O Natal está às portas, e a Igreja, nesta última semana do Advento, de 17 a 23 de dezembro, vive um período especial, com uma preparação mais intensa para o Natal, quando nós voltamos o olhar para a Virgem Maria e o mistério da Encarnação.
O que nós vamos celebrar no Natal? O fato de que Deus quis nos chamar para participar de sua felicidade, e aqui está a coisa mais bela. A nossa felicidade aqui na terra foi comprometida por causa de nosso pecado. Uma pessoa feliz é aquela que ama, mas ela não é capaz de amar se não conhece o objeto amado. E por causa do pecado original, do nosso egoísmo, a nossa capacidade de conhecer as coisas — para amá-las — ficou deturpada.
Não precisamos ir longe demais para reconhecermos esse problema. Vejamos o que acontece em nossos relacionamentos familiares. Quantos sacrifícios precisamos fazer para vivermos harmoniosamente em família? É preciso muita paciência e capacidade de perdão! Ora, mas não seria a família composta por aquelas pessoas que, teoricamente, mais amamos? Afinal, são as pessoas com quem temos um vínculo íntimo, aquelas com quem mais nos relacionamos. É diferente de uma empresa na qual somos apenas um número, onde se não estivermos produzindo devidamente, somos descartados para dar lugar a outro empregado. Na sociedade em geral também somos apenas “estatística”. É comum ouvirmos nesta época notícias como: “Este ano morreram tantas pessoas de doença cardíaca”, “Neste ano houve um aumento de X pessoas morrendo de AVC no Brasil”.
Quando a pessoa que morre, porém, é de sua família, isso significa uma ferida em seu coração, e não somente estatística. É alguém cuja história você conhecia, alguém que você amou e perdoou, a quem jurou fidelidade. Na família, as pessoas continuam sendo significativas, mesmo depois de mortas. Meus avós já faleceram, mas continuam meus avós. Minha irmã mais velha, Ana, também já falecida, continua sendo minha irmã!
É irônico que, justamente na família, este grupo onde somos mais significativos, também tenhamos tão grande dificuldade de convivência. Por quê? Porque conhecemos os defeitos uns dos outros, e o amor começa a ficar mais exigente; e assim começamos a criar monstros imaginários em nosso coração. Afinal, é importante recordar: a nossa capacidade de conhecer as pessoas é prejudicada pelo pecado.
No Paraíso, Deus criou uma família: Adão e Eva. E quando o nosso primeiro pai viu Eva, disse: “Esta sim é osso dos meus ossos e carne da minha carne!” (cf. Gn 2). Vejam que maravilha! Adão olhou para todos os animais e sentiu-se sozinho, mas quando viu Eva — sua esposa, sua família —, viu que não estava mais sozinho. No entanto, depois do pecado original, esta mesma mulher com a qual o homem exultou tornou-se uma adversária! Deus perguntou por que Adão estava se escondendo e ele logo acusou: “A mulher que puseste ao meu lado…” (cf. Gn 3). Quer dizer, de uma só vez não somente a mulher, mas Deus também tornou-se inimigo do homem; e em ambos Adão procura jogar a sua própria culpa.
Eis a distorção causada pelo pecado original: Deus, Aquele a quem mais deveríamos amar, torna-se um “monstro”, o “culpado” por nossa infelicidade. Quantos não dizem: “Onde está Deus?”, quando acontece alguma coisa ruim em sua vida? Um sofrimento, uma dor, uma angústia, uma doença? “Onde está Deus nesta hora?”. Porque estamos enganados pela mordida da serpente, mentirosa desde o princípio, o Senhor da vida e autor da nossa felicidade torna-se, por meio de nosso pecado, um inimigo.
Precisamos amar a Deus, mas para amá-lo precisamos conhecê-lo como Ele é. No entanto, por causa do pecado, não conhecemos sequer quem está ao nosso lado. Eva, aquela que foi feita para estar ao lado de Adão, torna-se para ele uma monstruosidade, a culpada pelo seu pecado, por ter lhe dado o fruto proibido. De repente, o homem e a mulher que foram criados para serem plenamente felizes no Paraíso — amando a Deus e amando-se mutuamente — tornam-se estranhos que projetam um no outro a sua própria culpa.
Desde o início, Satanás foi o grande inimigo da família, da santa união entre o homem e a mulher; e, principalmente, inimigo de nossa relação mais importante, com Deus. Por seu ardil, o diabo colocou o orgulho no coração de Adão e Eva, dizendo que se comessem o fruto proibido seriam iguais a Deus, convencendo-os de que sairiam ganhando com aquela traição. Serpente mentirosa!
