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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 6,43-49)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Não existe árvore boa que dê frutos ruins, nem árvore ruim que dê frutos bons. Toda árvore é reconhecida pelos seus frutos. Não se colhem figos de espinheiros, nem uvas de plantas espinhosas.

O homem bom tira coisas boas do bom tesouro do seu coração. Mas o homem mau tira coisas más do seu mau tesouro, pois sua boca fala do que o coração está cheio. Por que me chamais: ‘Senhor! Senhor!’, mas não fazeis o que eu digo?

Vou mostrar-vos com quem se parece todo aquele que vem a mim, ouve as minhas palavras e as põe em prática. É semelhante a um homem que construiu uma casa: cavou fundo e colocou o alicerce sobre a rocha. Veio a enchente, a torrente deu contra a casa, mas não conseguiu derrubá-la, porque estava bem construída.

Aquele, porém, que ouve e não põe em prática, é semelhante a um homem que construiu uma casa no chão, sem alicerce. A torrente deu contra a casa, e ela imediatamente desabou; e foi grande a ruína dessa casa”.

I. Reflexão

O Evangelho de hoje conclui o sermão da planície. No evangelho de Lucas, com efeito, relata-se uma homilia feita por Jesus numa planície, cujo conteúdo é bastante parecido com o de um sermão mais famoso, o da montanha, narrado por São Mateus (cf. Mt 5–7). Estes dois sermões começam e terminam de formas muito semelhantes. O da montanha se abre com as bem-aventuranças, o da planície também; aquele se fecha com a imagem de duas casas, uma construída sobre rocha e outra sobre areia; neste, a conclusão é uma imagem parecida, mas resumida: um homem constrói uma casa no chão, sem alicerces, e ela desaba em grande ruína. Esse paralelo serve para nos fixarmos nos detalhes e diferenças. Afinal, se Jesus ensinou o mesmo duas vezes de duas formas ligeiramente distintas, é porque nos quis transmitir algo importante e digno de atenção.

A primeira coisa de que nos fala Jesus é o fruto. Nossa vida cristã precisa frutificar. Em várias outras passagens, Jesus usa a imagem do fruto (a mais famosa, por exemplo, é a parábola do semeador). Aqui a parábola é mais curta: Não se colhem figos de espinheiros, para ilustrar que toda árvore é reconhecida pelos seus frutos. Ora, conhecer alguém pelos frutos significa que uma vida espiritual só é verdadeira se se manifesta de algum modo na vida. É uma regra básica e fundamental para os diretores espirituais. Quantas vezes já aconteceu de me procurar alguém no confessionário, às vezes fora da direção espiritual, para contar que estava tendo tal ou qual “visão” ou “revelação”. Em casos assim, o prudente é cortar a conversa com respeito e investigar como tem vivido aquela pessoa. Porque é pela vida que se leva no dia a dia que se pode saber se é autêntica a vida de oração.

Quando digo “autêntica” não quero dizer que a pessoa esteja mentindo para mim ou armando uma farsa; é que às vezes, coitada, ela está mentindo para si mesma sem nem se dar conta! É famoso o episódio em que o Papa mandou São Filipe Néri investigar uma freira conhecida por ter revelações místicas. Obediente, São Filipe Néri foi ver a religiosa, que já contava com muitos discípulos e seguidores devotos, atraídos pelas histórias de êxtases místicos e visões. São Filipe, depois de longa viagem, chegou à casa da “santa” com as botas cobertas de barro. Ao se encontrar com a suposta vidente, pediu-lhe: “Irmã, trago os sapatos sujos de lama. A senhora poderia fazer o favor de limpá-los para mim?” A freira, com olhar de desdém, de nobre perturbada por um plebeu, olhou-o de cima para baixo e respondeu: “Como tu me pedes tal coisa? Não estou habituada a esse tipo de serviço…”. São Filipe Néri não teve dúvida. Calçou os sapatos sujos e viajou de volta a Roma. Lá chegando, disse ao Papa: “Sua Santidade esqueça aquela freira. Ela não é santa de modo algum porque não tem a virtude básica, que é a humildade”.

De fato, como uma “mística” pode ser soberba? Não se colhem figos de espinheiros! É o que Jesus nos está ensinando hoje. Como saber se a nossa vida espiritual está dando certo? Olhemos para a nossa vida diária e avaliemos se, ao menos gradualmente, nossas atitudes têm mudado para melhor. Nem sempre iremos notar uma mudança brusca, de um dia para o outro; mas ainda assim nos é possível olhar para trás e fazer um balanço: “Como eu era seis meses atrás? Vejo em mim alguma mudança ou progresso? Tenho hoje mais facilidade para realizar atos de virtude, mais pulso, garra e força de vontade para combater os pecados veniais?” É pelos frutos que saberemos tudo isso, pois é do coração do homem, elevado pela graça, que procedem estes atos.

