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Texto do episódio
023

Mal chegou Jesus ao Calvário, consumido de dores e esgotado, dão-lhe a beber vinho misturado com fel, como se costumava dar aos condenados à cruz para mitigar-lhes um pouco o sentimento de dor. Mas Jesus, que queria morrer sem alívio, apenas o provou, mas não bebeu (cf. Mt 27, 34).

Forma-se um círculo em torno de Jesus. Os soldados tiram-lhe as vestes, que, estando coladas ao seu corpo todo chagado e retalhado, ao serem arrancadas levam consigo muitos pedaços de carne; e depois, atiram-no sobre a cruz. Jesus estende suas sagradas mãos e oferece ao Eterno Pai o grande sacrifício de si mesmo, e suplica-lhe que o aceite por nossa salvação.

Eis que já tomam com fúria os pregos e os martelos e, transpassando as mãos e os pés de nosso Salvador, pregam-no na cruz. O som das marteladas ressoa por todo aquele monte e se faz ouvir também por Maria, que, acompanhando o Filho, já havia também chegado.

— Ó mãos sagradas, que com vosso toque curastes tantos enfermos! por que vos atravessam nessa cruz? Ó pés sacrossantos, que tanto vos cansastes correndo atrás de nós, ovelhas perdidas! por que vos encravam com tantas dores?

No corpo humano, apenas se atinge um nervo, é tão aguda a dor que isso ocasiona desmaios e espasmos mortais. Qual, pois, terá sido o tormento de Jesus, ao lhe serem transpassadas com cravos as mãos e os pés, lugares cheios de ossos e nervos?

— Ó meu doce Salvador, quanto vos custou a minha salvação e o desejo de conquistar o amor de um verme miserável! E eu, ingrato, tantas vezes vos neguei o meu amor e voltei-vos as costas!

A um dado momento, levantam a cruz com o crucificado e fazem-na cair com violência no buraco cavado na rocha. É firmada com pedras e madeira, e fica Jesus pregado nela entre dois ladrões, para aí findar a vida. “E o crucificaram e com ele dois outros, um de cada lado, e no meio Jesus” (Jo 19, 18). Isaías já o havia predito: “Ele foi posto no número dos malfeitores” (Is 53, 12). Na cruz estava afixado um letreiro que dizia: “Jesus Nazareno, rei dos judeus”. Queriam os sacerdotes que se mudasse tal inscrição; Pilatos, porém, não quis mudá-la, porque Deus queria que todos soubessem que os judeus fizeram morrer seu verdadeiro Rei e Messias, por tanto tempo esperado e desejado por eles mesmos.

Jesus na cruz: eis a prova do amor de um Deus! Eis a última aparição que o Verbo encarnado faz nesta terra. A primeira foi num estábulo e esta última é numa cruz: tanto uma como a outra demonstram o amor e a caridade imensa que Ele tem pelos homens. São Francisco de Paula, contemplando um dia o amor de Jesus Cristo em sua morte, estando em êxtase e elevado acima da terra, exclamou três vezes em alta voz: “Ó Deus caridade! Ó Deus caridade! Ó Deus caridade!” Com isso, o Senhor queria ensinar-nos por meio do santo que nós nunca seremos capazes de compreender o amor infinito que nos demonstrou esse Deus, querendo sofrer tanto e morrer por nós.

— Ó minha alma, chega-te humilhada e enternecida àquela cruz; beija ao mesmo tempo este altar em que morre por ti, qual vítima de amor, o teu amável Senhor. Coloca-te debaixo de seus pés, e faz que escorra sobre ti seu sangue divino, e suplica ao Eterno Pai, mas em sentido diferente do que fizeram os judeus: “Que seu sangue caia sobre nós” (Mt 27, 25). Senhor, que esse sangue escorra sobre nós e nos lave de nossos pecados. Este sangue não vos pede vingança, como pedia o sangue de Abel, mas vos pede perdão e misericórdia para nós. É o que o vosso Apóstolo me anima a esperar, quando diz: “Vós, porém, vos aproximastes do mediador da Nova Aliança, Jesus, e da aspersão do sangue mais eloquente que o de Abel” (Hb 12, 24).

