O Magistério da Igreja existe para salvaguardar o depósito da fé e transmiti-lo integralmente às próximas gerações de cristãos. Nem os Papas, nem os bispos podem inventar uma nova religião. Como legítimos sucessores dos Apóstolos, o poder deles se limita a ensinar fielmente tudo aquilo em que a Igreja universal sempre acreditou. Na história da Igreja, esse poder foi exercido tanto pelo magistério pontifício como pelos concílios ecumênicos — assembleias episcopais que, com a aprovação pontifícia, esclareceram as dúvidas e confirmaram a doutrina da fé em períodos controversos do cristianismo. Em outras palavras, o Magistério serve para sinalizar onde está o caminho de Jesus.
Um concílio é convocado sempre que um Papa acha necessário resolver alguma questão doutrinal ou disciplinar de grande relevância. Essa, ao menos, foi a prática comum adotada pelos Romanos Pontífices até o Concílio Vaticano I, o vigésimo concílio da Igreja, cujo maior legado foi a proclamação do dogma da infalibilidade papal. O Concílio Vaticano II, por outro lado, foi convocado para lidar com uma situação bastante diferente. João XXIII não pretendia proclamar nenhum novo dogma, nem condenar qualquer tendência teológica da época. Para o Papa Roncalli, o objetivo do novo Concílio deveria ser o de guardar e ensinar o depósito sagrado da doutrina cristã “de forma mais eficaz” (cf. Discurso de abertura do Concílio Vaticano II, I Sessão, V, n. 1). O Concílio Vaticano II foi, assim, um concílio eminentemente pastoral.
Para cumprir a tarefa proposta, os Padres conciliares optaram por um novo estilo de atuação no mundo, preferiram “usar mais o remédio da misericórdia do que o da severidade” (Discurso de abertura do Concílio Vaticano II, I Sessão, VII, n. 2). A ideia, afinal, era transmitir aos homens uma imagem mais amorosa da Igreja, como mãe “benigna, paciente, cheia de misericórdia e bondade também com os filhos dela separados”, que satisfaz “melhor às necessidades de hoje mostrando a validez da sua doutrina do que renovando condenações” (Discurso de abertura do Concílio Vaticano II, I Sessão, VII, n. 2). E essa se tornou a tônica de todos os discursos e ações magisteriais desde então, na esperança de gerar, para a Igreja, uma nova primavera de conversões, vocações e santos.
Toda a esperança conciliar mostrou-se equivocada poucos anos depois. Em 1972, sairiam da própria boca de Paulo VI, o timoneiro do Concílio, estas palavras chocantes: “Pensamos que após o Concílio viria um dia de sol para a história da Igreja; em vez disso, deparamo-nos com novas tempestades”. De fato, os anos após 1965 foram marcados por fortes evasões das fileiras católicas: conventos e seminários fechados, desistências de sacerdotes, protestos contra o magistério papal, heresias que se tornaram populares etc. O remédio do Concílio Vaticano II fracassou.
As especulações sobre esse “fracasso” do Concílio vão geralmente em duas direções. A primeira procura avaliar o problema sob uma visão post hoc, ou seja, depois do Vaticano II, o mundo teria sofrido tal onda de revoluções que as renovações conciliares, em si boas, se tornaram ineficazes para conduzir o homem de volta ao caminho de Deus. O homem moderno do período pós-conciliar já não seria o mesmo da Gaudium et Spes, cujas “alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias” seriam as mesmas dos discípulos de Cristo (n. 1). O homem pós-moderno seria também um homem pós-cristão. Outra é a avaliação daqueles que julgam de acordo com a visão propter hoc, isto é, o Concílio como a causa do problema. Para essa tendência, a atitude pastoral do Vaticano II teria desativado o sistema imunológico da Igreja, permitindo que a confusão e a heresia se disseminassem com liberdade entre os fiéis.
De fato, a Igreja pós-conciliar é uma Igreja em constante diálogo com o mundo, e as condenações da Congregação para Doutrina da Fé são raríssimas e demoradas. Bem diferente era o período tridentino, por assim dizer, quando o Santo Ofício distribuía anátemas e os hereges eram expulsos dos quadros católicos. Agora o mundo, que não tolera o cristianismo e ousa pedir a renúncia de um Papa quando este não se submete à opinião liberal, exige ao mesmo tempo da Igreja a mais arbitrária tolerância dos pastores para com os dissidentes e todos aqueles que, embora no seu seio, tramam contra ela e a sua doutrina. As intenções dos Padres conciliares, sem dúvida, eram boas, mas o seu efeito acabou gerando uma “guerra assimétrica” com os secularistas, que odeiam os cristãos. Ao mundo, tudo; à Igreja, nada.
