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Texto do episódio
03

I. Introdução

Dando prosseguimento a este ciclo de aulas dedicado à dignidade da mulher, meditaremos hoje a respeito da feminilidade e, de modo mais específico, sobre a postura e o comportamento de Nosso Senhor em relação às mulheres, tal como nos relatam os quatro evangelhos. Faremos, pois, um breve apanhando do quinto capítulo da Carta Apostólica "Mulieris Dignitatem", de cuja leitura pudemos depreender até agora que o estatuo de dignidade feminina radica-se, em última análise, no fato de a mulher ser feita à imagem e semelhança de Deus, com Quem é chamada a entabular relações em Cristo, e que a opressão por ela sofrida não pertence ao projeto original de Deus para o relacionamento entre os sexos, mas decorre, como triste consequência, da Queda de nossos Pais.

II. «Homem e mulher os criou»

§ 1. O ser pessoa. — A Igreja Católica nos ensina que há um desígnio divino para a criação, quer dizer, Deus fez o mundo, submeteu-o a certos limites e não deixa nunca de o governar. O livro de Jó, por exemplo, traz uma narrativa eloquente de como a sabedoria divina ordena as criaturas segundo um projeto pré-estabelecido e impõe a cada uma delas funções e possibilidades determinadas. Ao dirigir-se ao mar, com efeito, o Senhor lhe diz: "Chegarás até aqui, não irás mais longe; aqui se deterá o orgulho de tuas ondas" ( 38, 11). Esta é uma verdade que vale também para o ser humano, cume da criação e ponto de contato entre as esferas corporal e espiritual: "O homem e a mulher", diz o Catecismo, "foram criados, isto é, foram queridos por Deus: por um lado, em perfeita igualdade enquanto pessoas humanas e, por outro, no seu ser respectivo de homem e de mulher." [1] O ser pessoa, nesse sentido, vem logicamente antes de sua dimensão sexual; é, portanto, a natureza pessoal, predicável tanto do homem quanto da mulher, que por primeiro personifica e dá sentido à dualidade sexual que diferencia machos e fêmeas. Ora, admitir o contrário, isto é, que antes se é homem ou mulher para só então ser pessoa, nos levaria ao "contrassenso de pensar que existem duas classes substanciais de «pessoas humanas», a pessoa masculina e a pessoa feminina." [2] Deus constituiu o homem e a mulher sobre o mesmo substrato pessoal, fê-los antes de tudo naquele "plano em que se é «pessoa»" e que "é mais radical que a dualidade de sexos" [3].

§ 2. A realidade sexual. — Mas o "ser homem" e o "ser mulher" são também realidades boas e queridas por Ele [4]. Se, no plano substancial da pessoa, homens e mulheres são igualmente dignos e possuem, por isso, os mesmo direitos e deveres, na dimensão sexual uns e outras não são "respectiva e reciprocamente, nem superior nem inferior; simplesmente são diferentes" [5]. Essa diferença, que se traduz numa verdadeira complementaridade por que ambos são chamados a cooperar na obra do gênero humano, configura os dois modos possíveis pelos quais são capazes, cada um à sua maneira, de refletir na ordem criada a inesgotável e incomensurável perfeição do Criador, pois "Deus", continua o Catecismo, "não é de modo algum à imagem do homem. Não é nem homem nem mulher. Deus é puro espírito, não havendo nele lugar para a diferença dos sexos. Mas as «perfeições» do homem e da mulher refletem algo da infinita perfeição de Deus: as de uma mãe e as de um pai e esposo." [6] De fato, em muitas passagens das Escrituras Deus dá a conhecer o amor e o zelo—superiores, aliás, ao carinho materno—que nutre por Seu povo: "Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, Eu não te esquecerei nunca" (Is 49, 14-15). A atenção que o Senhor dispensa tem também algo de maternal: "Como uma criança que a mãe consola, sereis consolados em Jerusalém" (Is 66, 13). Ele manifesta paralelamente o Seu amor incansável, perseverante e paterno: "Israel era ainda criança, e já Eu o amava, e do Egito chamei Meu filho. Mas, quanto mais os chamei, mais se afastaram; e queimaram ofertas aos ídolos. Eu, entretanto, ensinava Efraim a andar, tomava-o nos Meus braços, mas não compreenderam que eu cuidava deles" (Os 11, 1-3; cf. Jr 3, 4-19).