Oh Deus, quanto padece na cruz nosso moribundo Salvador! Cada membro está dolorido, e um não pode socorrer o outro, pois que os pés e as mãos estão pregados. A cada instante ele sofre dores mortais; e assim pode-se dizer que, naquelas três horas de agonia, Jesus sofreu tantas mortes quantos foram os momentos em que esteve na cruz. Sobre esse leito de dor não teve o Senhor um só momento de alívio ou repouso: ora se apoiava sobre os pés, ora sobre as mãos; mas onde se apoiava crescia a dor. Em suma, aquele corpo sacrossanto estava suspenso sobre suas próprias chagas, pois aquelas mãos e pés deviam sustentar o peso de todo o corpo.

— Ó meu caro Redentor, se vos observo exteriormente, não vejo senão chagas e sangue; se contemplo vosso interior, vejo vosso Coração todo aflito e desconsolado. Leio sobre essa cruz que vós sois rei; mas que insígnias tendes de realeza? Não vejo outro trono senão esse lenho de opróbrio; não vejo outra púrpura senão vossa carne ensanguentada e dilacerada; não vejo outra coroa senão esse feixe de espinhos que tanto vos atormenta. Ah, sim, tudo vos proclama rei; não de honra, mas de amor: essa cruz, esse sangue, esses cravos e essa coroa, são incontestavelmente insígnias de amor.

Assim, Jesus na sua cruz procura mais o nosso afeto que a nossa compaixão; e se pede compaixão, pede-a unicamente para que ela nos induza a amá-lo. Pela sua bondade, ele já merece todo o nosso amor; mas agora procura ser amado ao menos por compaixão.

— Ah, meu Jesus, tivestes muita razão de afirmar, antes da vossa Paixão, que uma vez levantado na cruz havíeis de atrair para vós todos os corações (cf. Jo 12, 32). Oh! quantas flechas de fogo enviais desse trono de amor aos nossos corações! Oh! quantas almas felizes atraístes dessa cruz a vós, livrando-as das profundezas do inferno. Permiti-me, pois, dizer-vos: com razão, meu Senhor, vos colocaram no meio de dois ladrões, pois vós, com vosso amor, santamente arrancastes de Lúcifer tantas almas que por justiça lhe pertenciam em razão de seus pecados; e eu espero ser uma destas. Ó chagas de meu Jesus, ó belas fornalhas de amor, recebei-me no meio de vós, para que eu não mais arda nas chamas do inferno como mereço, mas arda em santas chamas de amor por Deus, aquele mesmo Deus que por mim quis morrer consumido de tormentos.

Os carrascos, depois de haverem crucificado Jesus, dividem entre si as suas vestes, segundo a profecia de Davi: “Repartiram entre si as minhas vestes e lançaram sorte sobre a minha túnica” (Sl 21, 19). E assentando-se todos, esperam por sua morte.

— Minha alma, assenta-te aos pés daquela cruz, e debaixo de sua sombra de salvação repousa durante tua vida inteira, a fim de que possas dizer com a esposa sagrada: “Assentei-me à sombra daquele que eu tanto havia desejado” (Ct 2, 3). Oh! que repouso encantador é o que encontram as almas amantes de Deus junto a Jesus crucificado, no meio dos tumultos do mundo, das tentações do inferno e dos temores dos juízos divinos!

Estando Jesus em agonia, com os membros doloridos e com o coração desolado e triste, procurava quem o consolasse.

Mas não, meu Redentor, não há quem vos console. Se ao menos houvesse alguém que se compadecesse de vós e com lágrimas acompanhasse a vossa agonia tão atroz! Mas, ó tristeza, vejo que uns vos injuriam, outros vos escarnecem, outros ainda blasfemam contra vós. Uns dizem: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz” (Mt 27, 40). Outros: “Ó tu, que destróis o templo de Deus... salva-te a ti mesmo” (Mc 15, 29-30). E outros: “Salvou a outros e não pode salvar-se a si mesmo” (Mt 27, 42). Oh Senhor! qual condenado se viu jamais tão coberto de injúrias e opróbrios ao mesmo tempo que morria no patíbulo?

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