Em resumo, meus queridos, nós nascemos para a felicidade. E para sermos felizes nós precisamos amar, e para amar nós precisamos conhecer. Mas o pecado original nos torna míopes; e, em vez de vermos Deus e os irmãos, vemos monstruosidades e inimigos. Mas é justamente por não conhecermos a Deus e ao próximo devidamente que não os amamos e, assim, não podemos ser felizes! Por isso, insistimos na verdade desta frase que tantas vezes escutamos: ninguém ama o que não conhece.
Precisamos, sobretudo, conhecer a Deus! E se a única coisa que conhecemos de Deus são bobagens e distorções, não vamos amá-lo. Então, o que Deus realmente fez? Vendo a humanidade que estava condenada a ser infeliz, quis vir até nós. O Verbo Encarnado, Jesus, é Deus que veio ao nosso meio para nos dar sua própria felicidade. E como Ele fez isso? Dando-nos o verdadeiro conhecimento de si, para podermos ter o seu amor. O Natal é isso! “Um povo que andava nas trevas viu uma grande luz…” (cf. Mt 4,16; Is 9,2), ou seja, um povo que não conhecia devidamente a Deus. Eis a primeira notícia do Natal: um conhecimento.
Quem é que já não se apaixonou? Àqueles que são casados, que estão namorando, ou que acabaram de ter um bebê: não aquece o nosso coração conhecermos a pessoa amada? Ou simplesmente olharmos para o seu rosto? Aqueles pais que recentemente tiveram um bebê não se cansam de ficar olhando para aquela criaturinha e vendo os pequenos detalhes. Por quê? Porque quer conhecer! Quer conhecer porque quer amar; e amar para ser feliz. Assim como ninguém ama o que não conhece, ninguém é feliz se não ama.
“Um povo que andava nas trevas viu uma grande luz.” Jesus é essa luz! A luz que ilumina todo homem e nos dá a possibilidade de conhecermos a verdade, de conhecermos a Deus como Ele realmente é — e não como pinta o diabo com suas mentiras. Quem é Deus para a humanidade que jaz no pecado? Para alguns, é uma ficção, mera invenção, um fantasma criado pelo homem, um mito. Para outros, Deus é um “mágico do interesse”, alguém para o qual se faz um despacho, uma simpatia para obtermos algo em troca. Mas este não é Deus. E quando as pessoas descobrem que não existe um Deus assim, quantas não perdem a fé? Mas um Deus assim realmente não mereceria existir. Para sermos bons cristãos, precisamos ser totalmente ateus desses deuses falsos. Ateus em relação ao deus superstição, ao deus cruel que não perdoa, ao deus mercenário interessado apenas no que damos a ele.
Mas como podemos crer no Deus verdadeiro, como Ele realmente é? Ora, nós o conhecemos através de Jesus, o próprio Deus que se fez carne e habitou entre nós. Podemos começar olhando para essa criança que vai nascer no Natal. E irmos acompanhando seus passos, conhecendo cada detalhe de sua vida e cada palavra que Cristo diz. O Evangelho nos dá a conhecer Jesus, mas não somente Ele. Podemos recorrer ao conhecimento que os santos têm de Jesus! Quantos homens e mulheres tiveram nesta terra a oportunidade de conhecer Jesus intimamente, amando-o profundamente.
Precisamos conhecer o Deus que se revela, para então amá-lo. É Jesus esse Deus, escondido desde todos os séculos por causa de sua glória e de sua grandeza, mas também devido às nossas maldades e vilezas, capazes de distorcer as coisas como elas são. Para entender melhor do que estou falando: todos conhecemos pessoas que têm antipatia por alguém, certo? Certo dia, aconteceu algo, em algum lugar: caiu uma xícara e a pessoa logo diz que “Só pode ter sido fulano!”, mesmo que não tenha certeza disso. O que a antipatia dessa pessoa está fazendo? Está distorcendo a imagem do outro, está criando um monstro.
O que devemos fazer para realmente conhecermos alguém? Para conhecermos de verdade um cônjuge, um filho, uma irmã? É preciso olharmos para essa pessoa com o mesmo olhar com que Deus olha para nós mesmos. Basta nos perguntarmos: “Estou olhando para essa pessoa do mesmo jeito que Jesus me olha?”. Se a resposta for negativa, não estamos vendo a verdade; porque Jesus, que é Deus, é a verdade. Somente Ele tem os “pés no chão”. Nós somos loucos, picados pela serpente, vendo monstros e distorções.
