O Evangelho de hoje (Lc 1, 46-56) é o Magnificat, este belíssimo hino que, segundo São João Eudes, “é o hino do Coração Imaculado de Maria”. Eis o Coração de Maria se expressando em toda a sua plenitude! São as palavras mais detalhadas, longas, íntimas e delicadas que temos de nossa Mãe Santíssima em todas as Sagradas Escrituras.
Portanto, se queremos conhecer o Coração de Nossa Senhora, precisamos meditar muitas vezes o Magnificat. É por isso que a Igreja, desejando unir seu coração ao Coração Imaculado que exulta de alegria, reza esse cântico todos os dias na oração de Vésperas, na parte da tarde.
De que modo o Magnificat pode nos ajudar a celebrar o Natal? Ora, estamos diante de um hino de exultação e louvor, no qual Maria Santíssima dá glória a Deus antes mesmo de os anjos pronunciarem naquela noite santa: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados” (Lc 2, 14). Nossa Senhora faz seu próprio louvor! É este o Glória que vem de seu coração: “A minha alma engrandece o Senhor, e exulta meu espírito em Deus, meu Salvador”.
Qual é a causa de tamanha exultação e alegria do Coração Imaculado? Por que prorrompe do interior da Virgem Santíssima esse hino de felicidade? Porque “Ele olhou para a humildade de sua serva”! E podemos fazer aqui um contraste: primeiro, ela diz que “Deus olhou para a humildade de sua serva”, e logo em seguida, que Deus “mostrou a força do seu braço, dispersou os soberbos de coração”. É o confronto entre o grande soberbo, que é Satanás, o grande adversário e inimigo de Deus, e a serva humilde do Pai, Maria de Nazaré.
Para a serva humilde, Deus olha e faz maravilhas; para o orgulhoso Satanás, Deus manifesta a força do seu braço. Qual é a consequência da soberba? Do que os soberbos padecem? Observemos primeiro a Satanás para depois confrontarmos suas atitudes com as de Nossa Senhora.
Uma pessoa tomada pela soberba — “ὑπερηφανία” (hyperēphanía), no original grego — não é simplesmente vaidosa. O vaidoso é aquele que deseja uma glória vazia, uma vanglória. É como aquela pessoa que sabe que é feia, e por isso preocupa-se excessivamente em ajeitar o cabelo, aplicar um “reboco” de maquiagem no rosto, vestir-se com roupas que apertam de uma lado e preenchem do outro… Enfim, ela constrói um verdadeiro personagem para receber alguns aplausos do mundo: “Como você é linda! Como você é maravilhosa!” Isso é vaidade.
De uma forma geral, a vaidade não chega a ser pecado mortal, mas venial — uma vez que está baseada em falta de amor-próprio. O vaidoso não gosta do que ele é, e por isso veste uma máscara. Não sei se todos conseguem notar, mas há uma enorme diferença quando alguém se veste bem, de forma elegante, porque está contente com quem é, e de alguém que se veste de forma “mascarada”, porque deseja ser outra pessoa.
O vestir-se de forma elegante é simplesmente celebrar quem você é, além de ser uma forma de caridade com os outros. É agradável falarmos com alguém que se apresenta de forma decente, delicada, discreta. Agora, há aquelas pessoas que infelizmente se odeiam: se é careca, então põe uma peruca; se tem um defeito no rosto, dá um jeito de escondê-lo; se algo a incomoda em seu corpo, procura um artifício para disfarçar (seja com roupas ou com cirurgias).
Satanás, ao contrário dos vaidosos, não sofre de baixa autoestima. Satanás julga-se melhor do que Deus. O Diabo não usa uma máscara para sentir-se melhor. Ele é alguém que verdadeiramente senta-se no trono da soberba com a intenção de julgar: “Deus está errado. Sou eu quem sabe como as coisas deveriam ser”.
Podemos perceber como essa “mordida da serpente” está presente na humanidade inteira. São Gregório Magno sequer elenca a soberba entre os pecados capitais, porque ela está além: é a raiz de todos os outros pecados. A serpente nos mordeu, e cada vez que pecamos é como se nos sentássemos no trono da soberba e disséssemos: “Deus está errado ao proibir que eu faça isso, sou eu que sei o que é bom para mim. Vou seguir a minha opinião”. É exatamente isso o que fazemos ao pecar, ainda que não o façamos conscientemente.
