No dia 31 de janeiro de 1888, partia ao Céu um grande educador da juventude: João Melchior Bosco. Este homem de santidade indiscutível foi canonizado pelo Papa Pio XI ainda no ano de 1934 e a liturgia católica celebra-o em todo final de janeiro, quando se recorda a data de seu nascimento para Deus.
A vida de São João Bosco foi repleta de experiências sobrenaturais, muito embora vários biógrafos naturalistas tenham tentado calar esta verdade. Infelizmente, percebe-se em várias biografias modernas dos santos uma tendência de olhá-los como pessoas simplesmente virtuosas, mas a um nível baixo o bastante para que possa ser imitável. A “arte de escrever a vida dos santos" está se tornando naturalista: escondem-se os aspectos místicos e sobrenaturais dos santos para torná-los palatáveis ao mundo descrente.
Ao contrário, é preciso lembrar que todo verdadeiro santo é um místico. A mística é a ação de Deus na alma de uma pessoa. Ela entregou-se de tal modo a Deus que, a partir de um determinado momento, não é mais ela quem age, mas Deus mesmo toma a frente de sua vida. Então, é possível que ela diga com o Apóstolo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 20).
O que acontece, então, quando alguém que não crê nem em Deus nem que ele possa agir na história toma a responsabilidade de escrever justamente sobre aqueles em quem Deus trabalhou de modo tão particular? Os aspectos inexplicáveis ou muito impressionantes são simplesmente deixados de lado e os santos deixam de ser instrumentos sobrenaturais para se tornarem personalidades mais ou menos importantes, a depender dos feitos humanos que realizaram.
São famosos, por exemplo, os sonhos que este servo de Deus relatava aos jovens de seu Oratório. Desde a mais tenra infância, o Senhor se comunicava com Dom Bosco por meio dessas experiências. E, no entanto, seus sonhos – com conteúdos verdadeiramente extraordinários – foram reduzidos por muitos biógrafos a meros “contos pedagógicos", como se João Bosco os tivesse inventado para ensinar lições aos seus jovens. Os testemunhos de quem convivia com São João Bosco, no entanto, atestam que os seus sonhos eram realidades de fato sobrenaturais. Pessoas próximas relatavam ver uma luz sair de Dom Bosco durante seus sonos, enquanto sonhava, e também durante suas pregações, enquanto ensinava. Foi durante um sonho que ele teve, ainda aos nove anos de idade, que lhe foi revelada a sua vocação: neste sonho, ele tentava mudar alguns jovens com violência e Deus lhe dizia que não era assim que ele os iria converter, mas sim falando a eles da feiura do pecado e da beleza das virtudes. Ainda que as coisas não tenham ficado claras para ele naquele instante, mais adiante ele percebeu o que Deus queria dele: que se entregasse totalmente à evangelização da juventude.
De fato, seu trabalho com os jovens foi de tal modo significativo que fez com que o bem-aventurado João Paulo II o aclamasse como “pai e mestre da juventude" [1].
Mas não foi apenas por sua vida ativa que Dom Bosco mereceu ser elevado à honra dos altares. Ao lado de uma intensa atividade pastoral, João Bosco era um homem de profunda oração. Obediente à palavra do Apóstolo: “Orai sem cessar" (1 Ts 5, 17), ele teve avanços prodigiosos na vida espiritual, chegando, sem dúvida, àquela que Santa Teresa de Ávila descreve como sendo as sétimas moradas. Ao fim de sua vida, tal era sua união com o Altíssimo, que ele, por assim dizer, “não precisava rezar", pois as faculdades de sua alma estavam todas na presença de Deus e toda a sua vida havia se transformado em uma oração.
Ao lado desta união com Deus, estavam as manifestações extraordinárias que lhe aconteciam. Além de seus sonhos, Dom Bosco também tinha visões. Ambas revestiam-se, muitas vezes, de caráter profético.
No famoso sonho das duas colunas, por exemplo, Dom Bosco viu o barco da Igreja, conduzido pelo Papa, ser ancorado em duas grandes colunas: uma com a Virgem Maria e outra, maior, com a imagem da hóstia consagrada, Jesus Eucarístico.
Neste sonho, pequenos navios tentavam derrubar a barca da Igreja e o Papa se reunia com os capitães dos barcos vizinhos para aconselhar-se. No entanto, por conta dos ataques externos, os bispos tinham que voltar aos seus barcos. Era uma clara alusão ao Concílio Vaticano I, convocado pelo Papa Pio IX, Concílio que não chegou a encerrar-se, por causa da invasão de Roma em 1870 pelos “piemonteses" [2], processo que consolidou a unificação da Itália.
Ainda no sonho, Dom Bosco via que o Papa se reunia novamente com os capitães dos barcos próximos e, depois disso, aparecia um Pontífice que era atingido, mas não morria – referências evidentes ao Concílio Vaticano II e ao atentado ao Papa João Paulo II, em 13 de maio de 1981.
Outro dado interessante era que o barco da Igreja não era apenas mirado por canhões, mas também por “livros incandescentes". Dom Bosco estava indicando que a guerra à Igreja seria, sobretudo, uma guerra dos maus livros, dos maus ensinamentos.
Em uma visão, às vésperas da solenidade da Epifania do Senhor, em 1870, ano da invasão dos Estados Pontifícios, Dom Bosco viu o acontecimento que se daria naquele ano, a saber: a Guerra Franco-Prussiana, que faria as tropas francesas se retirarem de Roma e a deixarem desprotegida. Na mesma visão, Deus revelou a São João Bosco castigos que cairiam sobre a Cidade Eterna, como a brecha de Porta Pia. O santo escreveu ainda que, “antes que transcorram dois plenilúnios do mês das flores, o arco-íris da paz aparecerá sobre a terra". O próximo duplo plenilúnio (duas luas cheias) no mês de maio – o “mês das flores" – está previsto para acontecer em 2026. Seria desta data que Dom Bosco estaria falando?
Na verdade, os sonhos e visões proféticos de São João Bosco não devem ser para nós fontes para uma curiosidade malsã, um desejo de saber a data dos acontecimentos futuros ou mesmo do próprio fim dos tempos, dia que “ninguém o sabe, nem mesmo os anjos do céu, mas somente o Pai" (Mt 24, 36). Devem ser, ao contrário, uma palavra de confiança n'Aquele que conduz a Igreja e prometeu que, apesar das perseguições e dos incessantes combates, as portas do inferno não prevaleceriam contra ela (cf. Mt 16, 18).
São João Bosco nutria uma grande devoção pela Santíssima Virgem Maria, invocada de modo especial sob o título de Nossa Senhora Auxiliadora. Fê-lo porque estava convencido de que a mesma Senhora que auxiliou o povo cristão na famosa batalha de Lepanto – o combate dos cristãos contra os infiéis que queriam dominar a Cristandade – viria em socorro da Igreja nestes tempos de grande combate. Nessa época em que há tantas heresias e ensinamentos errados, Dom Bosco confiava na Virgem Auxiliadora, rogando a ela que mantivesse viva, no povo cristão, a pureza da fé.
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