Pesquisas dão conta de que ao menos nos últimos 20 anos, padres jovens nos primeiro cinco anos de sacerdócio enfrentam uma crise de identidade e muitos acabam deixando o ministério.
Trata-se de um fenômeno recente, pois nos anos 50, 60 a crise atingia os sacerdotes com dez, quinze anos de vida pastoral. Atualmente já se ouvem casos de padres que deixaram o ministério no primeiro ano e alguns até logo em seguida à ordenação.
O fato de que esse triste fenômeno atinge o mundo inteiro, tanto dioceses quanto ordens religiosas revela que a geração atual possui algo que as mais antigas não tinham. Onde, então, reside a dificuldade do padre jovem?
O que se vê na Igreja como um todo nos últimos 20, 30 anos é uma espécie de imanentização da vida cristã. Durante séculos os cristãos olharam para a própria vida neste mundo como uma luta, um estágio e sabiam que o paraíso seria no céu. Sabiam que nesta vida haveria lutas.
Ocorre que com o progresso da tecnologia e com as ideologias, infiltrou-se no mundo uma esperança - fajuta, vazia - de que o paraíso seria aqui. Este é o problema cabal que atinge não só os padres jovens, mas os cristãos em geral. E vai além dos seminários, da Igreja, chegando mesmo nas bases da civilização.
Por causa da técnica, do conforto da sociedade do consumo e da possibilidade de realização cria-se uma ilusão de que o mundo é o paraíso. Isso não ocorria há 100 anos, por exemplo, quando as pessoas eram mais resignadas diante do sofrimento, da morte, da dor, da cruz, pois olhavam ao redor e entendiam que essas coisas são inerentes à essa vida. Contudo, por todos os avanços, cresceu também o desejo de se vencer o que se é próprio da vida e fazer o paraíso aqui na Terra.
Essa geração, então, espera nesse mundo a realização pessoal. Ser feliz aqui. Entretanto, Nosso Senhor Jesus Cristo nunca prometeu a felicidade aqui, pelo contrário, quem assim o prometeu foi o Diabo.
E a cultural atual chega mesmo a facilitar o trabalho do Demônio, pois promove a perda da fé. A fé cristã sempre ensinou a abraçar a cruz como Jesus a abraçou, pois quem assim o fizesse ressuscitaria como Jesus ressuscitou. E foi essa fé que possibilitou as gerações antigas a se entregar ao sacerdócio que sempre significou uma espécie de “morte", de entrega.
Ora, por melhor que seja a formação no seminário, quando os padres jovens são ordenados e vão para as paróquias, deparam-se com a tentação real e concreta de se realizarem no mundo. Alguns decidem gravar um cd, outros têm um zelo enorme pela liturgia, outros engajam-se em movimentos sociais, mas todos desejam a realização neste mundo. Tantos sonhos, mas todos eles com uma característica em comum: não possuem transcendência, nem abertura para o céu.
Antigamente, quando a ilusão de felicidade terrena ainda não perpassava os corações sacerdotais, mais facilmente os padres entendiam que a cruz seria carregada nesta vida, mas que o prêmio que haveriam de receber na eterna seria infinitamente maior. Foi essa certeza que fez com que José de Anchieta, por exemplo, saísse das Ilhas Canárias para vir ao Brasil evangelizar, apesar de tantos perigos. Foi essa mesma certeza que fez com inúmeros mártires derramassem seu sangue: a certeza de que um padre não é um homem, mas sim o sacrifício de um homem.
Um sacerdote deve dar a sua vida, com fé, sabendo que se entregando com Cristo irá colher ressurreição no céu. Contudo, o dia a dia da paróquia pode esvaziar a sua fé, pois ali não se encontra somente Jesus, mas também as tentações do Demônio. A razão pela qual o jovem se ordenou deixa de ser a razão pela qual ele é padre: salvar as almas, levar as pessoas para a comunhão com Cristo. Tal qual o sonho de Dom Bosco que prometia aos seus salesianos: trabalho, casa, trabalho e paraíso. Nada de riquezas, títulos ou glórias mundanas. Aos poucos o paraíso “lá" é esquecido, e a tentação do paraíso “aqui" se faz mais forte, o que acaba minando a fé do sacerdote.
A realidade paroquial mostra que se o sacerdócio é para este mundo, seu custo-benefício é bastante desproporcional. Então, os padres, especialmente os jovens, deixam-se levar pela tentação mundana.
Todos os seres humanos foram feitos para a glória, mas não a glória terrena, para a glória do céu. Os sacerdotes, de modo especial, devem viver nesse mundo sabendo que têm a alma em perigo e viver a fidelidade a Deus no dia a dia, sem usar o povo de Deus ou o sacerdócio para pequenos paraísos mundanos, mas sim entregar-se, pois o sacerdote, repetimos, não é um homem, mas o sacrifício de um homem.
Assim, os padres entram em crise cada vez mais cedo porque o mundo atual os mima, enchendo-os de seduções e esperanças mundanas de conseguirem um paraíso aqui. Quando chegam ao sacerdócio e percebem que estão vazios, pois o paraíso terreno não aconteceu, passam a achar que escolheram a vocação errada, contudo, não se trata de um problema de vocação, mas sim de conversão. Em geral a crise não é vocacional, mas de fé, pois se fez padre para o céu e começa a criar um paraíso aqui na terra.
Padre, se está em crise, volte a crer, e dê a sua vida em sacrifício como Cristo que se doou na cruz.
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