Dando continuidade e remate ao artigo passado, no qual se mostrava que os simples fiéis exercem, sim, uma forma peculiar de sacerdócio, já que pelo Batismo estão incorporados a Cristo, de cujo sacerdócio pleno participam, resta-nos ver agora que poderes ou prerrogativas lhes cabem, por contraposição às funções próprias do sacerdócio ministerial, conferido unicamente pelo sacramento da Ordem [1].


O caráter do Batismo faculta os simples fiéis para:

  • receber os demais sacramentos;
  • atuar como ministros próprios no sacramento do Matrimônio;
  • e oferecer, em união com o sacerdote e através dele, o sacrifício eucarístico.

O caráter da Confirmação, por sua vez, os faculta para confessar, com valentia e fortaleza, a fé de Cristo.

Trata-se de uma doutrina comum, admitida por todos os teólogos e proclamada em diferentes lugares pelo Magistério da Igreja.

Examinemos cada uma dessas faculdades em particular.

a) O caráter do Batismo faculta os simples fiéis para receber os demais sacramentos.

“O Batismo”, de Pietro Longhi.

Com efeito, o Batismo é a porta e o fundamento de todos os demais sacramentos. Por isso, sem a recepção prévia do Batismo, não se pode receber nenhum dos outros sacramentos.

A razão disso é que os sacramentos foram instituídos por Cristo unicamente para a sua Igreja, que é o seu Corpo Místico, e somente o Batismo de água nos incorpora ao corpo da Igreja.

Por esse motivo, é inválida a confirmação, a confissão, a ordenação etc. de uma pessoa não batizada. Do mesmo modo, se um pagão se aproximasse para comungar, receberia materialmente o corpo de Cristo, mas não o sacramento da Eucaristia.

Além disso, deve-se dizer que o Batismo de sangue ou de desejo não são suficientes, porque não são, em sentido próprio, sacramentos, ainda que produzam a graça de modo extrassacramental, à semelhança do ato de contrição.

b) O caráter do Batismo faculta os simples fiéis para atuar como ministros próprios no sacramento do Matrimônio.

Como se sabe, o matrimônio entre pessoas batizadas é sempre sacramento, de maneira que, entre batizados, não pode haver matrimônio válido que não seja, ao mesmo tempo, sacramento.

“O sacramento do Matrimônio”, de Pietro Longhi.

A razão disso é que o sacramento do Matrimônio se identifica com o mesmo contrato natural, quando este é realizado entre pessoas batizadas. Este mesmo contrato natural foi elevado por Cristo à categoria e dignidade de sacramento, quando celebrado por batizados.

Ora, dado que o contrato natural é realizado pelos próprios contratantes — sem que possa ser suprido por qualquer autoridade, ainda que seja a do Sumo Pontífice —, segue-se que os ministros próprios do sacramento do Matrimônio são os próprios contraentes.

O sacerdote atua unicamente como testemunha qualificada da Igreja, encarregado de abençoá-lo em nome dela, ainda que a sua presença seja necessária para a validade do matrimônio, exceto em determinadas circunstâncias previstas pelo Código de Direito Canônico.

Ao contraírem matrimônio, os contraentes realizam uma verdadeira ação sacerdotal: eles se dão mutuamente nada menos do que a graça santificante (de fato, chama-se “sacerdote” aquele “dá coisas sagradas”, sacra dans). A administração deste sacramento é tão própria e exclusiva dos contraentes que nem mesmo o Sumo Pontífice, como dito acima, poderia realizá-la em nome deles.

Como se vê, o sacerdócio dos fiéis alcança sua máxima expressão no ato mesmo da celebração do sacramento do Matrimônio.

c) O caráter do Batismo faculta os simples fiéis para oferecer, em união com o sacerdote e através dele, o sacrifício eucarístico.

Escutemos o Papa Pio XII explicando com toda precisão o verdadeiro alcance desta impressionante prerrogativa dos sacerdócio dos fiéis [2]:

A imolação incruenta por meio da qual, depois de terem sido pronunciadas as palavras da consagração, Cristo está presente no altar no estado de vítima, é realizada só pelo sacerdote enquanto representa a pessoa de Cristo e não enquanto representa a pessoa dos fiéis.