Cada vez que pecamos, agimos de forma soberba, mesmo que não o façamos consciente e advertidamente. Por isso, estamos falando de um vício capital, e não de um pecado atual. Para cometermos um pecado atual de soberba, precisamos agir com advertência e consentimento nesse sentido. Mas a verdade é que se tivéssemos plena advertência a respeito da soberba, a maioria de nós não consentiria com esse pecado. Quando alguém nos diz: “Deus está errado”, ou quando isso nos vem ao pensamento, geralmente o repudiamos de imediato. Vale lembrar que quando mencionamos os vícios ou pecados capitais, estamos falando de tendências desordenadas que possuímos devido ao pecado original. Por isso, a palavra “pecado” não é a mais adequada. Eu prefiro me referir a esses vícios como doenças espirituais. Portanto, geralmente não cometemos pecados de soberba, mas temos a soberba inclinação de julgar a Deus quando decidimos pelo pecado.
Vamos a um exemplo para ilustrar essa doença espiritual: quando olhamos para o cenário atual do país e começamos a pensar coisas loucas do tipo: “Se eu fosse Deus, eu não teria feito assim”, ou “Se eu fosse Deus, não deixaria que isso acontecesse”; percebam que, ao fazer isso, estamos julgando a Deus! Ou então quando, diante de uma adversidade, questionamos: “Onde está Deus nesta hora? Eu rezei, fiz novenas, me ‘despedacei’ diante do altar… Onde está Deus que não me responde?” Agindo dessa forma, estamos sendo soberbos. Estamos nos colocando como juízes daquele que é o nosso único e justo Juiz. E por isso, então, Nossa Senhora diz: “Dispersit superbos mente cordis sui”, Deus “dispersou os soberbos nos pensamentos de seu coração”.
Quando alguém é humilde e vê que Deus é sábio, bom e pode tudo fazer, então confia nele; ao contrário, quem é soberbo começa a se colocar no lugar de Deus: “Se eu fosse Deus, não haveria pobreza; se eu fosse Deus, não haveria doença no mundo; se eu fosse Deus…”, e acaba escolhendo o pecado: “Deus diz que isso é pecado, mas para mim não é. Deus diz que isso faz mal, mas acho que não é tão ruim. Não sejamos tão radicais! Não sejamos fanáticos. E daí que está escrito na Bíblia que isso leva para o Inferno? Você acha mesmo que Deus vai condenar alguém ao Inferno por um pecadinho desses?” E assim o soberbo segue julgando as coisas de Deus, tornando-se cada vez mais disperso, como uma “barata tonta”.
O que Maria está dizendo quando declara que Deus “Dispersit superbos” é que nós, “soberbos de coração”, uma hora queremos uma coisa, outra hora queremos outra. Em certo momento queremos que Deus lance raios punindo todos os pecadores, depois queremos morrer por não termos mais esperança. Há dias em que queremos matar os outros, noutros dias queremos nos matar. Uma hora queremos nos entregar a todo tipo de prazer, mas depois nos enfadamos com a vida e queremos permanecer deitados na cama desejando que o mundo desapareça.
Por que somos tão dispersos? Porque queremos seguir nossa cabeça “louca”. No original grego, está escrito que “Deus dispersou os soberbos” na “διάνοια” (diánoia), na mentalidade, na mente, na forma de julgar e discernir, no discernimento “do seu coração, καρδία (kardía)”, ou seja, da alma. Nossa alma fica perdida quando não nos humilhamos diante de Deus, quando começamos a julgá-lo. O que acontece é que nos tornamos loucos, e por isso vemos as pessoas completamente ensandecidas pelo pecado.
Voltemos o olhar para Nossa Senhora a fim de aprendermos qual é a atitude que devemos adotar sempre em nossas vidas, sobretudo neste Natal: “[O Senhor] olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1, 48a). Algumas pessoas não gostam desta tradução, em que Maria diz que é humilde. — por pensarem que uma pessoa se “declarar humilde” pode ser interpretado como um ato de soberba. No entanto, uma vez que Nossa Senhora não tem o pecado original, podemos dizer com Santa Teresa d’Ávila: “Andar na humildade é andar na verdade”. Ora, Maria Santíssima está sendo totalmente transparente consigo mesma, e está reconhecendo sob a luz de Deus que ilumina a sua alma, que não foram certas qualidades dela o que mais atraiu a Deus, mas a sua humildade.
Utilizando uma palavra inadequada, mas que nos ajuda a entender melhor essa realidade: é como se a humildade “seduzisse” a Deus. Quando nos humilhamos nos humilhamos “debaixo da poderosa mão de Deus”, é isso que o atrai. Deus “não consegue” ver um coração humilde sem que mergulhe nele com os dons do Espírito Santo e o faça semelhante ao Sagrado Coração de Jesus. E nenhum coração é mais humilde do que o de Jesus, que também disse sobre si: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29a). Ora, Nosso Senhor não é capaz de mentir! Ele de fato é humilde, e a humildade é a verdade.
