Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 1,1-4)
Naquele tempo, Jesus ergueu os olhos e viu pessoas ricas depositando ofertas no tesouro do Templo. Viu também uma pobre viúva que depositou duas pequenas moedas. Diante disso, ele disse: “Em verdade vos digo que essa pobre viúva ofertou mais do que todos. Pois todos eles depositaram, como oferta feita a Deus, aquilo que lhes sobrava. Mas a viúva, na sua pobreza, ofertou tudo quanto tinha para viver”.
I. Reflexão
Celebramos hoje a memória de Santa Cecília, uma das mais veneradas mártires da igreja de Roma, cujo nome chegou a ser incluído no Cânon romano ao lado de personagens importantes da história da salvação, como S. João Batista, o protomártir Estêvão e os santos Apóstolos Matias e Barnabé. Convertida à fé no início do séc. III, provavelmente durante o pontificado de Urbano I (222-230), e filha de nobres, Cecília fez ainda jovem voto de castidade, consagrando-se inteiramente a Deus. Embora prometida em casamento, como era costume na época, o marido, Valeriano, ficou admirado com o exemplo de virtude e pureza da jovem, que, preservando-se intacta, conseguiu levá-lo à fé cristã. De fato, a menina chegara a tal grau de santidade e recolhimento, que mesmo no barulho que os instrumentos faziam durante a festa de bodas, ela, como que alheia a tudo, cantava a Deus em seu coração a seguinte prece: Fiant, Domine, cor meum et corpus meum immaculatum, ut non confundar, “Que meu coração e meu corpo, Senhor, tornem-se imaculados, para que eu não seja confundida”. Uma vez batizado, também Valeriano consagrou a Deus a própria virgindade e, com oração perseverante, alcançou de Deus, que ilumina os corações mais obstinados, a conversão do cunhado Tibúrcio. Graças às violentas perseguições que do Império contra os cristãos, Cecília, Valeriano e Tibúrcio caíram nas mãos das autoridades: os dois foram degolados, enquanto Cecília, condenada à morte por asfixia, sobreviveu milagrosamente. Os algozes decidiram então cortar-lhe a cabeça. Atingida três vezes no pescoço, Cecília, pela graça de Deus, continuou viva por ainda três dias, salmodiando hinos e cânticos de louvor, até expirar docemente, unida àquele a quem consagrara seu corpo e sua alma. — Que Deus nos conceda imitar o exemplo de vida e fidelidade de Santa Cecília, que mereceu ser apresentada ao Rei dos reis, com grande júbilo e alegria, no cortejo das virgens e em meio ao glorioso exército dos mártires.
II. Comentário exegético
A oferta da viúva (cf. Mc 12,41-44; Lc 21,1-4). — Esta pequena narração pode ser considerada um apêndice ao sermão contra os fariseus. Estando Jesus sentado no átrio das mulheres (provavelmente nos degraus perante a porta ocidental, que dava para o átrio dos israelitas), defronte (gr. κατέναντι, lt. contra) do gazofilácio (1), i.e. da sala onde se guardava o tesouro do santuário, passavam por ali peregrinos a lançar esmolas no erário do Templo, e muitos ricos lançavam muito dinheiro. Aproximou-se então uma mulherinha, viúva e pobre, que lançou duas pequenas moedas (gr. λεπτὰ δύο, lt. duo minuta, númulos palestinos, equivalentes a um perûtāh [פרוטה]), o que é um quadrante (κοδράντης = ¼ de asse). Como visse este gesto, o Senhor, que perscrutava os segredos dos corações, convocou os discípulos e disse-lhes: Esta pobre viúva deu mais que todos os outros que lançaram no gazofilácio: com efeito, a medida da esmola é o sacrifício de quem a dá; ora, os outros lançaram do que lhes sobejava, mas a viúva deu de sua penúria, i.e. do que lhe era necessário ao próprio sustento.
Jansênio identifica duas antíteses: 1.ª os ricos deram do supérfluo; a viúva, de sua penúria. 2.ª Mas ela, dando pouco, deu tudo o que tinha, enquanto eles, dando muito, não deram senão parte do que lhes sobrava. Eis por que se pode dizer que a viúva deu mais que todos os outros, seja pelo ângulo dos bens, pois as duas moedas valiam mais para ela que os donativos para os ricos, seja pelo ângulo da caridade, pois há maior amor em oferecer a Deus o necessário ao próprio sustento, apesar de pouco, do que em lhe oferecer muito do que sobra para levar uma vida cômoda. Em resumo, Deus considera, não quanto, mas do quanto se dá, i.e. estima menos o valor em si da oferta que a generosidade do oferente.
O que achou desse conteúdo?