Cristo quer ter um encontro conosco. Por isso, Ele sempre toma a iniciativa de vir nos visitar.
Nós, por outro lado, nem sempre estamos atentos a essa visita, e acabamos desperdiçando grandes oportunidades de intimidade com Ele. No mais das vezes, isso acontece depois da primeira conversão, se deixamos de agir pelo Espírito Santo. No início de nossa caminhada, elaboramos uma rotina de oração e ascese, que deve nos ajudar a desenvolver uma sensibilidade maior para as realidades sagradas, como uma disposição à santidade. É coisa boa e desejável. Mas se isso se converte num esquema rígido cujo motor não é a graça, senão a própria vontade humana, então o voo da primeira conversão aos poucos perde altitude e tudo se torna muito cansativo.
Esse é um risco constante para muitas almas. Na verdade, o progresso na vida de oração exige, antes de tudo, uma docilidade ao Espírito Santo, que move a vontade e nos abre para o toque inesperado do Senhor. Sem essa docilidade, qualquer plano de vida, por mais piedoso que seja, estará fadado ao fracasso, porquanto sua causa não é a graça de Deus. A graça é o motor do nosso querer e do nosso agir; ela nos comunica a força pela qual podemos caminhar na certeza da presença do Senhor, pois, como nos recorda São Paulo, “a esperança não decepciona porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações” (Rm 5, 5).
De fato, a conversão de todo e qualquer ser humano depende de um movimento do Espírito Santo, que atua sobre a nossa natureza. Em termos filosóficos, São Paulo nos ensina que somos “corpo”, “alma” e “espírito”. O Apóstolo das gentes vai além da sabedoria dos homens, e apresenta-nos a novidade cristã do organismo espiritual, esse dom de Deus que recebemos no batismo para nos movermos segundo o Espírito Santo. Esse “espírito” de que nos fala São Paulo é uma modificação divina na alma, pela qual nos unimos ao Amor. Todo batizado em “estado de graça” possui, mesmo sem perceber, essa realidade.
A missão do diretor espiritual está justamente em ajudar o seu dirigido a perceber esse organismo, pois dele depende a santidade. Trata-se de uma pedagogia divina. Um pai, por exemplo, educa suas crianças a partir da recompensa e da punição. Como ainda não têm maturidade para compreender a natureza das coisas, as crianças precisam ser estimuladas ao bem por meio da lei. Se elas cumprem o seu dever, são recompensadas; se não, são punidas.
A partir da idade da razão, porém, o pai já pode movê-la pelos paternos conselhos, pois ela já é capaz de contemplar a verdade. No caso da vida espiritual, o processo é mais ou menos semelhante. Quem possui o organismo espiritual em perfeito estado, pode ser movido pela educação do Senhor, saindo do esquema da recompensa e da punição para o movimento do Espírito Santo, que nos revela as verdades salvíficas.
A primeira conversão pode acontecer por uma punição ou desgraça. Na vida de São Francisco, o encontro com Deus aconteceu depois de uma experiência dolorosa na prisão de Perugia, onde ele “caiu em si”, como o filho pródigo, e decidiu procurar a casa do Pai. Desse momento em diante, ele se deixou conduzir pela ação da graça em seu coração, passando de uma vida desregrada para um caminho de perfeição. Houve uma transformação na sua alma.
A graça de Deus age em nossas almas por vários caminhos. Pode ser numa pregação ou no filme de um santo, por exemplo. De repente, uma verdade toca a nossa alma e ilumina nossa inteligência, convidando a vontade a uma união de amor. E isso provoca tal transformação que, não poucas vezes, pode levar a pessoa às lágrimas ou outras emoções físicas. Esses toques de Deus acontecem mais de uma vez. Na verdade, Ele sempre está nos visitando para realizar em nós a obra da salvação, seja numa homilia, seja numa leitura, seja num gesto de amor. De nossa parte, cabe a atenção com que os santos se dedicaram aos movimentos do Espírito Santo, a fim de que sejamos, como eles, santificados pela graça.
Voltamos, assim, ao início de tudo. De fato, Deus deseja sempre nos encontrar e, em razão disso, Ele não está preso a nossa agenda. Ao contrário, Nosso Senhor quer estar conosco lá nas coisas mais rotineiras do nosso dia, no meio das panelas, durante o trânsito para casa ou numa aula da faculdade. Precisamos estar atentos!
Essa “atenção a Deus” inegavelmente exige virtudes. O nosso programa de vida é importante e, sem dúvida, precisa ser guardado com diligência. Mas há sempre o risco de colocarmos tudo a perder se nos esquecemos do protagonismo de Deus e agimos segundo nossa própria vontade. A oração logo converte-se em rotina e já não se consegue mais ouvir a voz do Senhor, porque a vida está sendo movida pela carne, e não pelo Espírito. Resta assim a frustração e o cansaço. Em outras palavras, não podemos simplesmente “impor” a Deus o nosso quadro de horários; é Ele quem deve dar o ritmo e o tom do nosso canto, por assim dizer.
Por exemplo, há momentos de oração em que Deus parece ausente e a rede volta vazia para nossas mãos, como na pesca de São Pedro. Em outras oportunidades, porém, Ele fala com uma eloquência absurda, que toca a nossa alma de um modo inesperado. Esses encontros precisam ser conservados no coração. A regra de vida é Jesus. Ele mesmo escolhe o texto da nossa meditação, o lugar do nosso encontro, a área de nossa vida que precisa ser restaurada. Às vezes preparamos um texto bíblico, mas é com a imagem da capela que Ele deseja nos tocar. “O Espírito sopra onde quer”. Se não nos adaptarmos a essa divina liberdade, passaremos a vida como Martas agitadas, que não ficaram com a única coisa necessária. E nem mesmo sob a regra do mosteiro mais rígido, atrás das grades do carmelo mais rigoroso, poderemos ser santos.
Que fique claro: a regra de vida é, sim, importante, e todo padre deve rezar a Liturgia das Horas, celebrar missas, participar dos recolhimentos mensais etc. E o mesmo vale para os demais, segundo a própria vocação. Mas o esforço meramente humano não pode santificar ninguém. O que nos santifica é a ação de Deus que atua sobre nós tanto na oração do Terço como numa caminhada no parque. Se o mistério veio até nós, não importa o caminho, devemos acolhê-lo com todo p amor. Desse modo, começaremos a ter sede de oração e o amor de Cristo vai nos impelindo à pressa da santidade, indicando-nos, como diz São Paulo, “o caminho mais excelente de todos” (1 Cor 12, 31).
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