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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João 
(Mt 28,16-20)

Naquele tempo, os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado. Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele. Ainda assim alguns duvidaram. Então Jesus aproximou-se e falou: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra. Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.

Celebramos neste domingo a Solenidade da Santíssima Trindade, um mistério à primeira vista tão distante, que houve quem dissesse: “Da doutrina da Trindade, entendida ao pé da letra, não se segue nenhuma utilidade prática, se alguém crê compreendê-la de imediato, menos ainda se percebe que ela ultrapassa todos os nossos conceitos” [1].

No entanto, se Deus, ao revelar-se, não agiu por esporte nem por tratar-se de uma verdade indiferente para nós, então a Trindade é, na prática, realmente importante. Por isso, é “nosso dever e nossa salvação” elevar o coração neste domingo para meditar o mistério de Deus Uno e Trino.

O Evangelho que a Igreja nos propõe hoje é o de São Mateus (28, 16-20), em que constam as últimas palavras de Cristo antes de subir aos céus: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei. Eis que eu estarei convosco todos os dias até o fim do mundo”. 

A Igreja instituiu esta festa dentro do Tempo Comum, embora esteja intimamente ligada ao mistério pascal, celebrado no ciclo de cinquenta dias após a Ressurreição. O Senhor sobe aos céus ressuscitado e envia o Espírito Santo. É esse o contexto em que Ele afirma: “Toda autoridade me foi dada”, quer dizer, à humanidade assunta pelo Verbo, enfim glorificada, compete autoridade e poder plenos, como instrumento por excelência da redenção e santificação dos homens.

É Ele quem envia o Espírito Santo, como o enviou em Pentecostes, para tocar em nós e transformar nossa vida. Essa transformação acontece, de fato, no dia a dia da Igreja pela Palavra de Deus, por isso Jesus diz: “Ensinai, fazei discípulos”, e pelos sacramentos: “Batizai em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. O toque da graça de Cristo por meio dos sacramentos, com efeito, é algo que não poderíamos deixar passar, porque é aqui que está o dia a dia da vida cristã. Inclusive, nas palavras de Jesus no Evangelho de hoje, estão contidas as quatro partes principais do Catecismo

Afinal, o Catecismo constitui uma exposição sobre o Credo, aquilo em que devemos crer: “Fazei discípulos, ensinai todos os povos” (Mt 28, 19); sobre os sacramentos, os mistérios de salvação dos quais devemos participar: “Batizando-os” (Mt 28, 19); sobre a vida moral, aquilo que devemos pôr em prática: “Ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei” (Mt 28, 20); e, por fim, sobre a vida espiritual, o modo como devemos rezar: “Eis que eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20). 

Eis aí a arquitetura do Catecismo da Igreja Católica: Credo, Sacramentos, Mandamentos e Vida de Oração, representada no estudo do Pai-Nosso. É interessante retomar a caminhada do Tempo Comum refazendo um pouco a catequese. Quantos católicos vão à igreja todos os domingos e não estão nem aí para o Catecismo!…

Jesus deu uma ordem num momento mais que solene, logo antes de subir aos céus: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28, 18); portanto, “ide e fazei discípulos”  (Mt 28, 19). Infelizmente, há na Igreja Católica aqueles que já não obedecem ao Mestre. Por quê? Porque perderam a missionariedade, asfixiados por um clima de ecumenismo e diálogo interreligioso falsos, que desembocam no relativismo, para o qual não há verdade. É como se dissessem com suas ações: “O que a Igreja Católica ensina é ideologia, uma opinião entre outras. Cada religião tem direito à sua própria verdade”. Ora, o que Jesus ensinou não foi isso, mas que devemos fazer discípulos, o que implica ensinar: “Indo, ensinai (‘μαθητεύσατε [mathētéusate]’, em grego)”.

O que é ensinar? É mudar a opinião do outro, de modo que ele enxergue a verdade. Sim, nós precisamos ensinar a Palavra de Deus para que as pessoas se convertam. Não há “respeito a opiniões”. Deve-se respeito às pessoas, e não aos eventuais erros delas; o contrário, sim, seria falta de amor: respeitar tanto a opinião, a ponto de pecar contra a caridade, deixando o outro no erro.

