É uma antiga tradição da Igreja que nas segunda-feiras nos dediquemos a sufragar as almas dos fiéis defuntos, as almas do Purgatório. Este é um grande ato de caridade, que devemos nos habituar a fazer sempre.
Nossa Senhora mesma, aparecendo em Fátima, ensinou os três pastorinhos a fazer esse sufrágio através de uma oração que nós, seguindo a tradição de língua portuguesa, acrescentamos ao final de cada mistério do terço: “Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do Inferno, levai as almas todas para o Céu e socorrei principalmente aquelas que mais precisarem”. Alguns pontos a esclarecer sobre este texto: a forma original portuguesa da oração diz: “levai as alminhas todas para o Céu”, porque Nossa Senhora a ensinou para crianças; e o final da oração é “...e socorrei principalmente as que mais precisarem”, sem o acréscimo “...de vossa misericórdia”.
Podemos perceber que Nossa Senhora, como catequista, quer ensinar os seus filhos a bem rezar. Portanto, essa simples oração refere-se às várias fases da nossa vida: “Ó meu Jesus, perdoai-nos…”, mostra-nos que é hoje o dia em que devemos pedir o perdão; ao dizermos “livrai-nos do fogo do Inferno”, nós pedimos a Deus para que nos livre da condenação eterna (algo em que muitos, infelizmente, pararam de acreditar); e quando falamos “levai as almas todas para o Céu…”, nos referimos àquelas que já faleceram; e como não sabemos qual é a situação dessas almas no Purgatório, nós pedimos que Jesus socorra “principalmente as que mais precisarem”.
Para termos as ideias claras, recorramos à catequese, visto que hoje em dia muitos católicos não sabem sequer alguns pontos mais óbvios de nossa doutrina. Primeiro, devemos nos recordar de que, quando as pessoas morrem, acontece imediatamente aquilo que chamamos de juízo particular: a pessoa é julgada por Deus pela sua vida, e descobre seu destino eterno: salvação ou perdição. Não há uma terceira opção.
Algumas pessoas, erroneamente, pensam que o Purgatório seria uma situação de “indecisão”, como se a pessoa morresse e ainda não soubesse se está salva ou condenada. Isso está errado! Não é sem motivo que, por conta dessa ignorância da parte de muitos católicos que pensam que podem “rezar para que as almas do Purgatório se salvem”, muitos protestantes rejeitam a ideia desse estado espiritual.
Aqueles que desejam rezar para que uma pessoa seja salva, devem fazê-lo quando ela ainda está viva! Todas as almas que estão no Purgatório já estão salvas para sempre: de lá, só há uma porta de saída, que é para o Céu. Mais cedo ou mais tarde, portanto, todas as almas do Purgatório irão para o Céu; e aqui está o que depende de nós, da nossa caridade e das nossas orações.
Lembremo-nos: diferente do Purgatório, o Inferno é uma realidade que dura para sempre, jamais é algo temporário. E por que Deus não dá uma “segunda chance” para as almas humanas e para os demônios que estão no Inferno? Ora, porque todas essas almas, resoluta e definitivamente, não querem segunda chance. Precisamos reforçar este conceito, porque muitos se iludem a respeito dessa possibilidade de “escapar” do Inferno. Neste sentido, a doutrina espírita causa um grande mal à humanidade, dando às pessoas a ilusão de que “se esta vida não der certo, você deve procurar melhorar na próxima”. Nada disso. Esta vida é muito séria porque é a nossa única chance de determinar nosso destino eterno.
Para entender melhor esse processo do juízo particular, imaginemos o seguinte: uma vez que a pessoa morre em pecado mortal, quando a alma se separa do corpo, ela vê com clareza aquilo que não conseguia muitas vezes enxergar em vida: a sua inimizade com Deus. Na alma em pecado mortal, existe um ódio profundo contra Deus. Alguém pode dizer: “Não concordo, padre. Estou ciente de que estou em pecado mortal, mas enquanto não resolvo essa situação ainda vou à igreja e rezo”; mas acontece que é o seu corpo que pensa que você está na amizade sobrenatural com Deus; isso é uma impressão causada pelo seu cérebro. No entanto, se você não estiver realmente arrependido de seus pecados mortais, no fundo de sua alma existe uma profunda inimizade com Deus, uma inimizade que será revelada no momento de sua morte — quando, separada de seu corpo, sua alma verá que odeia a Deus e por isso rejeita totalmente o Céu.
Portanto, devemos estar cientes de que Deus não dará uma segunda chance para uma alma que resoluta e irrevogavelmente não deseja esta segunda chance. A mudança de opinião e o arrependimento são algo próprio para que façamos agora, em vida. Enquanto respirarmos sobre a terra, há uma chance de voltar atrás; mas uma vez mortos, temos um ponto de não-retorno, decisivo. Eis o ensinamento sólido, de sempre, da Igreja Católica. Caso você tenha um outro conceito a respeito do juízo particular, seja por ignorância invencível (você não teve culpa) ou por ignorância culposa (você negligenciou seus estudos), ou até mesmo por crime de heresia (você conhece a doutrina mas quer modificá-la, “corrigindo” o ensinamento dos Concílios, dos Papas, dos santos e do Magistério de dois mil anos), o único apelo que podemos fazer para você é: não seja soberbo, acolha (ou volte para) a fé!
