mas você realmente deixou tudo isso? Jesus é o Senhor da sua vida? Jesus pode dizer que a casa onde você mora não é sua, mas dele? Que o corpo que você tem, a saúde que você tem não é sua, é dele? Que a família que você tem não é sua, é dele? Que o dinheiro, o emprego, o nome, sua fama, os relacionamentos, as suas amizades não são suas, mas dele? Você pode mesmo dizer isso?
Será que estamos dispostos a dizer: “Jesus, entre. Fique aqui em casa”. Cuidado com essa palavra perigosa: quando Jesus se sente em casa, você não terá mais um momento de paz. Porque Ele é o Príncipe da Paz, e diz, como ouvimos em todas as Missas: “Eu vos dou a paz, Eu vos deixo a minha paz. Não vo-la dou como dá o mundo”. A paz de Jesus é uma paz que deixa a alma e o coração contentes, mas o corpo inquieto, atarefado, sofrido, numa constante luta. Mas com a alegria de estar fazendo a vontade dele, como o leproso disse: “Se queres, podes purificar-me!”.
Precisamos saber confiar, como uma criança que confia na mãe. A mãe leva a criança que se machucou ao hospital e o médico, “cruel e sanguinário”, tem de suturar e dar pontos em sua ferida. A criança vê horrorizada a mãe que consente, que aceita que o médico espete aquela agulha tremenda em suas carnes! Aquela criança não entende, mas se ela confia na mãe, aceita a dor que deve vir — “Se queres”!
Assim devemos ser com Jesus. Ele é o Senhor. Ele sabe o que é melhor para mim, eu não. Mesmo que as nossas ideias sejam destelhadas, tenhamos fé! E, então, Ele olhará para nós e dirá, como disse ao paralítico: “Vai, teus pecados estão perdoados”, e só depois: “Levanta-te e anda!”. Só depois.
“Primeiro, as primeiras coisas.”
Primeiro, o bem espiritual, a conversão, o “destelhamento” das nossas ideias loucas e egoístas, para que Jesus possa estar em nossas vidas. Deixemo-nos baixar hoje mesmo na presença de Jesus como aquele aleijado descendo pelo teto. Baixemo-nos diante de seus olhos, para que Ele veja qual é a nossa maior necessidade. Aqueles quatro homens e seu amigo paralítico estavam convencidos de que a maior necessidade era que ele andasse. Mas Jesus viu que, se simplesmente curasse aquele homem e o deixasse seguir adiante, ele estaria com pés e mãos sãos, mas caminhando para o Inferno. É por isso que Jesus então diz: “Esse homem não precisa de pernas, ele precisa de coração. Teus pecados estão perdoados”.
“Primeiro, as primeiras coisas.”
De nada adianta ter pernas para ir para o Inferno. De nada adianta ter saúde, dinheiro, emprego, bem-estar físico e material se estamos caminhando para a perdição eterna. Então, por muitas vezes Deus permite tribulações físicas, materiais, espirituais, e ficamos perguntando: “Mas, Jesus, eu estou aqui na Missa, eu fiz um esforço imenso para vir aqui; destelhei a casa e baixei o paralítico na tua frente, e Vós não me ouvis?”. Ele ouve, mas quando Ele atende, faz aquilo que é mais necessário.
Destelhe não somente a casa, destelhe as suas ideias preconcebidas sobre o que Jesus quer para você. Lembre-se de que a casa não é mais sua: é a casa de Pedro, que também é a casa de Jesus. Deixe Jesus ficar à vontade para dizer o que você precisa: somente pernas, ou um coração totalmente novo. Confie que existe uma mão bondosa, providencial, amorosa, que guia a sua vida nos mínimos detalhes.
Nós somos culpados pelos nossos pecados. Mas é Deus, como divino aproveitador de todas as circunstâncias, quem desfaz os nossos projetos e conduz a nossa história e a de todos os homens para aquilo que é a sua divina vontade. E finalmente, curados no coração, poderemos caminhar, não pela estrada da perdição, mas para o Céu, deixando para trás nossas ideias erradas para adorar somente o Deus verdadeiro.
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