CNP
Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
Todos os direitos reservados a padrepauloricardo.org®

Familiares de Cristo por sangue e por graça

Sobre os doze Apóstolos, Cristo fundou a sua Igreja, o novo Israel, aberto a todos os povos do mundo inteiro, não mais limitado aos estreitos laços de sangue, mas irmanando em um só Corpo todos os homens de boa vontade.

Texto do episódio
00

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 6,12-19)

Naqueles dias, Jesus foi à montanha para rezar. E passou a noite toda em oração a Deus. Ao amanhecer, chamou seus discípulos e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de apóstolos: Simão, a quem impôs o nome de Pedro, e seu irmão André; Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado Zelota; Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, aquele que se tornou traidor.
Jesus desceu da montanha com eles e parou num lugar plano. Ali estavam muitos dos seus discípulos e grande multidão de gente de toda a Judeia e de Jerusalém, do litoral de Tiro e Sidônia. Vieram para ouvir Jesus e serem curados de suas doenças. E aqueles que estavam atormentados por espíritos maus também foram curados. A multidão toda procurava tocar em Jesus, porque uma força saía dele, e curava a todos.

Celebramos hoje a festa dos Apóstolos Simão e Judas. Quem são eles? Primeira coisa, com muita clareza: todo o mundo sabe que são dois dos doze Apóstolos, ou seja, daqueles doze homens que Jesus escolheu para renovar o povo de Deus, o qual já existia no Antigo Testamento, formado pelos doze filhos de Jacó. Agora, Jesus escolhe outros doze, porque quer dar um novo início, renovando todas as coisas. É o Novo e eterno Testamento.

Alguns dos doze tinham vínculo de sangue com Jesus, outros não. Sim, o vínculo com Jesus que está sendo inaugurado é o vínculo da fé, mas acontece que, provavelmente, São Simão e São Judas tinham de fato certo parentesco com Nosso Senhor. Por quê? Porque não só a Tradição como indícios nas Sagradas Escrituras nos levam a crer que os dois eram irmãos, não somente irmãos entre si, mas também de Tiago Menor, outro Apóstolo, bispo de Jerusalém, o “filho de Alfeu”.

Se lermos o Evangelho proclamado hoje, veremos escrito: Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado Zelote. Esse Simão é irmão de São Tiago; e Judas, filho de Tiago, mas esse “filho de Tiago” não está no original grego. Trata-se de um pequeno deslize de tradução, porque o que está escrito no original grego é Ἰούδαν Ἰακώβου, “Judas de Tiago”, não “filho de Tiago”.

Esse “de Tiago” se encontra, inclusive, na carta canônica em que Judas assim se identifica. Afinal, seu irmão Tiago, bispo de Jerusalém, era muito mais conhecido naquela época; portanto, ele se identificava como “Judas de Tiago” ou, como escreve o evangelista São Mateus, “Judas Tadeu”. Esses três Apóstolos, Tiago, Simão e Judas, provavelmente eram primos de Nosso Senhor Jesus Cristo, porque filhos de Maria de Cléofas; portanto, aqui nós temos três irmãos, parentes de Nosso Senhor, que foram escolhidos para ser Apóstolos.

Isso lança luzes também sobre nós pelo fato de que os Evangelhos insistem, e insistem justamente, que em Nazaré Jesus não fez muitos milagres “porque eles não tiveram fé”, o que não quer dizer que ninguém em Nazaré tivesse fé, nem que nenhum dos familiares de Jesus tivesse fé. Eis aqui dois que a tinham!

Então, é bonito e importante ver como agora a Igreja, fundada sobre doze Apóstolos, é o novo Israel, cujo vínculo não é mais o sangue de Abraão, mas o Sangue de Cristo derramado na Cruz. É claro, esse Israel está aberto aos povos pagãos, por isso entramos também nós, também fundados nessa semente, nessa nova descendência de Abraão.

Então, nós louvamos a Deus por termos essa fé, a fé dos doze Apóstolos, fé fundamentada nesses homens que derramaram o sangue para que a Igreja, o novo Israel, tivesse as colunas inabaláveis que são festejadas por Deus no Céu. É aquilo que nós vemos no Apocalipse quando a nova Jerusalém, a Esposa, desce do Céu e encontra o seu fundamento nos doze Apóstolos de Jesus.

Queremos pedir a intercessão desses santos, São Simão, menos conhecido, e São Judas Tadeu, mais popular por causa das várias aparições de Nosso Senhor, principalmente pela mais famosa, a Santa Brígida, a quem prometeu que os que recorrerem à intercessão de São Judas Tadeu verão grandes milagres e grandes graças — daí ele ter ficado conhecido também como o santo “das causas impossíveis”. Peçamos a ele sobretudo essa causa que parece tão impossível para nós: a de sermos santos e perseverantes e, como os dois, corajosamente derramarmos o nosso sangue para defender a fé da Igreja.