§ 3. O fracasso feminista. — Pensado e desejado por Deus desde a eternidade, tudo o que os sexos têm de próprio e complementar deveria levar-nos a afirmar que, se já é bom ser homem, é decerto maravilhoso ser mulher. Criada para amar a Deus e entregar-Se-lhe com coração indiviso, a mulher é chamada a aceitar a si mesma e reconhecer a sua condição de "filha de Deus na sua identidade especifica de mulher, expressamente querida dessa forma por Ele." [7] Não deixa, pois, de causar algum espanto que, na esteira do mais radical feminismo, tenhamos chegado hoje ao ponto de, ao querermos emancipar as mulheres a qualquer custo, as termos privado do que lhes é exclusivo e peculiar enquanto mulheres, reduzindo-as a "uma grotesca imitação do modo masculino de atuar" [8]:

Nessa trilha, não é raro ver mulheres que se sentem no "direito" de assumir precisamente os erros de comportamento do sexo oposto, como se fossem prerrogativas vantajosas do homem: o sexo desprovido de responsabilidades e consequências (a principal reivindicação do movimento), acompanhado do seu clássico séquito—a anticoncepção, a defesa do divórcio e do aborto—; a grosseria de maneiras e a completa ausência de pudor; e os vícios outrora considerados "masculinos", como a embriaguez, o jogo, as drogas... [9]

Esse radicalismo feminista, à semelhança das demais ideologias revolucionárias, é uma realidade que pretende opor-se à ordem em que o mundo foi criado. Poder-se-iam inclusive apreender certas semelhanças entre o feminismo mais renhido e alguns dos traços comuns às várias gnoses que surgiram ao longo da história. O mundo, supõem os gnósticos, não só está mal feito como é produto do mal, ou seja: do demiurgo, princípio co-eterno a Deus e admitido como explicação para os males e imperfeições que afligem e, por assim dizer, caracterizam a realidade terrena. Ora, a distinção sexual entre homem e mulher, dizem, é também fruto da desordem intrínseca a todo o mundo material; ela deve, pois, ser combatida e, na medida do possível, abolida ou anulada. Dependente como é de uma cosmovisão bastante rasteira e algo materialista, o feminismo imanentiza esse princípio cósmico do mal, plasmando-o nas "instituições opressoras" ou no afamado e vaporoso "sistema", que, gerido por uma ideologia patriarcal, machista e chauvinista, seria considerado o responsável histórico pela desigualdade entre homens e mulheres, pela divisão de papéis sexuais, pela opressão secular, enfim, a que as mulheres têm sido submetidas há tantos séculos.

III. Jesus Cristo perante as mulheres

§ 4. As mulheres no Evangelho. — É no entanto o próprio Cristo quem nos dá a chave de leitura para compreendermos o real valor da mulher. Os quatro evangelhos, com efeito, ao narrarem a postura de Nosso Senhor em relação às diversas figuras femininas que vez por outra lhe cruzam o caminho, descrevem um "comportamento extremamente simples e, exatamente por isso, extraordinário, se visto no horizonte do seu tempo" [10]; trata-se de um comportamento que, por sua profundidade e transparência, quebra os "tabus" da sociedade judaica de então. É de fato desconcertante para a mentalidade da época a singeleza, a sinceridade com que Jesus dialoga com a Samaritana, para a qual deixa "transparecer pela primeira vez a sua condição de Messias" (cf. Jo 4, 1-14) [11]. São, aliás, os próprios discípulos que de certa maneira se escandalizam ao ver o Mestre em conversa com uma mulher pertencente ao povo talvez mais execrado pelos judeus:

Admite-se universalmente—e até por parte de quem se posiciona criticamente diante da mensagem cristã—que Cristo se constituiu, perante os seus contemporâneos, promotor da verdadeira dignidade da mulher e da vocação correspondente a tal dignidade. Às vezes, isso provocava estupor, surpresa, muitas vezes raiando o escândalo: "ficaram admirados por estar ele a conversar com uma mulher" (Jo 4, 27), porque este comportamento se distinguia daquele dos seus contemporâneos. "Ficaram admirados" até os próprios discípulos de Cristo. O fariseu, a cuja casa se dirigiu a mulher pecadora para ungir os pés de Jesus com óleo perfumado, "disse consigo: «Se este homem fosse um profeta, saberia quem é e de que espécie é a mulher que o toca: é uma pecadora»" (Lc 7, 39). Estranheza ainda maior ou até "santa indignação" deviam provocar nos ouvintes satisfeitos de si as palavras de Cristo: "Os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus" (Mt 21, 31) [12].