Colocando, porém, no altar a vítima divina, o sacerdote a apresenta a Deus Pai como oblação à glória da SS. Trindade e para o bem de todas as almas. Dessa oblação propriamente dita os fiéis participam do modo que lhes é possível e por um duplo motivo: porque oferecem o sacrifício não somente pelas mãos do sacerdote, mas, de certo modo ainda, junto com ele; e ainda porque com essa participação também a oferta feita pelo povo pertence ao culto litúrgico.

Que os fiéis ofereçam o sacrifício por meio do sacerdote é algo claro, pois o ministro do altar age na pessoa de Cristo enquanto Cabeça, que oferece em nome de todos os membros; pelo que, em bom direito, se diz que toda a Igreja, por meio de Cristo, realiza a oblação da vítima.

Quando, pois, se diz que o povo oferece juntamente com o sacerdote, não se afirma que os membros da Igreja de maneira idêntica à do próprio sacerdote realizam o rito litúrgico visível — o que pertence somente ao ministro de Deus para isso designado — mas sim que une os seus votos de louvor, de impetração, de expiação e a sua ação de graças à intenção do sacerdote, aliás do próprio Sumo Pontífice, a fim de que sejam apresentados a Deus Pai na própria oblação da vítima, embora com o rito externo do sacerdote.

É necessário, com efeito, que o rito externo do sacrifício manifeste, por sua natureza, o culto interno; ora, o sacrifício da nova Lei significa aquele obséquio supremo com o qual o próprio principal ofertante, que é Cristo, e com ele e por ele todos os seus membros místicos, honram devidamente a Deus.

E mais à frente, referindo-se à comunhão sacramental dos fiéis, que completa e aperfeiçoa sua participação ativa no sacrifício eucarístico, acrescenta o imortal Pontífice [3]:

Já que, como acima dissemos, podemos participar do sacrifício também pela comunhão sacramental, por meio do banquete do pão dos anjos, a madre Igreja, para que mais eficazmente “possamos sentir em nós continuamente o fruto da redenção” (coleta de Corpus Christi), repete a todos os seus filhos o convite de Cristo Senhor: Tomai e comei… Fazei isto em minha memória.

Nesse propósito, o Concílio de Trento, fazendo eco aos desejos de Jesus Cristo e de sua Esposa imaculada, insta por “que em todas as Missas os fiéis presentes participem não só espiritualmente, mas ainda sacramentalmente da Eucaristia, para que lhes venha mais abundante o fruto deste sacrifício”.

d) O caráter da Confirmação faculta os simples fiéis para confessar, com valentia e fortaleza, a fé de Cristo.

A razão disso é que a graça sacramental própria deste sacramento é a graça fortificante e corroborativa, cujo efeito próprio é fortalecer a alma para confessar valente e publicamente a fé diante dos homens e defendê-la de seus adversários.

Essa graça traz consigo, além disso, o direito às graças atuais necessárias, durante toda a vida, para a confissão e defesa da fé.

É certo que também um cristão não confirmado pode confessar publicamente a fé e chegar, inclusive, a morrer por ela. No entanto, o fiel confirmado pode realizar este mesmo ato com maior facilidade e como que “por ofício”, em virtude precisamente do caráter da Confirmação.

Por fim, os simples fiéis não têm poder nenhum sobre os sacramentos propriamente sacerdotais, ou seja, sobre a Confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos e a Ordem.

Foi o Concílio de Trento que definiu expressamente esta doutrina contra os reformadores protestantes que ensinavam o contrário. A razão é que a administração desses sacramentos supõe a prévia recepção do sacramento da Ordem. Só os bispos e os sacerdotes podem administrá-los validamente. Não é necessário insistir em algo tão claro e evidente.

Referências

  1. Cf. Antonio R. Marín, Jesucristo y la Vida Cristiana. Madrid: BAC, 1961, pp. 570-572, nn. 555.
  2. Pio XII, Encíclica “Mediator Dei”, de 20 nov. 1947, n. 83 (AAS 39 [1947] 555-556).
  3. Id., n. 106 (AAS 39 [1947] 564).

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