* * *

COMENTÁRIO

Eleição dos Apóstolos (cf. Mc 3,13ss). — V. 12s. Naqueles dias, Jesus retirou-se para o monte (εἰς τὸ ὄρος, provavelmente o monte das bem-aventuranças) a orar e passou toda a noite na oração de Deus (gr. ἐν τῇ προσευχῇ τοῦ θεοῦ, lt. in oratione Dei), i.e., em oração a Deus, em razão da importância do que faria em seguida (cf. Mc 1,35). — Quando se fez dia, chamou, i.e., reuniu os seus discípulos, i e., aqueles que o seguiam como Mestre; e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de Apóstolos (do verbo ἀποστέλλειν = enviar, lt. mittere), a fim de exprimir o ofício deles, eleitos e enviados como legados de Deus e de Cristo, para dar testemunho da doutrina e (mais tarde) da ressurreição de Nosso Senhor (cf. At 1,21s). Marcos (3,13) diz que Jesus chamou a si os que ele (enfaticamente: gr. αὐτός, lt. ipse) quis, e assinala o duplo fim imediato desta eleição: 1.º para que andassem quase continuamente com ele e, assim, se imbuíssem mais profundamente de sua doutrina, 2.º e para os enviar a pregar como ajudantes de seu ministério [1].

Nome dos Apóstolos (cf. Mt 10,2ss; Mc 3,26-19). — O primeiro a ser listado, não pelo tempo em que foi eleito mas por sua dignidade, é sempre Simão (Shim‘on = obediente), chamado Pedro. Do fato de ele ser citado sempre em primeiro lugar nos quatro catálogos de Apóstolos cumpre concluir que, desde o princípio, Simão foi primeiro entre os doze, o que, de resto, é abundantemente comprovado por suas múltiplas intervenções na história evangélica (cf. Jo 1,40ss; Lc 5,1ss; Mc 5,37; Mt 17,1.4; 17,23; Lc 22,8; Mt 26,37.40; 14,28ss; Jo 21,7; Mt 26,33ss; Jo 6,69; 13,37.22-26; Mt 16,22ss; 18,21s; Jo 13,2ss; Mt 26,34.69ss; Jo 18,15ss; Mt 16,13-20; Jo 21,15ss; Lc 22,31s; 24,34).

2. André (nome gr.), irmão de Pedro, ambos oriundos de Betsaida (cf. Jo 1,44). Cf. Mt 4,18s; Jo 1,41-45; 6,8; 12,22.

3 e 4. João e Tiago (Maior), filhos de Zebedeu e Salomé, pescadores de Betsaida (cf. Mc 1,20). A ambos Cristo deu o nome Boanerges (hebr. benê regesh = filhos do trovão, cf. Mc 3,17, i. e., tonantes, impetuosos), quer pela índole forte deles (cf. Mc 9,37; 10,35; Lc 9,54), quer pela forma ardente com que pregavam. Aparecem frequentemente nos Evangelhos (cf. Mt 4,21; Mc 5,37; Mt 17,1; Mc 35,41; Mt 20,20-24; Mc 14,33; Jo 21,2); João, de modo particular, na história da Paixão (cf. Lc 22,8; Jo 13,23ss; 19,26ss; 20,2ss; 21,20ss).

5. Filipe (nome gr.), também oriundo de Betsaida (cf. Jo 1,44). Sobre ele, cf. Jo 1,44-49; 6,5ss; 21,21s; 14,8s. 

6. Bartolomeu (= filho de Tolma ou de Tolomeu) é provavelmente a mesma pessoa que Natanael (do qual fala Jo 1,45-50; 21,2). A identidade entre eles é ignorada pela tradição mais antiga, mas passou a ser admitida por muitos latinos a partir de Ruperto de Deutz († 1129) e por vários exegetas do séc. XVI; de fato, o evangelista Jo., que não fala de nenhum Bartolomeu, enumera duas vezes a Natanael entre os Apóstolos (cf. loc. cit.). Os sinóticos, embora não façam qualquer menção a Natanael, falam todavia de Bartolomeu. Também é digno de nota que, nos sinóticos, Filipe e Bartolomeu e, no Evangelho de Jo., Filipe e Natanael aparecem lado a lado ou na mesma narração. É, portanto, ao menos verossímil que este Apóstolo, assim como Pedro, Mateus etc., tivesse um duplo nome, de modo que era conhecido como Natanael (nome próprio) e como Bartolomeu (cognome, ou nome do pai).