Como Jesus nos olha? Vamos supor aqui que em nossa família há um grande pecador: uma pessoa que não põe os pés na igreja, que é revoltado contra Deus e o xinga e blasfema, e depois comete injustiças e crueldades dentro da própria casa. Um sujeito ladrão, mentiroso e violento. De que forma devemos lidar com essa pessoa da família, que talvez seja causa de sofrimento de muitos por anos e anos? Ora, se queremos conhecê-lo, precisamos olhar para ele como Jesus olha: com uma profunda raiva de seu pecado, justamente porque ama essa pessoa e vê que o pecado a está destruindo.
Imaginemos a mãe que tem um filho dependente químico: se essa mãe ama de verdade esse filho, ela precisa odiar profundamente as drogas que o estão destruindo. Isso quer dizer que ela ama o filho, mas odeia o que ele faz. Ela o ama com toda a ternura de seu coração: “É meu filho!”; e é capaz de visitá-lo na prisão, de estar com ele o tempo todo e de perdoá-lo pela milésima vez. Mas é exatamente porque essa mãe ama seu filho que ela odeia aquilo que o destrói; aquele que ela gerou e quer um dia ver no Céu. Esta mãe é alguém que olha com o olhar de Cristo.
Quando não olhamos verdadeiramente para uma pessoa, não enxergamos mesmo quem está todos os dias ao nosso lado. E assim, distorcidamente, podemos acabar sendo negligentes, aprovando seu pecado; ou cruéis, condenando-a imediatamente ao Inferno, esquecendo-nos de que Cristo derramou seu sangue para salvar aquela mesma pessoa.
Em todos esses exemplos, devemos perceber uma coisa: uma vez que desejamos ser felizes, sabemos que, para isso, precisamos amar; e que, para amarmos, precisamos conhecer. Mas não conhecemos se não tivermos o olhar de Cristo. A humanidade ofendia a Deus há milhares e milhares de anos; e Deus poderia ter, simplesmente, desistido de nós. Ao contrário, Ele escolheu um povo a quem foi fiel e, no tempo oportuno, preparou um Imaculado Coração para recebê-lo neste mundo. E assim, do ventre de Maria, Jesus foi gerado e nasceu para que neste e em todos os outros Natais olhássemos para aquela manjedoura, para aquela criança inocente e indefesa.
Jesus escolheu vir como uma criança, e não como um rei guerreiro e vingador. Não veio primeiro como juiz, como quem tem o justo poder de condenar. Ao contrário, veio como uma criança que deseja ser amparada e cuidada. Deus vem a este mundo para que nós aprendamos a cuidar dele. Vejam que maravilhoso e insondável mistério! Deus vem a este mundo na fragilidade, para que acolhamos e agasalhemos no frio da noite de Natal Aquele que é a fonte de todo o calor e de toda a ternura. O Deus que sustenta todo o universo vem para ser sustentado por nossos braços.
Meus queridos, Deus escolheu vir dessa forma no Natal porque quer ser conhecido. E porque Ele nos conhece, como conheceu Adão e Eva, e sabe que se viesse como veio naquela tarde, no jardim do Paraíso, caminhando e perguntando a Adão: “Onde estás?”, nós também nos esconderíamos de medo. Deus então vem como criança, porque ninguém tem medo de uma criança. Ninguém se esconde daquele bebê na manjedoura ou tem medo de se aproximar de um Deus pequenino, por maiores que sejam seu pecado e sua miséria. Ele vem para que nós o conheçamos, e quer que, conhecendo a Ele, o amemos; e que, amando-o, sejamos felizes.
Conhecendo Jesus, também seremos mais capazes de conhecer quem está ao nosso lado. Conhecendo Jesus e olhando com ternura para Ele, sabendo que Ele também nos olha ternamente, seremos capazes de olhar assim para aquelas pessoas com as quais convivemos.
Já notou que as pessoas da nossa família, as mais próximas e as que mais amamos são aquelas mais capazes de nos machucar? Porque, quando vamos à farmácia ou ao mercado, falamos com pessoas desconhecidas de “escudo levantado”, e delas nada esperamos. Ao contrário, quando chegamos em casa, baixamos nossas defesas e revelamos nossas vulnerabilidades. Ali estão, portanto, aqueles que conhecem nossos defeitos, que sabem onde algo nos dói, sabem cutucar nossas feridas e, por isso, são tão capazes de nos machucar. E exatamente por isso essas são as pessoas a quem nós mais devemos perdoar.
