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Por que não consigo rezar?

É um risco que corre quem quer que comece a ter vida de oração: preencher o dia de terços, novenas e não se sabe que outras devoções, para acabar… caindo na rotina. Como fazer, então, nossos hábitos de oração ganharem vida e nos unirem de fato a Nosso Senhor?

Texto do episódio
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Tratemos nesta aula das dificuldades na vida de oração. Eis uma matéria fundamental para o progresso na santidade e que requer, por isso, a nossa máxima atenção. Não são poucas as almas que, embora queiram ter intimidade divina, sentem-se, no entanto, desmotivadas pelas várias dificuldades e obstáculos do caminho.

Mas antes de abordarmos a questão dos obstáculos, queremos apresentar a nossos alunos um livro de oração, que acaba de ser publicado em português, no Brasil, pela editora Ecclesiae. Essa obra chama-se “In sinu Iesu: quando o coração fala ao coração: o diário de um sacerdote em oração”, e foi escrita por um monge beneditino, que fala, como supõe o título latino, da sua oração “no peito de Jesus”. O leitor pode conferir as anotações de um padre que dialoga intimamente com Cristo e inspirar-se a repetir o mesmo gesto de São João, na Última Ceia, quando este se reclinou sobre o peito de Nosso Senhor a fim de escutá-lo.

Para os sacerdotes, sobretudo, o livro é um grande auxílio, porque ele mostra, pelo testemunho do autor, como um padre deve falar com Deus. Numa das orações, por exemplo, esse monge fala a Nosso Senhor das suas lembranças do passado — talvez algumas culpas que ele ainda carregasse, apesar de não as mencionar explicitamente. De fato, todo padre sincero carrega a cruz de ainda não ser o padre que deveria ter sido. E entre essas preocupações passadas e futuras, Jesus, porém, lhe responde: “Dê-me tudo o que você tem agora, dê-me o seu presente”. Que temos, afinal, para consagrar a Deus senão o nosso presente? Não é o que vivemos há dez minutos ou o que vai se passar daqui a uma hora, porque nem o passado, nem o futuro existem concretamente. Ao contrário, é o nosso presente, a hora exata, o agora de nossa alma o que Jesus deseja.

Aqui finalmente tocamos o problema central: as pessoas não progridem na santidade porque, no momento da oração, estão pensando em outras coisas, estão presas a um mundo imaginário, viajando entre o passado e o futuro. Ou seja, elas não estão onde deveriam estar, de modo que ficam esperando um momento ideal para falar com Deus. Mas esse momento não virá porque o futuro nunca é como nós o imaginamos. É, pois, a realidade presente, o nosso agora que devemos colocar diante de Deus: a nossa agitação interior, a nossa saúde naquele momento, o nosso estado espiritual etc. Essa é a única coisa que podemos lhe oferecer sem demora.

A presença de Jesus na oração. — Jesus é a Presença por definição. Nós é que somos ausentes, por conta de nossas dispersões, e, desse modo, acabamos não conseguindo lhe dar a atenção devida.

Na vida de oração, devemos entender que Jesus anseia pela nossa visita. Ele se comporta como descreve a mística francesa Gabrielle Bossis numa de suas locuções interiores, quando Nosso Senhor lhe dizia assim: “Na estação, à beira do Rodin, tu olhas com fixação na direção pela qual chegará o trem; da mesma forma, eu tenho meus olhos fixos em ti, esperando que venhas a mim” (Ele e eu, n. 54). A senhora Gabrielle Bossis era uma leiga que, como qualquer um de nós, esperava pelo trem, ou pelo ônibus ou por alguma pessoa que deveria chegar. Essa espera é, muitas vezes, com ansiedade e expectativa. Jesus, então, nos responde como respondeu a Gabrielle. Ele nos espera com um olhar fixo, cheio de ansiedade e expectativa.

Nós, por outro lado, temos a tendência de transformar a vida de oração numa lista de “tarefinhas” para cumprir. Resumimos tudo à Missa, ao Rosário, a esta e aquela novena, a jaculatórias etc. E há ainda quem transforme simples atos de piedade em “obrigações sub gravi”, arriscando-se, com isso, a cair mais facilmente em pecados mortais. Desse modo, a oração não se converte em encontro com Deus, mas a Missa, o Rosário, as novenas, e assim por diante, passam a ser obrigações de uma “regra de vida”, que temos de cumprir para “nos livrarmos de Jesus”. Essas coisas em si mesmas santas e dignas acabam se convertendo em “moralismo”.

A regra de vida é, sim, uma coisa boa, que ajuda a disciplinar os mais dispersos. Mas essa regra não pode transformar-se numa prisão que nos faz perder a presença do Senhor. Como diz Santa Teresa, a vida de oração é, antes de tudo, um trato de amizade, pelo qual eu me relaciono humilde e amigavelmente com Outro que eu sei que me ama. Não é uma conversa com as paredes ou com um amigo imaginário; é um diálogo real, com uma Pessoa divina que nos ama com amor inigualável. 

Já nos atos preparatórios da oração — exame de consciência, ato de piedade etc. —, temos de buscar a companhia do Senhor. Esse diálogo necessita, depois, da máxima sinceridade. Não pode haver teatro, não pode a alma querer ser algo que ela não é. Em vez disso, deve apresentar-se despida, sem máscara, como a adúltera pega em flagrante, que foi arrastada até Jesus para ser apedrejada. Provavelmente, essa mulher deveria estar muitíssimo agitada, sem o mínimo recolhimento para estar na presença do Senhor. Mas foi assim mesmo, nessa agitação interior, como comenta Santo Agostinho, que a miséria encontrou-se com a Misericórdia divina. E Jesus a acolheu totalmente.

