Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
Mateus (Mt 16, 13-19)
Neste Domingo, celebra-se a Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, festa propícia para refletir sobre a missão do Sumo Pontífice. Como sucessor de Pedro, ele é continuador do encargo que Cristo confiou a esse apóstolo, como se lê no Evangelho proclamado nesta Liturgia.
São João Paulo II, em sua encíclica Ut unum sint, de 25 de maio de 1995, ao falar da função e do ministério petrinos, manifestou a solicitação que alguns lhe faziam “para encontrar uma forma de exercício do primado que, sem renunciar de modo algum ao que é essencial da sua missão, se abra a uma situação nova”. Ele pediu que “o Espírito Santo (...) ilumine todos os pastores e os teólogos das nossas Igrejas, para que possamos procurar, evidentemente juntos, as formas mediante as quais este ministério possa realizar um serviço de amor, reconhecido por uns e por outros” [1].
É claro que, ao falar de “uma situação nova”, o santo Papa Wojtyla não pretendia deformar ou esvaziar a imagem do papado, como fazem alguns teólogos contemporâneos. Reformar o papado é diferente de instaurar uma revolução, que acabe por transformar a Igreja em uma espécie de anglicanismo, com uma comunidade acéfala. No entanto, soa conveniente para muitos grupos – como para os arquitetos de um “governo mundial”, para os socialistas e para os islâmicos – que a autoridade do Papa seja questionada e reduzida à de uma mera personagem política ou religiosa. Afinal, trata-se de um homem que tem o poder, dado pelo próprio fundador da religião cristã, de governar e orientar todos os seres humanos: governar e pastorear os católicos, mas orientar também aqueles que erram longe do redil de Cristo, a fim de reconduzi-los ao aprisco.
Para corresponder de modo genuinamente católico ao apelo do Papa João Paulo II, é preciso partir do que, neste campo, já foi definido como dogma infalível pelo Concílio Vaticano I, por meio da constituição dogmática Pastor Aeternus, de 18 de julho de 1870. Vale a pena debruçarmo-nos sobre este documento, aproveitando a ocasião deste que é o “dia do Papa”.
O primeiro capítulo da Pastor Aeternus lembra que São Pedro é o primeiro dos apóstolos: seja pelo número de vezes em que é citado no Novo Testamento – 195 vezes, enquanto os Apóstolos, em conjunto, são citados apenas 130 vezes; seja por realmente aparecer como o primeiro nas listas dos autores sagrados [2]; seja pelos privilégios que Nosso Senhor lhe concedeu, ao habitar em sua casa [3] e escolher subir em seu barco para pregar, antes da pesca milagrosa [4]; seja por aparecer individualmente a ele após a Ressurreição [5]; seja por dar-lhe a missão de apascentar as Suas ovelhas [6].
No relato de Mt 16, 13-19, Jesus usa três símbolos ao falar com Pedro: o da rocha, que contém a ideia da base sobre a qual se constrói uma casa [7]; o das chaves, que repete um oráculo do profeta Isaías sobre Eliacim: “Porei sobre seus ombros a chave da casa de Davi; se ele abrir, ninguém fechará, se fechar, ninguém abrirá” [8]; e o de ligar e desligar, que, na linguagem rabínica, quer dizer tanto proibir e permitir, na interpretação da lei mosaica, quanto condenar e absolver, na aplicação da disciplina. Aqui é visível o poder pontifício nos campos da fé e da moral.
Olhando para a história da Igreja, mostra o capítulo 2 da Pastor Aeternus, vê-se que o poder que Cristo deu a Pedro se perpetuou em seus sucessores. Ainda no primeiro século da era cristã, a chamada Prima Clementis [9] dá amostra da superioridade do Papa sobre os demais bispos. E, mesmo no primeiro milênio, refulge a figura de São Leão Magno, que expressou a teologia do poder do Romano Pontífice com uma maestria absolutamente ímpar: “ Sicut permanet quod in Christo Petrus credidit, ita permanet quod in Petro Christus instituit – Assim como permanece aquilo que Pedro creu em Cristo, permanece o que Cristo instituiu em Pedro.”
O capítulo 3 da constituição do Vaticano I destaca que o primado do Papa sobre os demais bispos é de efetiva jurisdição. O Corpo de Cristo, sendo visível, também possui um chefe visível, que é o Santo Padre [10].
De fato, Nosso Senhor não deu o governo da Igreja a uma “coletividade democrática”, mas aos Apóstolos, cujos sucessores são os bispos. É claro que estes receberam esse poder diretamente de Cristo – eles não são, portanto, “vigários do Papa” –, mas é sabido que há uma grande diferença entre o Papa e os bispos. Aquele é responsável pelo que faz somente diante de Deus, enquanto estes não só estão submetidos a Deus, como realmente devem satisfação do governo de suas dioceses ao Papa. Não à toa o Sumo Pontífice tem o poder de intervir nas dioceses do mundo inteiro, podendo até mesmo depor autoridades episcopais e nomear outras.
Por fim, no capítulo 4 da Pastor Aeternus, tem-se a declaração solene da infalibilidade pontifícia. Ali, foi proclamado que, em situações bem específicas a saber, “quando fala ex cathedra – isto é, quando, no desempenho do múnus de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica que determinada doutrina referente à fé e à moral deve ser sustentada por toda a Igreja” [11], o Papa não pode errar, pois goza da assistência do Espírito Santo.
É claro que, na história da Igreja, houve papas que ensinaram coisas erradas. Um exemplo disto foi o Papa Libério que, além de assinar vários concílios semiarianos ambíguos, excomungou e perseguiu Santo Atanásio e Santo Hilário. Mas isso não põe em risco nem a infalibilidade papal – que, como já dito, é exercida em situações bem específicas – nem a nossa obediência ao ministério petrino, já que a obediência ao Papa é dada dentro da comunhão com todos os seus predecessores. Um católico não julga o Papa! Mas o Papa é sempre julgado pelos seus predecessores e sucessores.
O Papado não é a biografia de uma pessoa, mas uma instituição. Nos tempos recentes vimos uma fragilização da instituição. Parece que só estamos prontos a venerar o Papa, mas não o Papado. Admiramos São João Paulo por seu carisma, Bento XVI por sua teologia, Francisco pela sua pobreza e humildade... Mas quem estaria disposto a seguir o Papa por causa do Papado?
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