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Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
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Texto do episódio
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Celebramos hoje a solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Daqui a quarenta dias, a Igreja irá celebrar outra festa: a da Transfiguração do Senhor, em memória do dia em que Jesus subiu ao monte Tabor e ali, junto de seus discípulos mais chegados, Pedro, Tiago e João, mostrou-se em todo o esplendor de sua glória, ladeado por Moisés e Elias, representantes da Lei e dos profetas da Antiga Aliança. 

Costuma-se pensar que foi este um dos maiores, senão o maior milagre já feito por Jesus. Trata-se, no entanto, do que poderíamos chamar um “milagre às avessas”. Não é que não seja surpreendente ver manifestar-se o fulgor da divindade de Cristo; é que o que mais espanta, e o que nos deveria encher de admiração, é que Ele, desde o início da sua vida terrena, haja escondido dos homens a claridade da glória que por direito lhe pertencia. De fato, Jesus, se era homem igual a nós em tudo, não era porém um homem qualquer. Desde o ventre de Maria, durante os seus dias de Menino em Nazaré, passando pelos episódios da infância narrados por S. Mateus e S. Lucas, aquele judeu que vemos caminhar entre outros muitos era Deus encarnado. Isso significa que as imperfeições e debilidades da natureza humana, Cristo as assumiu e suportou, não porque precisasse, mas porque assim o quis.

É o que ensina S. Tomás de Aquino (cf. STh III 14, 4 c.), ao argumentar que o Verbo divino, ao se encarnar na nossa história, assumiu livremente os defeitos que convinham ao fim da Encarnação e não envolvessem, claro está, algum tipo de desordem moral. Fome e sede, cansaço e tristeza, o estar enfim sujeito à dor e à morte, tudo isso Cristo o assumiu voluntariamente e com uma finalidade bastante precisa: por amor aos homens e para satisfazer pelos nossos pecados.

Ora, não quererá isto dizer — poderíamos pensar — que os sofrimentos de Cristo não foram autênticos? Afinal, se Ele quis viver o que vivemos, acaso não se segue que esteve sempre em suas mãos o sofrer e o não sofrer? Ele bem podia, por exemplo, mitigar as próprias dores, evitar ter fome quando nós a teríamos, suprimir uma vez ou outra um cansaço natural e assim por diante. Na verdade, esta “razão” prova justamente o contrário do que insinua: foi por tê-las assumido porque quis que as dores de Cristo foram não só autênticas, mas plenamente meritórias.

Uma comparação nos pode ajudar a entender este ponto. O que tem mais valor: oferecer-se ao fogo para abrigar e salvar de um incêndio uma pobre criança, ou ser acorrentado à força num prédio em chamas para, à revelia, servir de escudo humano a outra pessoa? Quem aqui padece com maior amor: o que se oferece livremente para sofrer no lugar de outrem, ou aquele que é forçado a sofrer por falta de alternativa? Eis o grande milagre de amor que, mais do que a luz do Tabor, resplandece na vida oculta de Nosso Senhor Jesus Cristo: o ter Ele, por amor livre e generoso, vivido escondido de todos, suportando com total intensidade tudo o que sofrem os homens, podendo não sofrê-lo se assim quisesse.

Com efeito, os homens carregamos as cruzes que vida nos impõe, enquanto Cristo carregou a cruz que Ele mesmo escolheu. Os homens temos de aprender a sofrer o que nos reserva a Providência, enquanto Cristo escolheu sofrer tudo quanto fora necessário para que nele tivessem valor os nossos sofrimentos. Os homens não escolhemos ter uma vida sofrida, mas Cristo a quis, e cheia de misérias e dificuldades, para que não houvesse nada de que pudéramos dizer: “Cristo não passou por isso”. Porque Ele se nos deu por inteiro e a cada um de nós:

Aquele que, com a sua Paixão e morte na cruz, opera a Redenção é o Filho unigênito que Deus nos deu. Ao mesmo tempo, este Filho da mesma natureza que o Pai sofre como homem. O seu sofrimento tem dimensões humanas; e tem igualmente — únicas na história da humanidade — uma profundidade e intensidade que, embora sendo humanas, podem ser também uma profundidade e intensidade de sofrimento incomparáveis, pelo fato de o Homem que sofre ser o próprio Filho unigênito em pessoa: “Deus de Deus”. Portanto, somente Ele — o Filho unigênito — é capaz de abarcar a extensão do mal contida no pecado do homem: em cada um dos pecados e no pecado total, segundo as dimensões da existência histórica da humanidade na terra (S. João Paulo II, Carta Apostólica “Salvifici doloris”, de 11 fev. 1984, n. 17).

É portanto muito mais de admirar que, embora se pudesse livrar do mínimo desconforto e, a fortiori, da hostilidade de seus perseguidores, Cristo se tenha entregado a todo gênero de padecimentos e por fim à morte, como Ele mesmo disse: “Dou a minha vida para a retomar. Ninguém a tira de mim, mas eu a dou de mim mesmo e tenho o poder de a dar, como tenho o poder de a reassumir” (Jo 10, 17-18). Mas diante de um amor tão grande, que se deixou triturar nas mãos de seus amados, como reagimos os homens? O Cristo mesmo nos responde, em suas aparições a S. Margarida Maria de Alacoque: com ingratidões e indiferenças, com ultrajes e friezas, com um desamor tamanho que, se dele tivéramos noção exata, não poderíamos não nos encher de ira e indignação justíssimas.

E não pode ser senão das almas que lhe estão especialmente consagradas que lhe venham as ingratidões mais sentidas. Não é, pois, tanto a injusta condenação de Pilatos quanto o beijo traidor de Judas o que mais fere o Coração amorosíssimo de Nosso Senhor. É onde Cristo mais espera amor e dedicação que Ele encontra desprezo e ódio. É do coração dos sacerdotes, em quem Jesus deposita sentimentos de especial amizade, que Ele recebe, em paga de seu amor, os pecados mais abomináveis, as traições mais sórdidas, as ofensas mais graves, o descaso mais vil. 

Não pensemos que não haja, neste dois largos milênios de Igreja, atos tremendos, horríveis, de ofensa a Jesus Cristo, vindos muita vez de bispos, de sacerdotes, de almas consagradas. É tanta a maldade do inimigo que, como é sabido, existe no mundo quem aspire à ordenação sacerdotal, e às vezes até à episcopal, para poder, consagrado como Judas, celebrar “missas satânicas”, em que o sacramento do divino amor é profanado de maneiras que não é lícito dizer. E ainda que essas enormidades — Deus assim o queira! — não aconteçam perto de nós, quantas não são as comunhões sacrílegas, o desprezo do sacerdócio, o desrespeito aos ritos sagrados da Missa que, dia após dia, se cometem em tantas de nossas igrejas?

Jesus, Deus feito homem, veio ao mundo e escolheu, livremente, estar entre nós e o fogo do inferno, a fim de receber em si mesmo toda a dor das nossas penas, dos nossos castigos, da nossa miséria. E nós sequer lhe agradecemos. Temos sido ingratos, e mais do que isso: ofensivos, indiferentes. Temos espezinhado o Coração Sagrado cujo amor devíamos hoje estar celebrando. Que as ofensas que tanto o ferem não permaneçam mais sem reparação. Consideremos o que até agora tem sido a nossa vida e olhemos para o que foi a de Cristo: que tantus labor non sit cassus, que não seja em vão tudo o que Ele por nós quis padecer durante a sua vida, a fim de que a nossa se lhe tornasse um dia um hino de louvor e ação de graças.

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