A solicitude e o respeito mantidos por Cristo diante da mulher, qualquer que fosse a sua condição, vêm sempre acompanhados daquela reserva e gravidade que marcam a pureza de vida de Nosso Senhor. Mas nem por isso Ele "deixa de tratá-las com especial [...] deferência" [13]. Será justamente uma mulher, Maria Madalena, a primeira testemunha da Gloriosa Ressurreição; a ela caberá o encargo, conferido pelo mesmo Jesus, de transmitir aos Apóstolos, amedrontados e desconsolados, a boa nova (cf. Jo 20, 11-18). Foram três mulheres que três dias antes mantiveram-se firmes, perseverantes embora tristes, ao pé da Cruz de que pendia o santíssimo corpo flagelado do Verbo encarnado (cf. Jo 19, 25). Foram também três mulheres que tiveram o desvelo de, logo ao amanhecer, ir ao sepulcro de Deus para o ungir e lavar. Poder-se-ia ver nesta coragem e fortaleza femininas que recorrentemente despontam no Evangelho um prenúncio da íntima relação que, na história da Igreja, se faria sentir entre mística e feminilidade, pois as mulheres, ao menos de um modo geral, deixam-se enamorar por Deus com mais facilidade do que os homens. Com efeito, talvez a constituição mesma do ser mulher, orientada para a doação ao esposo e aos filhos, frutos da união conjugal [14], seja, só por si, uma cristalização física da maior docilidade que têm as mulheres à moção da Graça e ao Espírito Santo. Como quer que seja, o fato é que desde "o início da missão de Cristo, a mulher demonstra para com Ele e seu mistério uma sensibilidade especial que corresponde a uma característica da sua feminilidade." [15]

§ 5. «No princípio não foi assim». — Outro aspecto importante da postura de Cristo relativamente às mulheres é o chamado, expresso de modo particular em Seus debates sobre o matrimônio (cf. Mt 19, 3-12; Mc 10, 1-12; Lc 16, 18), ao "princípio", ou seja, à origem da humanidade e ao projeto original de Deus para o ser humano antes de o pecado haver entrado no mundo. Interrogado pelos fariseus se era lícito ao homem, como permitia a legislação mosaica, rejeitar sua esposa, Jesus, quebrando o legalismo típico da mentalidade farisaica, faz referência ao "começo", quando Deus fez o homem e a mulher e disse, pela boca de Adão: "Por isso o homem deixa seu pai e sua mãe para se unir à mulher; e já não são mais que uma só carne" (Gn 2, 24). "Portanto", conclui o Senhor, "não separe o homem o que Deus uniu" (Mt 19, 6). Pensando ter ao seu lado a prescrição de Moisés, os fariseus tentam pôr Cristo à prova e, para isso, colocam-lhe a questão do direito "«masculino» de «repudiar a própria mulher por qualquer motivo» (Mt 19, 3); e, portanto, também do direito da mulher, da sua justa posição no matrimônio, da sua dignidade." [16] Recusando, porém, submeter-se ao jogo dos fariseus, o Senhor responde: "Foi devido à dureza do vosso coração que ele vos deu essa lei" (Mc 10, 5), isto é, a possibilidade de escrever uma carta de divórcio e despedir a mulher; "mas no começo não foi assim" (Mt 19, 8). Jesus nos remete, pois, "para a criação do homem como homem e mulher e para o ordenamento de Deus que se fundamenta no fato" [17] de que ambos foram feitos à imagem e semelhança de Deus. Ele reconduz as coisas ao lugar que lhes fora designado no "começo"; a libertação que Cristo traz à mulher é um retorno ao plano de Deus, que fez o homem e a mulher um para o outro:

[...] não que Deus os tivesse feito apenas "pela metade" e "incompletos"; criou-os para uma comunhão de pessoas, na qual cada um dos dois pode ser "ajuda" para o outro, por serem ao mesmo tempo iguais enquanto pessoas ("ossos de meus ossos...") e complementares enquanto masculino e feminino. No matrimônio, Deus os une de maneira que, formando "uma só carne" (Gn 2, 24), possam transmitir a vida humana: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra" (Gn 1, 28). Ao transmitir a seus descendentes a vida humana, o homem e a mulher, como esposos e pais, cooperam de forma única na obra do Criador [18].