Jesus usa ainda outra parábola: a do tesouro que sai do coração. Em resumo, não adianta dizer: Senhor, Senhor, se não se faz o que Ele ensina e manda. Temos enfim uma última parábola. Diz Cristo: Vou mostrar-vos com quem se parece todo aquele que vem a mim, ouve as minhas palavras e as põe em prática. Que quer dizer isso? “Quem vem a mim reza”. Sim, ouvir as palavras de Jesus é o mesmo que rezar. O básico da oração é ouvir a Deus, mas ouvir para se deixar transformar interiormente por Ele. Quem é este? É alguém semelhante a um homem que construiu sua casa, cavou fundo e pôs os alicerces sobre a rocha. Caiu a chuva, veio a enchente, a torrente deu contra a casa, mas não pôde derrubá-la porque estava bem construída. Na época dos Apóstolos, isso era uma realidade: a Igreja era perseguida. Muita gente ouvia o Evangelho, mas não alicerçava sua fé na rocha, isto é, não buscava transformar sua vida, e por isso apostatava vergonhosamente quando os romanos punham os fiéis contra a parede. A casa toda ruía porque fora construída sem alicerces firmes. 

Assim também nós. Vivemos tempos bastante complicados e dramáticos. Não sei se seremos chamados ao martírio de forma clamorosa, pública e notória, mas uma coisa é certa: nos dias que correm, em que o cristianismo é cada vez mais hostilizado, todos nós temos de estar prontos para os pequenos martírios do dia a dia. Como dizia Orígenes, “diante da tentação, ou se sai mártir ou idólatra”. Em outras palavras, é dando testemunho que, de certa forma, derramamos um pouco do nosso sangue por amor a Jesus Cristo; se isso não acontece, é porque substituímos ao Deus verdadeiro por um deus falso, ajoelhados diante do altar de alguma criatura. Coragem! Preparemo-nos, sejamos firmes, como casas construídas sobre a rocha! Para isso, é necessário ter vida de oração e deixar que a Palavra de Deus transforme a nossa vida na prática.

II. Comentário exegético

Guardai-vos dos falsos profetas (cf. Mt 7,15-20). — V. 15. Cristo manda evitar outro escolho, a saber: os falsos profetas, que vêm a vós com vestidos de ovelhas como se pertencessem ao covil de Cristo, mas por dentro são lobos rapaces. Por falsos profetas entende todos os que, sob a aparência de zelo pela glória de Deus, buscam a própria glória e maquinam a ruína das ovelhas.

V. 16-20 (cf. Lc 6, 43s). Ensina o critério para identificar os falsos profetas: os seus frutos, regra que desenvolve em estilo parabólico. — a) Imagem. A árvore dará bons ou maus frutos, na medida em que ela mesma for boa ou má, o que se vê por alguns exemplos (uvas, figos em Lc., e espinhos; figos, uvas em Lc., e abrolhos); a árvore má, porém, será cortada e lançada ao fogo. — b) Sentido espiritual. Pelos frutos, i. e., pelas obras se há de julgar se um profeta vem de Deus ou se fala por si mesmo. É árvore boa todo o que tem palavras e obras boas; é árvore má todo o que, embora tenha palavras retas e aparentemente piedosas, não observa todavia uma reta norma de vida. Estes só servem para ser lançados ao fogo.

Cuidado com as ilusões (cf. Mt 7,21ss). — Cristo condena o sentir dos que creem ter o reino dos céus garantido, ou porque o invocaram (somente) com os lábios (: Senhor, Senhor, outros o interpretam como invocação frequente mas afetada do Senhor; outros, com mais razão, como fé sem obras; outros, com menos, como fé simulada, tal qual a dos pseudo-profetas); ou porque, em nome de Cristo, i. e., invocado o nome de Cristo, (muitos), ou (melhor), impetrando o poder dele, expeliram demônios ou pensam tê-los expelido, ou realizaram outros milagres. Com esta interpelação, Jesus lamenta-se dos falsos fiéis, que se fiam mais de títulos e práticas exteriores de religião que do valor das boas obras (cf. infra “Nota sobre milagres fora da Igreja”).

Mas naquele dia (no dia do juízo, que é o dia do Senhor, cf. Lc 17,24; 1Cor 1,8 etc.), eu lhes confessarei, i. e., abertamente, diante de todos, direi deles: Nunca vos conheci, i. e., não os tive como uns dos meus nem mesmo quando fazíeis estes milagres; apartai-vos, pois, de mim, vós que obrais a iniquidade (τὴν ἀνομίαν = a transgressão da Lei). São palavras tiradas do Sl 6,9. — O mesmo se lê em Lc 13,26s: Então começareis a dizer: Comemos e bebemos em tua presença, i. e., fomos teus discípulos, familiares e, por assim dizer, comensais, e tu ensinaste nas nossas praças, i. e., ouvimos frequentemente tuas palavras. E ele vos dirá: Não sei donde sois, i. e., não sei quem sois, não vos reconheço como uns dos meus; apartai-vos de mim etc.