Isso, é claro, só acontece com o auxílio da graça, porque é Deus quem toca os corações; é o próprio Jesus ressuscitado quem envia o Espírito Santo, torna eficaz a palavra do pregador e faz o pecador converter-se. Contudo, Ele quer nos usar como instrumentos. Cristo deseja ensinar todos os povos; mas se não houver missionários, como hão de crer os que ainda não têm fé? Temos de levar a todos a boa-nova de que o Deus de amor quer que participemos da sua vida divina.

Tendo-se instruído, convertido e mudado de opinião (‘conversão’, em grego, diz-se ‘μετάνοια [metánoia]’, isto é, “mudança de mentalidade”), o fiel precisa agora ser batizado e receber os demais sacramentos. Esse é o segundo ponto do Evangelho de hoje: “Batizando-os”. 

Infelizmente, contaminadas por uma visão protestante ou mesmo indiferentista, muitas pessoas têm perdido a noção da importância dos sacramentos. Já não se tem mais, por exemplo, a urgência de batizar que a Igreja sempre teve. No passado, a coisa mais comum de se ouvir numa pregação era a necessidade do Batismo. Os padres eram chamados, a altas horas da noite, para ir às pressas ao hospital, a fim de batizar um recém-nascido. Hoje em dia, isso parece ter-se perdido e dado lugar à mentalidade relativista: “Se Deus é amor, não vai condenar uma criancinha que nem pecados tem”. 

O problema não é só a condenação, mas a impossibilidade de participarmos de uma vida sobre-humana, divina e sobrenatural, se Deus não vier nos tocar com o Espírito Santo enviado por Cristo. O que são os sacramentos, afinal, senão instrumentos de Jesus ressuscitado? Assim como, na carpintaria de Nazaré, Ele usava serrote, martelo, plaina e esquadro para fabricar móveis, hoje Ele quer nos santificar por meio dos sacramentos.

O primeiro deles, porta de entrada para todos os outros, é o Batismo, cuja urgência nunca é demais salientar. Também aos pais e aos catequistas incumbe o dever de ensinar aos filhos e aos catequizandos a forma correta de batizar, porque, quando há perigo de morte, todos podemos e até devemos ministrar o Batismo:

São ministros ordinários do Batismo o bispo e o presbítero, e, na Igreja latina, também o diácono. Em caso de necessidade, qualquer pessoa, mesmo não batizada, desde que tenha a intenção requerida, pode batizar utilizando a fórmula batismal trinitária. A intenção requerida é a de querer fazer o que faz a Igreja quando batiza. A Igreja vê a razão desta possibilidade na vontade salvífica universal de Deus e na necessidade do Batismo para a salvação [...] Em caso de necessidade, qualquer pessoa pode batizar, desde que tenha a intenção de fazer o que a Igreja faz e derrame água sobre a cabeça do candidato, dizendo: “Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Catecismo da Igreja Católica, nn. 1256.1284).

Como então se batiza [2]? Antes de tudo, o batizando deve ser pagão. Com efeito, simular outro Batismo já o tendo recebido validamente antes é não só ilícito e ineficaz, mas uma ofensa ao sacramento. Se não há dúvidas sobre a validade do batismo, não se pode “rebatizar”; se há dúvida razoável, pode-se batizar sob condição, dizendo: “(Nome), se não és batizado(a), eu te batizo…”. 

Em segundo lugar, o ministro e o sujeito do Batismo não podem ser a mesma pessoa. Em outras palavras, não é possível batizar-se a si mesmo. Além disso, o Batismo requer o uso de água. Por água, aqui, entende-se o elemento natural apto, no uso habitual dos homens, para realizar purificações, pois o Batismo é um lavacro. Nesse sentido, é matéria válida a água natural com que os homens comumente se lavam, independentemente de ser límpida ou cristalina. Por exemplo, os rios do Mato Grosso que desaguam no Pantanal têm água naturalmente barrenta; mas como é a água com que os ribeirinhos tomam banho, lavam roupa, escovam os dentes etc., então é apta para o Batismo. Não se pode, ao contrário, batizar com líquidos de outra natureza, como sopa ou cerveja, usados para alimentação.

Recapitulemos: primeiro, o sujeito do Batismo tem de ser pagão; segundo, o ministro deve ser outra pessoa; terceiro, é necessário utilizar água verdadeira e natural. Agora o ministro, enquanto derrama a água sobre o batizando, deve pronunciar a fórmula do sacramento. Em primeiro lugar, diz-se o nome da pessoa. Se não se sabe o nome, deve-se dar um nome cristão qualquer, como José se o batizando for homem, ou Maria se for mulher. Em seguida, diz o ministro em primeira pessoa: “Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém”. 