IV. A cumplicidade no pecado

Um outro ponto não menos importante que convém ter em conta nos é revelado ou antes relembrado no episódio da mulher surpreendida em adultério. Como diz o Bem-aventurado Papa João Paulo II, Jesus entra aqui de maneira incisiva na condição histórica e concreta da mulher, sobre a qual pesa e recai também a herança do pecado. "Onerados pela pecaminosidade hereditária", escreve o Papa, homem e mulher "carregam em si a constante «causa do pecado», ou seja, a tendência a ferir a ordem moral, que corresponde à própria natureza racional e à dignidade do ser humano como pessoa" [19]. Esta como que inclinação latente à depravação e ao desvio "exprime-se, entre outras coisas, no costume que discrimina a mulher em favor do homem" [20]. Propenso à dominação e ao uso indiscriminado da autoridade que lhe confere o vigor físico, o homem no estado atual sente dentro de si a tendência a utilizar-se da mulher como um objeto e a eximir-se do pecado de que com ela (pois os dois pecam juntos) se torna réu. Nesse sentido, as acusações feitas à mulher adúltera servem a Jesus de ocasião não apenas para manifestar a Sua misericórdia—"Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar" (Jo 8, 11)—, mas sobretudo para despertar

[...] a consciência do pecado nos homens que a acusam para apedrejá-la, manifestando assim a sua profunda capacidade de ver as consciências e as obras humanas segundo a verdade. Jesus parece dizer aos acusadores: esta mulher, com todo o seu pecado, não é talvez também, e antes de tudo, uma confirmação das vossas transgressões, da vossa injustiça "masculina", dos vossos abusos? [21]

A mulher não deixa, portanto, de ser responsável pelos próprios erros. Mas é ela que muitas vezes tem de arcar com os resultados das faltas, sobretudo as de ordem sexual, em que homem teve sua cota, quando não a própria iniciativa, de participação. Na verdade, mais "do que um conflito entre os sexos, o que existe é [...] uma cumplicidade na corrupção. E, nessa cumplicidade, é a mulher que sofre mais violentamente as consequências" [22]:

Quantas vezes, de modo semelhante, a mulher paga pelo próprio pecado (pode acontecer que seja ela, em certos casos, a culpada pelo pecado do homem como "pecado do outro"), mas paga ela só e paga sozinha! Quantas vezes ela fica abandonada na sua maternidade, quando o homem, pai da criança, não quer aceitar a sua responsabilidade? E ao lado das numerosas "mães solteiras" das nossas sociedades, é preciso tomar em consideração também todas aquelas que, muitas vezes, sofrendo diversas pressões, inclusive da parte do homem culpado, "se livram" da criança antes do seu nascimento. "Livram-se": mas a que preço? A opinião pública de hoje tenta, de várias maneiras, "anular" o mal deste pecado; normalmente, porém, a consciência da mulher não consegue esquecer que tirou a vida do próprio filho, porque não consegue apagar a disponibilidade a acolher a vida, inscrita no seu "ethos" desde o "princípio" [23].

Desfazendo, assim, a hipocrisia masculina, Jesus—cuja inteligência talvez estivesse, também neste episódio, em contato com o mistério daquele "«princípio», quando o homem foi criado homem e mulher, e a mulher foi confiada ao homem com a sua diversidade feminina, e também com a sua potencial maternidade"—deixa a grade lição de que o conflito entre os sexos, quando surge, se deve principalmente ao "egoísmo de se buscar a felicidade própria acima de tudo. E daí o paradoxo de se encontrar a frustração e a infelicidade precisamente onde se buscava a felicidade..." [24]

Referências

  1. Catecismo da Igreja Católica (CIC), n. 369.
  2. Pedro-Juan Viladrich, A Agonia do Casamento Legal. Braga: Theologica, 1978, p. 38.
  3. Id., ibid.
  4. Cf. CIC, loccit.
  5. Pedro-Juan Viladrich, opcit., loccit.
  6. CIC, n. 370.
  7. Sueli C. Uliano, Por um Novo Feminismo. São Paulo: Quadrante, 1995, p. 19.
  8. Id., p. 8.
  9. Id., ibid.
  10. João Paulo II, Carta Apostólica "Mulieris Dignitatem80
  11. Sueli C. Uliano, opcit., p. 21.
  12. MD, loccit.
  13. Sueli C. Uliano, opcit., loccit.
  14. Cf. João Paulo II, 21.ª Catequese, "O mistério da mulher revela-se na maternidade", de 12 mar. 1980. Disponível em (sítio): <goo.gl/W02BT6
  15. MD, n. 16.
  16. Id., n. 12.
  17. Id., ibid.
  18. CIC, n. 372.
  19. MD, n. 10.
  20. Id., n. 14.
  21. Id., ibid.
  22. Sueli C. Uliano, opcit., p. 31.
  23. MD, loccit.
  24. Sueli C. Uliano, opcit., loccit.
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