Nós precisamos fazer violência contra nossa vontade, arrastar a adúltera aos pés de Jesus, a fim de que Ele acolha a nossa alma no estado em que ela se encontra. Porque “o Reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam” (Mt 11, 12). Ninguém jamais conseguirá encontrar-se com Jesus se não estiver disposto a praticar uma mortificação dos próprios desejos, uma ascese interior para domar a sua vontade e colocar-se na presença dEle.

Muitos dão a desculpa de que são bastante ocupados e, por conta disso, não têm tempo para falar com Deus. Mas é muito provável que, se tivessem uma vida desocupada, nem assim teriam vida de oração, porque, na verdade, são os mais atarefados, os mais ativos, enfim, os que fazem verdadeira violência contra si mesmos que têm vida de oração. Talvez hoje esss pessoas já não precisem de tanto esforço, mas, no início da jornada, a determinada determinação delas foi fundamental.

Sim, o protagonista da oração é Deus e é Ele quem realiza em nós o querer e o fazer (cf. Fl 2, 13). Longe de nós qualquer pelagianismo ou coisa parecida. Todavia, a graça divina, para ser eficaz, depende da nossa docilidade. Cada um, conforme a própria história, circunstância e temperamento, precisa encontrar o jeito adequado, praticar violência contra si mesmo, e começar a ter vida de oração, custe o que custar.

A simplicidade da oração. — Sem dúvida, a oração é necessária para que sejamos capazes de amar. Jesus nos ama, Ele nos espera, mas nós não o esperamos. Essa esperança só pode acontecer numa vida de oração bem enraizada, que deve começar de forma bem simples, com a oração vocal.

A oração vocal é algo, aliás, que deverá estar presente ao longo de toda a nossa vida. É preciso ter isso bem claro, pois muitas almas vaidosas, depois que conseguem meditar alguma vez, acabam abandonando a oração vocal, como se já não precisassem mais dela.

Nosso Senhor e a Virgem Santíssima fizeram orações vocais. Essa oração não significa necessariamente uma oração dita em voz alta, mas uma comunicação por algum recurso linguístico. Para uma pessoa surda-muda, por exemplo, a oração vocal será a linguagem em libras. Trata-se, afinal, de usar algum meio de comunicação. Nós podemos, então, falar com Deus escrevendo um caderno espiritual. 

Nos demais estágios de oração, esse tipo de diálogo pode até desaparecer, cedendo lugar a uma contemplação mais perfeita das verdades salvíficas. Não obstante, a oração vocal é um meio ordinário do qual não podemos arbitrariamente abrir mão.

Os passos para progredir. — Presença e diálogo: são esses os dois princípios básicos para o progresso na vida de oração. Portanto, se não houver um tempo para rezar e, neste tempo, o encontro com alguém que nos ama, mesmo que seja numa linguagem muito simples, então não haverá oração. Sem essas duas colunas, não é possível progredir. Colocadas as duas colunas da vida de oração, podemos agora indicar os próximos materiais para a sustentação desse edifício.

A direção espiritual é um desses materiais fundamentais. Porque o sacerdote possui uma graça de estado para conhecer a alma de seus dirigidos, ele pode ajudá-los mais concretamente a progredir na santidade pelo reconhecimento das moções do Espírito Santo.

Infelizmente, faltam padres para o ministério da direção espiritual. Por isso, o que vamos apresentar aqui é um guia bem geral para auxiliar nossos alunos a perceberem onde as águas de Deus estão se movendo. Isso é importante porque muitos de nós ficamos apegados a certos aspectos da vida espiritual e não nos movemos para onde o Senhor deseja nos levar.

Na oração sincera, o Espírito Santo sempre toca a alma, gerando nela afetos para que se mova na direção de Deus. Esses afetos podem surgir, por exemplo, a partir da meditação da Paixão de Cristo. Mas é importante que a alma não se apegue a um único texto, simplesmente pela memória do afeto que provou na outra ocasião. Depois de um tempo, essa fonte pode secar, pois o Espírito Santo deseja conduzir a alma a um novo estágio, um novo lugar. E se a alma mantém-se resistente, apegada, ela não poderá progredir em novos afetos.

Se o que me conduz mais à união com Deus é a lectio divina, então devo mergulhar fundo nessa oração e tirar dela o máximo proveito possível. Devo ser dócil à inspiração divina. Mas, se em outra ocasião, é o Terço que está me movendo, então preciso me submeter e prestar atenção ao movimento de Nosso Senhor. Porque, como dizem as Sagradas Escrituras, “o vento sopra onde quer e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai”, e “assim é também todo aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3, 8).

A direção espiritual é importante para a alma conseguir distinguir esses afetos e não ficar como uma borboleta aqui e acolá. Muitos não conseguem progredir por conta desse obstáculo, ou então porque se prendem a fórmulas que, como dissemos, não geram necessariamente um verdadeiro encontro com Deus. Um monge beneditino, de espiritualidade litúrgica, pode bem ser tocado por Deus na oração de um simples Rosário. Mas se ele for arrogante, e não se submeter a essa oração simples, então ele perderá a graça que Deus tinha para lhe dar, perderá o encontro com Cristo.

É Jesus, afinal, que deve ser o protagonista da nossa oração. A nossa “violência” precisa deixar espaço ao movimento da graça. Mas deve, sim, haver essa ascese, essa humildade inicial, a disposição de sempre recomeçar e ser como um mendigo de Deus. Porque nenhuma alma recomeça do zero, uma vez que Deus jamais se esquece dos seus filhos amados, e do que realizou na alma deles. Aos poucos, iremos progredindo nesse Amor até que Ele seja tudo em todos (cf. 1Cor 15, 28).

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