Com efeito, a situação atual leva-nos a concluir o seguinte: as duas avaliações estão razoavelmente corretas. Tanto o homem moderno é um homem transformado pela revolução, como o remédio pastoral do Vaticano II demonstrou-se ineficaz. Os métodos de evangelização que estão funcionando hoje são aqueles que resgataram a Tradição espiritual da Igreja: linguagem escolástica clara, pregações firmes sobre os Novíssimos, incentivo à Comunhão e à Confissão frequente etc. Onde esses elementos estão presentes, o número de vocações aumenta e as famílias decidem ter mais filhos. Todavia, onde o método pastoral parte de uma abordagem muito complacente e ambígua, as vocações não aparecem e os católicos ficam desorientados.
Recentemente, o Cardeal Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação para Doutrina da Fé, reconheceu abertamente o problema pastoral de nossa época, cuja visão pessimista sobre o futuro da Igreja impede a Nova Evangelização:
Um grupo de bispos alemães, com seu presidente [i.e., da Conferência Episcopal] na dianteira, se vêem como lançadores de tendências na Igreja Católica em direção à modernidade. Eles consideram a secularização e a descristianização da Europa como um desenvolvimento irreversível. Por essa razão, a Nova Evangelização — programa de João Paulo II e Bento XVI — é, na visão deles, uma batalha contra o curso objetivo da história, se assemelhando à batalha de Dom Quixote contra os moinhos de vento. Portanto, todas as doutrinas da fé que se opõem ao “mainstream”, ao consenso social, devem ser reformadas.
Uma consequência disso é a demanda para a Sagrada Comunhão mesmo a pessoas sem a Fé Católica e também por aqueles Católicos que não estão em estado de graça santificante. Também estão na agenda: bênção para casais homossexuais, intercomunhão com protestantes, relativização da indissolubilidade do sacramento do matrimônio, introdução dos viri probati e abolição do celibato sacerdotal; aprovação de relações sexuais antes e fora do casamento. Essas são as metas, e para alcançá-las eles estão dispostos a aceitar até a divisão da conferência episcopal.
Os fiéis que levam a doutrina Católica a sério são rotulados como conservadores e empurrados para fora da Igreja, expostos a campanha difamatória da mídia liberal e anti-católica.
Os muitos bispos, a revelação da verdade e da profissão da Fé Católica é só mais uma variável no jogo de poder político intra-eclesial. Alguns deles citam acordos individuais com o Papa Francisco e pensam que suas declarações em entrevistas com jornalistas e figuras públicas distantes de serem católicos oferecem uma justificativa mesmo para “diluir” verdades de Fé definidas, infalíveis (=dogmas). Tudo isso dito, estamos lidando com um patente processo de protestantização (grifos nossos).
Baldadas as esperanças pastorais do Concílio Vaticano II, os muitos pastores da Igreja atual já não enxergam saída, e preferem, como bem disse o Cardeal Müller, adaptar-se à secularização, que seria algo irreversível. Mas essa visão não só está errada, como revela uma profunda descrença por parte de alguns cristãos nas promessas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele disse, em mais de uma oportunidade, que o Espírito Santo estaria conosco até o fim dos tempos e que, por isso, as portas do inferno jamais prevaleceriam contra a Igreja. Portanto, não nos resta outra opção senão esperar em Deus e continuar a pregar o Seu Evangelho para todas as gentes, fazendo como pedia São Paulo: “Prega a Palavra, insiste oportuna e importunamente, repreende, ameaça, exorta com toda paciência e empenho de instruir. Porque virá o tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação” (2Tm 4, 2-3).
Não sabemos se estamos nos últimos tempos. Sabemos apenas que Deus nos chama para uma grande batalha, como relata o livro do Apocalipse, da qual o dragão vermelho e a grande Babilônia não sairão vitoriosos. A descristianização não é algo irreversível. E isso deve alimentar nossa fé e nossa esperança. Babilônia cairá para que o Céu exulte sobre ela “e também vós, santos, apóstolos e profetas, porque Deus julgou contra ela a vossa causa” (Ap 18, 20).
As esperanças do Concílio Vaticano II não devem ser colocadas em um método pastoral, mas na sua doutrina infalível, que é a mesma doutrina de dois mil anos de cristianismo, a doutrina que nos chama à santidade. E essa doutrina deve ser novamente proclamada com auxílio dos métodos que foram provados pela história: a clareza na catequese, a Confissão frequente, a piedade litúrgica, a referência ao mistério e ao sacrifício de Cristo na Missa etc. Agindo assim, a Igreja desafiará o mundo a sair da mediocridade para tornar-se cidade santa de Deus. Afinal, essa é a vontade do Senhor.
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