Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 6, 1-5)
Num sábado, Jesus estava passando através de plantações de trigo. Seus discípulos arrancavam e comiam as espigas, debulhando-as com as mãos. Então alguns fariseus disseram: “Por que fazeis o que não é permitido em dia de sábado?”
Jesus respondeu-lhes: “Acaso vós não lestes o que Davi e seus companheiros fizeram, quando estavam sentindo fome? Davi entrou na casa de Deus, pegou dos pães oferecidos a Deus e os comeu, e ainda por cima os deu a seus companheiros. No entanto, só os sacerdotes podem comer desses pães”. E Jesus acrescentou: “O Filho do Homem é senhor também do sábado”.
Os discípulos arrancam espigas (cf. Mt 12, 1-8; Mc 2, 23-28; Lc 6, 1-5). — De acordo com S. Lucas, esta cena teve lugar em dia de sábado ou, segundo alguns códices, incluindo o texto da Vulgata, no “sábado segundo primeiro” (lt. sabbato secundo primo; gr. δευτεροπρώτῳ), expressão que deu origem a infinitas opiniões. Omitidas as demais, é suficiente expor a que parece mais provável e comum, a saber: sábado δευτεροπρῶτον era aquele que caía depois do segundo dia da Páscoa. Com efeito, como a Lei (cf. Lv 23, 15) mandava contar sete semanas a partir deste segundo dia da Páscoa, é provável que tenham surgido as denominações δευτεροπρῶτον, δευτεροδεύτερον etc. para significar essas semanas. Outros pensam que com este nome se designava o sábado após o “grande sábado” (Magnum Sabbatum), isto é, o que vinha depois do sábado da semana da Páscoa (cf. Jo 19, 31).
V. 1-2. Como Jesus estivesse atravessando algumas plantações, os discípulos, esfomeados, começaram a arrancar espigas e a debulhá-las com as mãos, o que era lícito, já que a prescrição da Lei vetava apenas que se colhesse com foice as espigas em seara alheia (cf. Dt 23, 25).
V. 3-5. Aos fariseus, que repreendiam a suposta violação do sábado cometida pelos discípulos, Jesus responde com dois fatos: a) se a Davi e seus companheiros, por necessidade, foi permitido comer, como se narra em 1Sm 21, 1-6, dos pães da proposição, que segundo a Lei só poderiam ser comidos pelos sacerdotes (cf. Lv 24, 9), por que não seria lícito aos meus discípulos, por justa causa, transgredir vossas tradições? b) Não lestes na Lei (cf. Nm 28, 9s etc.) que, nos dias de sábado, os sacerdotes transgridem no Templo o descanso do sábado, por fazerem muitas coisas referentes aos sacrifícios e ao culto divino, e no entanto não se tornam culpados?
V. 6-8. Poderiam os fariseus ter respondido que era lícito, sim, aos sacerdotes realizar, mesmo em dia de sábado, os ministérios do Templo, por se destinarem às coisas sagradas à honra de Deus; mas Jesus se adianta à dificuldade e a desfaz com uma tríplice razão: a) Eu vos declaro que aqui (ὧδε = neste lugar) está quem é maior (μεῖζόν, no neutro = algo de natureza superior) que o Templo, quer dizer, não menos sagrado, pois é até mais excelente o ministério dos discípulos que me seguem que o dos sacerdotes que servem no Templo. — b) Em Mc 2, 27, dá Ele outra e alta razão: O sábado foi feito para o homem, isto é, foi instituído para proveito do homem, tanto (e sobretudo) espiritual quanto corporal, e não o homem para o sábado; por isso, deve ser observado de tal modo que não prejudique a saúde nem da alma nem do corpo, como lemos que fizeram também muitos santos varões (Js 6, 15s; 1Mac 2, 41). Por esse motivo, repreende-os por acusarem os discípulos não por zelo e obediência à Lei, mas por rivalidade e dureza de coração: Se compreendêsseis (ou seja, entendêsseis retamente) o sentido destas palavras: Quero a misericórdia e não (isto é, mais do que) o sacrifício (cf. Os 6, 6), não condenaríeis os inocentes, quer dizer, os meus discípulos, que transgrediram o descanso sabático, não por desprezo da Lei, mas por necessidade. — c) Como se não bastassem esses, desfere ainda outro argumento, e este fortíssimo, com base em sua própria autoridade: O Filho do Homem é Senhor também do sábado; logo, quando for preciso, Ele pode dispensar de sua observância. Uma evidente afirmação da divindade de Cristo, como se vê [1].
Reflexão moral. — Em que consiste o preceito dominical? 1) Trata-se, em primeiro lugar, de um preceito de direito natural, porque, tendo o homem a natural inclinação a dedicar algum tempo às coisas necessárias à vida (v.gr., ao sono, à alimentação, ao descanso etc.), a natureza mesma das coisas exige que se reserve algum tempo ao culto divino, não só interno e privado, mas também externo e público, já que Deus, que nos criou como seres sociais, deve por nós ser honrado tanto individual como socialmente. — 2) Trata-se, além disso, de um preceito de direito divino positivo, na medida em que o próprio Deus determinou que ao menos em um dia de cada semana deve o homem abster-se dos trabalhos e negócios ordinários para louvá-lo dignamente. — 3) Trata-se, por último, de um preceito de direito eclesiástico, porque foi a Igreja que especificou em que dias e de que modo deve o cristão prestar culto público a Deus [2]. Eis por que diz o Angélico: “A observância do dia do Senhor, na Nova Lei, sucede a observância do sábado, não por força de preceito legal, mas graças à prescrição da Igreja e ao costume do povo cristão” (STh II-II 122, 4 ad 4), que assumiu “como festivo o primeiro dia depois do sábado, porque nele se deu a ressurreição do Senhor” (S. João Paulo II, Carta Apostólica “Dies Domini”, de 31 mai. 1998, n. 18). — O preceito dominical, por conseguinte, não é um mero formalismo nem um ritualismo vazio, mas a realização de uma necessidade enraizada na nossa própria natureza: fomos feitos para Deus, e a Ele, como a qualquer pessoa que verdadeiramente amamos, temos de dedicar algum tempo, sem o que seria impossível na prática prestar a Deus o culto que lhe é devido e crescer na amizade que Ele mesmo quis ter conosco. Saibamos pois sacrificar o nosso tempo, não como quem cumpre um dever aborrecido, mas como quem se alegra de deixar suas ocupações e interesses, para ocupar-se durante um tempo generoso, segundo a condição e disponibilidade de cada um, do nosso único e grande Amor: “O Filho do Homem é senhor também do sábado”.
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