Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 7, 15-20)
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Tomai cuidado com os falsos profetas. São os que chegam perto de vós sob a aparência de ovelhas, mas por dentro, de fato, são lobos vorazes. Pelos seus atos os haveis de reconhecer. Será que se colhem uvas de espinheiros, ou figos das urtigas? Assim, a árvore boa é a que produz bons frutos, enquanto a árvore má é a que produz maus frutos. A árvore boa não pode produzir maus frutos, nem a árvore má, bons frutos. Toda árvore que não produz bons frutos é cortada e atirada ao fogo. Pelos atos desses tais, portanto, é que os reconhecereis”.
Celebramos hoje com especiais louvores a memória de S. Cirilo, patriarca de Alexandria, “honra da Igreja oriental e defensor preclaríssimo da Virgem Mãe de Deus” (Pio XII, Encíclica “Orientalis Ecclesiæ”, n. 1). Por ocasião desta memória litúrgica e do Ano do Laicato, iniciado em novembro de 2017, vale a pena passar em revista as páginas que D. Prosper Guéranger, em seu conhecido O Ano Litúrgico [1], dedicou à vida de S. Cirilo e, de modo particular, à atuação dos leigos na controvérsia nestoriana. Elevado ao patriarcado de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, Nestório proferiu, durante a homilia de Natal do ano 428, a seguinte heresia: “Maria não deu à luz a Deus; seu filho, Jesus, não era mais do que um homem, instrumento da divindade”.
Ao ouvir essa impiedade, abertamente contrária à fé católica, a multidão que abarrotava a catedral estremeceu de horror e, do meio do povo, levantou-se em protesto a voz de Eusébio, um simples leigo, condenando sem medo o erro do pastor. A indignação e o heróico atrevimento de Eusébio encontraram eco em muitos outros fiéis, que se manifestaram exigindo que se declarasse anátema quem quer que ousasse dizer, afastando-se da fé apostólica e ortodoxa, que “um é o Filho único do Pai e outro, distinto, o filho de Maria”. As blasfêmias de Nestório seriam confutadas vigorosamente por S. Cirilo, que em nome do Romano Pontífice presidiu ao Concílio de Éfeso, convocado em 431, no qual seria definida e conservada em sua integridade a fé da Igreja na unidade de Cristo e na maternidade divina da toda pura Mãe de Deus.
Quanto à atitude de Eusébio e dos demais leigos de Constantinopla, que não recearam opor-se aos erros de Nestório contra a ortodoxia, escreve D. Prosper Guéranger: “Quando o pastor se transforma em lobo, cabe ao rebanho se defender. Não há dúvida de que, via de regra, a doutrina desce dos bispos para o povo fiel e de que os súditos não devem julgar seus chefes em sua fé”. No entanto, continua D. Prosper, “há no tesouro da Revelação certos pontos essenciais dos quais todo cristão, pelo só fato de ostentar tal título, tem o conhecimento necessário e a obrigação de conservar inviolados”. Não se trata, portanto, de questões de detalhe, próprias de especialistas ou acadêmicos, mas de verdades básicas e nucleares — como as tratadas na controvérsia suscitada por Nestório — que todo cristão tem de conhecer e defender, sob o risco de deitar a perder em sua alma e na dos outros a integridade e a pureza da fé católica.
Isso não significa, é claro, que os leigos tenham o direito de se insurgir contra os legítimos pastores, numa espécie de “desobediência eclesial”, mas que a todo cristão, seja leigo ou não, compete o dever de, por fidelidade à Igreja da qual é membro, defender pública e privadamente as verdades reveladas das quais nenhum batizado pode alegar ignorância. Que S. Cirilo de Alexandria, cuja memória quinze vezes secular não deixa de fecundar o Corpo místico de Cristo, interceda por nós e nos alcance a graça de, perseverando constantes até a morte na sã doutrina, termos a coragem de defender sempre, com palavras e modos oportunos, o patrimônio da nossa fé e os princípios inegociáveis da moral cristã, tão desprezados nos tempos em que vivemos.
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