Eis o segredo que Jesus veio nos contar lá do Céu: se para amarmos precisamos conhecer, também precisamos saber que não há amor sem perdão. Quem nunca perdoa ninguém, nunca amará ninguém. Deus nos perdoa e, por isso, introduz-nos no mundo do amor. Nosso Senhor Jesus Cristo veio para nos perdoar, para nos convidar à mudança de vida, para pararmos de ofender a Deus e exercitarmos o amor. Foi isso que Ele veio fazer, e é isso que celebraremos no Natal.
Podemos agora concluir com algo bem prático. Esta homilia explica o mistério do Natal, mas também nos prepara para a ceia que faremos naquela noite santa. Ora, a ceia do Natal, que deveria ser para todos um momento de júbilo, termina sendo para muitas famílias uma experiência de ofensa e miséria.
Quantas famílias, desacostumadas a conviver, preparam a ceia do Natal, combinam o que cada um vai levar, mas, quando todos se reúnem, tudo dá errado? As pessoas começam a reparar nos pequenos defeitos uns dos outros, irritam-se com aquilo que não lhes agrada, com comentários com os quais não concordam. E assim, infelizmente, muitas famílias saem da ceia de Natal ainda mais quebradas e distantes.
Meus queridos, é Natal! E se Jesus veio para nos perdoar, então perdoemos a nossa família. É tempo de reconciliação, e sem perdão jamais nos amaremos. Como saber quem são nossos amigos? Digo por mim, e levo isso como uma regra prática na minha vida: se quero medir a minha amizade com uma pessoa, pergunto-me: “Essa pessoa já me perdoou alguma vez?” Quando sei que ela já me perdoou e eu já a perdoei, então é uma amizade sólida. Porque sei que neste mundo marcado pelo pecado original, se não há perdão, não há amor.
Jesus veio nos trazer esta reconciliação, Ele veio nos trazer esta paz, mas não haverá paz em nossa ceia de Natal ou em nossa família se não tivermos a capacidade de olharmos uns para os outros com o olhar de Cristo: com amor, ternura e paciência. Ele não veio do Céu para nos julgar. Ele virá sim, um dia, com poder e glória para julgar os vivos e os mortos, e irá lançar todos os pecadores não arrependidos no fogo eterno. Mas no Natal, Ele vem nos convidar ao perdão e à conversão, vem nos convencer a enxergar as coisas de outra maneira.
Sem mudarmos nossa mentalidade, jamais seremos felizes! Porque jamais conheceremos ou amaremos. E para conhecermos a Deus, naqueles momentos mais difíceis, precisamos olhar uns para os outros como aquela mãe do dependente, que descrevemos anteriormente. Aquele olhar que diz: “É meu filho, e não desisto dele, apesar dele.”. Esta é a frase que precisamos guardar para a nossa família. Porque esperamos que também não desistam de nós, como Deus não desistiu. Isto é o Natal! Jesus nasce mais uma vez, e em cada Natal nos diz: “Eu não desisti, apesar das ofensas, das misérias, das desgraças; apesar de tanto pecado e infidelidade, estou aqui outra vez: desarmado e frágil, para convidar você a conhecer e amar.”.
Vejamos o mundo de um jeito diferente. Sejamos, em nossas famílias, os primeiros a “baixar a guarda”, sem medo de expormos as nossas vulnerabilidades, mas sempre dispostos a perdoar. Porque sem perdão, aliança e compreensão mútua, sem aquele olhar próprio com que Deus nos olha, não haverá família.
Não sei como será materialmente a sua ceia de Natal: se você estará sozinho em casa, abrindo uma lata de sardinhas, ou se participará de uma grande festa com peru e outras coisas gostosas, estourando champanhe. Então eu peço a Deus, nesta Missa, que você se lembre de que mesmo estando ou se sentindo sozinho e esquecido por todos, não está sendo esquecido por Jesus.
A Virgem Maria virá até nós na noite de Natal. E assim como o Evangelho de hoje, o anjo nos diz: “Não tenhas medo de receber Maria, com aquele que ela concebeu” (cf. Mt 1,18-24). E ela virá com Jesus nos braços para para trazer a paz às nossas casas e ao nosso coração — que se sente tantas vezes ofendido, abandonado, desprezado. Receba essa criança que está de bracinhos abertos e que olha para você sem condenar e sem desistir: eis o Príncipe da Paz, que virá sempre que nós quisermos conhecer e olhar as coisas como Deus conhece. “Um povo que andava nas trevas viu uma grande luz” — que possamos, conhecendo como Ele conhece, amar e ser felizes como somente Deus ama e é feliz. E só assim teremos um Feliz Natal!
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