7. Tomé (= δίδυμος, i.e. gêmeo, cf. Jo 11,16, da raiz hebr. te’ôm = duplicar). É mencionado em Jo 11,16; 14,5; 20,24-28; 21,2.

8. Mateus, publicano, que também se chamava Levi. Matthæus (gr. Μαθθαῖος ou Ματθαῖος) é, provavelmente, transcrição da forma hebr. Mattai, que significa presente ou dádiva de Deus (= donatus a Deo), à semelhança de Theodorus, Adeodatus (v. “Matanias” em 1Cr 9, 15). Alguns autores, de posição minoritária, derivam o nome do termo hebraico emeth (= fé), sob a forma Amittai (= Fiel, cf. Jn 1,1, vulg. Amathi), tendo o Aleph se perdido por influência do aram.

9. Tiago, filho de Alfeu (Halphai, conhecido por outro nome, ou talvez por pronúncia diversa deste mesmo nome: Cleophas [2]). É bastante provável que sejam a mesma pessoa este Apóstolo e o Tiago τὸν μικρόν (o Menor), i. e.,  o autor da Epístola Católica, contado por São Paulo (cf. Gl 2,9) entre as colunas da Igreja e conhecido na Igreja primitiva como “irmão do Senhor”.

10. Tadeu (talvez de taddajja’ = mama; para alguns, o mesmo que Θευδᾶς) em muitos códices e monumentos antigos é chamado Labbeu (do vocábulo lebb = coração, ou de Lebba, vilarejo da Galileia); é chamado por outro nome em Lc 6,6 e At 1,18: Judas de Tiago, ou seja, irmão de Tiago, como ele mesmo afirma no início de sua Epístola: Judas, servo de Jesus Cristo, irmão de Tiago etc.

11. Simão Cananeu, em Lc. Zelotes, i. e., seguidor fiel das tradições antigas, ζηλωτές (cf. Gl 1,14), que se traduz pelo vocábulo aram. Qan’ana’; outros derivam Cananeu de Caná da Galileia (o que daria, porém, καανῖος). A partir de Mt 13,55 concluem alguns autores que Simão Cananeu seria irmão de Tiago e de Judas.

12. Judas Iscariotes (hebr. ’ish Qerijjoth = varão de Querioth, certa cidade da tribo de Judá, cf. Js 15,25). O traidor (προδότης) foi o único judeu (i. e., da região da Judeia) entre os Apóstolos; todos os outros eram galileus, pois a eles se dirigem os anjos: Homens da Galileia (At 1,11), e alguns homems que estavam em Jerusalém: Porventura não são galileus etc. (At 2,7). Foi na Galileia que Jesus encontrou mais fé, e o traidor provinha da região que mais se opôs a Ele. A eleição de Judas ao apostolado demonstra que os homens se salvam ou condenam, não por necessidade de natureza (φύσει), mas segundo a medida em que cada um se mostra digno da salvação ou da perdição [3].

N.B. — Convém observar que: a) cada evangelista cataloga os Apóstolos segundo critérios próprios (e. g., citando-os de dois em dois, como Mt.; ou individualmente, como Mc; ou, como Lc., listando primeiro os irmãos e depois enumerando os outros um por um mediante a partícula καί). A distribuição de Mt., por aparecer antes da primeira missão, corresponde provavelmente à ordem em que eles foram enviados; — b) em todas as listas (inclusive na de At 1,13), os 12 são distribuídos em três séries de quatro nomes, a cada uma das quais preside sempre, nos quatro catálogos, o mesmo Apóstolo (1. Pedro, 2. Filipe, 3. Tiago), enquanto os demais, dentro de qualquer série, aparecem em ordens variadas. É evidente que esta distribuição não é causal.

Notas


Mc 13,14, em gr., diz literalmente: E fez doze (Καὶ ἐποίησεν δώδεκα) para que estivessem com Ele etc., onde o verbo fez (ἐποίησε) equivale a constituiu, como se dá às vezes em hebr. (עָשָֹה).

É possível que Alfeu e Cléofas (ou Clopas, Κλωπᾶς) equivalham ao mesmo nome: Chalpai (חֲלפי), pronunciado com maior ou menor suavidade.

Cf. J. Knabenbauer, Commentarius in Evangelium secundum Matthæum, Paris, P. Lethielleux (ed.), 1922,3 p. 435.

O que achou desse conteúdo?

Mais recentes
Mais antigos
Texto do episódio
Comentários dos alunos