Além disso, é tradição fazer três abluções, uma para cada invocação das Pessoas divinas: “(Nome), eu te batizo em nome do Pai”, primeira ablução; segunda: “e do Filho”; terceira e última: “e do Espírito Santo. Amém”. Feito isso, o Batismo é válido, porque houve a intenção de fazer o que há dois mil anos faz a Igreja ao batizar.

É necessário que a água derramada entre de fato em contato com o corpo do batizando, ao menos na parte principal, que é a cabeça. Se isso, por alguma razão, não for possível, deve-se derramar a água na parte do corpo a que se tiver melhor acesso e que for a mais principal.

Por exemplo, numa UTI neonatal, há na incubadora um recém-nascido. Havendo risco de morte, qualquer um pode batizá-lo (pais, enfermeiros, avós etc.). Isso é lei da Igreja. E como derramar água na cabeça da criança dentro da incubadora? Pode-se embeber um pequeno algodão em água (esterilizada ou destilada, se necessário) e aplicá-lo três vezes à testa da criança, dizendo: “(Nome), eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém”.

Daí se vê por que isso deve ser ensinado às pessoas. É uma parte básica da nossa catequese. O próprio Código de Direito Canônico exorta: “Os pastores de almas, em especial o pároco, sejam solícitos em que os fiéis aprendam o modo correto de batizar” (Cân. 861, §2).

Voltando ao Evangelho, vemos as palavras de Jesus nos dizendo que devemos não só ensinar a doutrina: “Fazei discípulos”, e administrar os sacramentos: “Batizando”, mas também observar os Mandamentos: “Ensinando-os a observar”. Por isso é necessário conhecer e ensinar os Dez Mandamentos. Se as pessoas não os conhecerem, como irão vivê-los? Finalmente: “Eis que eu estarei convosco todos os dias” (Mt 28, 20), com o que Nosso Senhor recorda a necessidade da vida de oração. Por isso também é preciso ensinar os filhos a rezar todos os dias, devotamente e com amor. 

Eis as palavras de Jesus que compendiam o Catecismo da Igreja Católica neste domingo, dia em que damos graças a Deus por termos sido batizados no nome da Santíssima Trindade. Pelo sacramento do Batismo, participamos da vida de Deus e poderemos um dia contemplá-lo. Que alegria saber que iremos presenciar no Céu a festa de amor e de felicidade que é a Trindade santa!

Notas

  1. Immanuel Kant, Streit der Fakultäten (AK 7 [1917] 3833–3923): “Aus der Dreieinigkeitslehre, nach dem Buchstaben genommen, läßt sich schlechterdings nichts fürs Praktische machen, wenn man sie gleich zu verstehen glaubte, noch weniger aber wenn man inne wird, da sie gar alle unsere Begriffe übersteigt”; cf. Id., Religion innerhalb der Grenzen der bloßen Vernunft (AK 6 [1914] 14520–14714). Veja-se também C. O’Regan, “The Trinity in Kant, Hegel, and Schelling”, in: G. Emery & M. Levering (edd.), The Oxford Handbook of the Trinity (Oxford 2011) 254-7.
  2. Santo Tomás de Aquino, De articulis fidei et Ecclesiae sacramentis: “Em primeiro lugar, acerca do Batismo se deve saber que a matéria do Batismo é água verdadeira e natural, não importa que esteja fria ou quente. Em águas artificiais, porém, como água de rosas e outras parecidas, não se pode batizar. A forma do Batismo é esta: Ego te baptizo in nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. O ministro próprio deste sacramento é o sacerdote, a quem de ofício compete batizar; mas, em caso de necessidade, não só o diácono como também um leigo ou uma mulher, inclusive um pagão e um herege, pode batizar, desde que guarde a forma da Igreja e tenha a intenção de fazer o que faz a Igreja. Se alguém, fora de necessidade, for batizado por alguma dessas pessoas, recebe de fato o sacramento e não deve ser novamente batizado; não recebe, contudo, a graça do sacramento, porque são considerados fingidos (ficti) os que recebem um sacramento contra o estatuído pela Igreja. O efeito do Batismo, por sua vez, é a remissão da culpa original e atual, e ainda de toda culpa e pena, de modo que não se deve impor aos [recém] batizados satisfação alguma pelos pecados passados, porquanto os que morrem logo após o Batismo são introduzidos na glória de Deus. Eis por que se diz que o efeito do Batismo é abrir as portas do Paraíso”.

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