“Assim entendemos que nos são necessárias a fé e uma vida que brilhe pelas virtudes: somente esta nos pode salvar” (Crisóstomo, in Ioh. ii, hom. 20).

Nota sobre milagres fora da Igreja. — 1) Possibilidade: pode-se admitir a possibilidade e, segundo H.-M. Lépicier (cf. Le miracle xxiii §2), até mesmo o fato de haver milagres fora da Igreja Católica, embora poucos e não de lei ordinária. A razão é que ao milagre, diz Santo Tomás, compete uma dupla finalidade: a) confirmar a verdade da doutrina cristã ou b) demonstrar a santidade de alguém proposto aos homens como exemplo de virtude. Nesse último caso, apenas os santos podem realizar milagres; no primeiro, também os maus o podem, i. e., os que pregam a verdadeira fé e invocam o nome de Cristo, mesmo que não estejam em graça. Quanto aos hereges e cismáticos, também entre eles é admissível a possibilidade de autênticos milagres, ainda quando não professem integralmente a fé ortodoxa. Nessa hipótese, o milagre não se ordena nunca a confirmar como tal a falsa doutrina que pregam, mas somente os resquícios de verdade que nela podem ser atestados (e.g. a presença real de Jesus na Eucaristia, a legitimidade do culto a Maria etc.), ou mesmo a divindade de Cristo, pela invocação de cujo nome Deus opera o milagre. Ademais, como a oração de impetração funda-se antes na misericórdia divina que no mérito do que ora, nada impede que a oração de um ímpio ou mesmo de um herege seja ouvida por Deus, em atenção à conversão de quem ora, ou à salvação daquele por quem se ora, ou ainda à glória mesma de Deus. — 2) Conclusão: Por isso, deve-se concluir que: a) a presença de um autêntico milagre fora da religião católica, por si só, não constitui (nem pode constituir) prova suficiente e cabal da seita em que é realizado nem da santidade daquele por quem é realizado; b) toda manifestação aparentemente milagrosa deve reputar-se como falsa, se induz a aceitar qualquer erro contrário à doutrina católica, que não é outra que a do próprio Cristo. Ainda são atuais as palavras de Agostinho: “É perniciosíssimo o erro dos que consideram haver nos milagres dons maiores… que nas obras de justiça” (Quæ. lxxxiii, q. 79), às quais agrega Caetano: “E isto [é dito] contra os [homens] vulgares e o erro comum do gênero humano, que consideram santos e quase como deuses os homens que fazem milagres, mas reputam como nada os simples e justos. Ora, é todo o contrário o que se deve pensar” (In STh II-II 178,2).

Conclusão. — V. 24-27. a) Imagem. O sábio, i. e., o que tem cuidado pelas suas coisas, edifica sua casa sobre a pedra, de forma que possa resistir às chuvas, tempestades e torrentes. Pelo contrário, o insensato, que edifica sua casa sobre a areia, no tempo das chuvas (que são mais intensas na Palestina do fim de outubro até o início de abril), quando irrompem os ventos, as tempestades e os rios (torrentes), perderá todo o edifício.

b) Sentido espiritual. É sábio o homem que ouve estas minhas palavras (as ditas no sermão da montanha) e as observa; mas é insensato o que as ouve, e não as pratica. Edificar sobre pedra é confirmar a fé com boas obras [1]. A chuva, os ventos e os rios, para muito intérpretes antigos, significariam alegoricamente três coisas distintas (e.g. a chuva, as tentações da concupiscência carnal; os rios, as da cupidez e da avareza; os ventos, as da vaidade e da soberba). Outros dizem que com esses três elementos são designadas as tribulações e calamidades da vida humana, ou gêneros indeterminados de tentações; para outros ainda, tratar-se-ia do dia do juízo, representado como uma terrível tempestade. Entre os intérpretes mais recentes, é quase unânime que as três imagens nada mais são do que simples comparações, sem nenhum significado particular, embora possam ser acomodadas a diversas coisas.

Referências

  1. Santo Tomás de Aquino, Super Matth. vii l. 2, n. 670: “Todo aquele, pois, que ouve etc. Mostra que, sem obras, nada é suficiente, nem mesmo a escuta da palavra de Deus; porque a escuta ordena-se à fé; a porém vem pela pregação (Rm 10,17). Ora, a escuta não é suficiente. E o manifesta duplamente, porque propõe a sorte do que ouve e faz, e a do que ouve e não faz, com uma semelhança”. — E o Espírito Santo disse pela pena do príncipe dos Apóstolos: Vós, aplicando todo o cuidado, juntai à vossa fé a virtude, à virtude a ciência a temperança, à temperança a constância, a constância a piedade, à piedade o amor fraterno, ao amor fraterno a caridade… Irmãos, ponde cada vez maior cuidado em tornardes certa a vossa vocação e eleição [por meio de boas obras] (1Pd 1,6.10).

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