Nada é mais humilde do que o Coração de Nosso Senhor e, depois, o Coração de Nossa Senhora, humílima escrava. Ela viu que, embora tenha todas as graças, a plenitude da graça — conforme o anjo revelou a ela: “Ave, κεχαριτωμένη (kecharitōménē)”, “Ave, criatura da graça, transbordante e abundante de graça” —, não foi isso o que atraiu a Deus, mas a sua humildade. E por isso, no Natal, o próprio Deus se humilha ao nascer na gruta em Belém. “Tende entre vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus. Ele, existindo em forma divina, não considerou um privilégio ser igual a Deus, mas esvaziou-se, assumindo a forma de servo e tornando-se semelhante ao ser humano” (Fl 2, 5-7). Jesus é a própria humildade. E por que Deus ama a humildade? Porque é na humildade que reconhecemos que tudo recebemos do Pai; que tudo é graça, que nada do que temos é mérito nosso — até a possibilidade de merecermos algo é uma graça.
Então, qual é a atitude que devemos ter no Natal? Em vez de nos mascararmos vaidosamente, de querermos ser outras pessoas, de nos sentarmos no trono da soberba para julgar a Deus, que possamos dizer: “Deus tem razão. Ele é tudo, eu não sou nada; Ele é sábio, eu sou ignorante. Deus sabe o que é bom para mim, para a minha família, para o Brasil e para o mundo”.
Lancemos todas as nossas preocupações no coração de Deus, como nos recorda a Primeira Carta de São Pedro: “Humilhai-vos, pois, sob a poderosa mão de Deus, para que, na hora oportuna, Ele vos exalte. Lançai sobre Ele toda a vossa preocupação, pois Ele cuida de vós” (1Pd 5, 6s).
Percebam que de nada serve eu me humilhar diante de vocês. Qualquer ato de humildade que eu fizer diante de vocês será um ato de soberba e de vaidade. Mas se, ao contrário, eu fizer isso na oração, na intimidade, como fez Maria, atrairemos a atenção de Deus. Maria, aqui no Magnificat, está rezando e nos presenteando com um vislumbre de sua vida íntima de oração. “Humilhai-vos debaixo da poderosa mão de Deus…”, pois é isso que o atrai. Se o Brasil se humilhar diante de Deus, “Ele fará maravilhas, porque Santo é o seu nome”. Mas isso não quer dizer que Ele vai fazer o que queremos, mas o que realmente é bom para nós, para o país, para a nossa família.
Quais são os vícios, quais são os pecados que você continua fazendo porque julga a Deus, dizendo: “Ah! Não é bem assim…”? É Natal! Está na hora de nos livrarmos dessa tentação do orgulho. Está na hora de nos confessarmos, dizendo: “Deus sabe, eu não sei. Se acho que é bom o que Deus está dizendo que é mau, então tenho que detestar essa coisa, porque confio no que Deus diz”.
Tiremos de nossa vida a tentação de julgarmos a Deus, não sejamos “dispersos soberbos de coração”. O castigo do soberbo vem com a sua própria atitude. Satanás precipitou-se no Inferno por castigo de Deus; mas também caiu porque já é inferno aquilo que ele escolheu julgando o Senhor: a dispersão total do coração. Nosso coração se dilacera, parte-se, perde-se e rompe-se quando tomamos atitudes soberbas.
Numa tola analogia, devemos agir como, no mundo secular, fazem muitas criancinhas que na noite de Natal vão colocar seus sapatinhos na janela ou na lareira para receber o presente de Papai Noel — convictas de que aquele sapatinho vai atrair uma bondade e um presente. Pois bem, que neste Natal coloquemos na lareira de Deus o sapatinho da nossa humildade. Ele será atraído e virá! Permitam-me o exagero de expressão: Deus “não resiste” a um coração humilde.
Humilhe-se, ponha o seu nada diante de Deus. Em vez de sermos como as crianças que escrevem para o Papai Noel: “Neste Natal, eu quero uma bicicleta”, escrevamos para Deus: “Senhor, neste Natal eu não quero pedir nada, porque nem sei o que é bom para mim. Eu sou ignorante, mau e impotente. Mas Tu és sábio, bom e poderoso. Apenas olha para mim, Senhor. Eu me humilho diante de ti. Mãe santíssima, dai-me um coração semelhante ao vosso, para que eu possa me jogar diante de Deus, pedindo que Ele faça o que quiser em minha vida”. Então, o Poderoso também fará em nós maravilhas. Santo é o seu nome!
Quantas vezes você caiu? Você está terminando mais um ano querendo desistir de você? Humilhe-se, lance-se nos braços de Deus. “Humilhai-vos, pois, sob a poderosa mão de Deus, para que, na hora oportuna, Ele vos exalte. Lançai sobre Ele toda a vossa preocupação, pois Ele cuida de vós”.
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