Uma vez que sabemos que as almas do Purgatório estão livres do castigo eterno do Inferno, isso não quer dizer que não exista um castigo temporário para elas. Por quê? Porque quando nós não amamos a Deus com aquela generosidade com que poderíamos ter amado, no momento em que morremos, ainda que sejamos salvos — por estarmos em estado de graça —, o amor de Deus que está em nosso coração não se desenvolveu: é “preguiçoso”, cheio de imperfeições e culpas veniais, e repleto também das consequências dos pecados mortais que cometemos, ainda que estejam perdoados. Por isso, a alma passa por um processo de purificação — isto é, o Purgatório, que consiste, claramente, num castigo bondoso de Deus.
Ora, entre o sofrimento eterno no Inferno e uma punição purificadora no Purgatório, para entrarmos preparados no Céus para a eternidade, a segunda opção é melhor. Como disse o Papa Bento XVI em sua Encíclica Spe salvi, o Purgatório nos enche de esperança! Afinal, Deus não aceita somente o nosso amor perfeito, mas também o nosso amor imperfeito. Imagine se só quem tivesse um amor perfeito pudesse entrar no Céu? Portanto, pela liberalidade de Deus, basta que tenhamos uma centelha de caridade — ou seja, que estejamos em estado de graça — para que sejamos salvos. E por isso as almas no Purgatório sofrem esse misericordioso castigo: para purificar esse amor e incendiar essa centelha; nosso sofrimento no Purgatório é bem menor do que aquilo que deveria ser, porque Deus é clementíssimo.
Ainda que o castigo das almas da Igreja Padecente seja bem menor do que deveria ser, ele ainda é mais terrível do que qualquer coisa que possamos passar aqui na terra. E mesmo que as almas do Purgatório nada possam fazer para que se alivie essas penas, nós da Igreja Militante podemos ajudá-las por meio de nossos sufrágios e orações. Isso se dá porque Deus quer que participemos de seu amor, de sua clemência e de sua caridade.
Podemos então aliviar as penas das almas que estão no Purgatório rezando em sua intenção, pedindo que se ofereçam Missas em seu favor, direcionando a elas nossas orações cotidianas e nossas intenções do terço — por exemplo, quando dizemos a oração de Fátima, no trecho “socorrei principalmente as que mais precisarem”, estas almas mais necessitadas são aquelas das quais ninguém se lembra ou conhece. E também podemos fazer o necessário para lucrar indulgências: a Igreja está sendo generosíssima quando nos concede a possibilidade de recebermos indulgências plenárias todos os dias pelas almas padecentes, e não somente nas condições específicas por ocasião da Comemoração dos Fiéis Defuntos.
Durante os oito dias do início de novembro, a Igreja nos dá a indulgência plenária de Finados sob as seguintes condições: que visitemos um cemitério e façamos uma oração em favor da alma de um fiel falecido. A Igreja, mãe e pedagoga, faz isso para que tenhamos a consciência de rezar pelas almas do Purgatório. Mas e nos outros dias, o que podemos fazer para lucrar as indulgências plenárias? Podemos recebê-las todos os dias: se fizermos meia hora de adoração ao Santíssimo; se rezarmos o terço em família; ou se meditarmos a Palavra de Deus por meia hora. Recordamos que, em todas as ocasiões em que se lucra uma indulgência plenária, essas exigências específicas devem estar acompanhadas sempre de uma confissão e comunhão recentes, além de uma oração na intenção do Santo Padre (ao menos um Pai Nosso, Ave Maria e Glória ao Pai). Lembrando que, sem essas exigências gerais, a indulgência deixa de ser plenária torna-se parcial.
Deste modo, podemos receber preciosas indulgências durante 365 dias por ano, para colocarmos nas mãos de Nossa Senhora e deixarmos que ela as direcione para quem mais estiver precisando. E podemos dizer que, uma vez que todas essas almas abreviam suas penas no Purgatório e entram no Céu por nossa caridade, elas se tornam, num sentido profundo, os nossos “santos particulares”: no Céus, essas almas com quem criamos esse precioso vínculo espiritual lembram-se de nós e intercedem em nossas intenções.
Portanto, meus queridos, não deixemos de rezar pelas almas do Purgatório todos os dias do ano, mas sobretudo entre os dias 1º e 8 de novembro. Sejamos generosos para recebermos sempre que possível esse verdadeiro tesouro que é a indulgência plenária, com a qual podemos libertar uma alma do Purgatório.
Eis a fé que professamos, esse é o verdadeiro ensinamento da Igreja; sejamos então profundamente católicos, crendo nessa verdade e colocando-a em prática. Afinal, seria uma imensa crueldade, uma tremenda falta de caridade, sabermos que, ainda que tenhamos o acesso ao analgésico, preferimos desprezar as dores daqueles que sofrem. Nós podemos transformar a nossa indiferença e o nosso egoísmo em generosa caridade, rezando pelas almas que padecem no Purgatório.
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