Publicada a sentença, aquele povo miserável dá um grito de júbilo e diz: “Felizmente, felizmente, Jesus já foi condenado. Vamos, rápido, não percamos tempo: prepare-se a cruz, e que ele morra hoje mesmo, pois amanhã é Páscoa”. E por isso, imediatamente o agarram, tiram-lhe aquele farrapo de púrpura e restituem-lhe suas próprias vestes: para que, como diz Santo Ambrósio, fosse reconhecido pelo povo como aquele mesmo “impostor” (como o chamavam) que dias antes tinha sido acolhido como o Messias: “Tiraram-lhe o manto e o revestiram com suas vestes, e o conduziram para ser crucificado” (Mt 27, 31).
Em seguida, tomam duas vigas grosseiras e rapidamente preparam a cruz; e com insolência ordenam-lhe a tomá-la sobre os ombros e carregá-la até ao lugar do suplício.
— Ó Deus, que crueldade! Sobrecarregar com tamanho peso um homem já tão atormentado e desprovido de forças!
Jesus abraça a cruz com amor: “E, levando sua cruz às costas, saiu para aquele lugar que se chama Calvário” (Jo 19, 17). Eis que a justiça sai com os condenados, e entre esses vai também o nosso Salvador, carregando o próprio altar em que deve sacrificar sua vida. Muito bem considera um piedoso autor que, na Paixão de Jesus Cristo, foi tudo maravilhoso e excessivo como Moisés e Elias o afirmaram no Tabor: “E falavam de seu excesso, que iria realizar em Jerusalém” (Lc 9, 31). Quem poderia jamais crer que ao verem Jesus repleto de chagas pelo corpo, os judeus nada mais sentissem que raiva e desejo de vê-lo crucificado? Que tirano obrigou jamais o próprio réu a levar sobre seus ombros o instrumento de seu suplício, vendo-o já exausto e consumido de dores? É um horror considerar a multidão de tormentos e humilhações a que submeteram Jesus no espaço de algumas horas, da sua prisão até sua morte, sucedendo uns aos outros sem intervalo: prisões, bofetadas, cusparadas, zombarias, flagelos, espinhos, cravos, agonias e morte. Todos se uniram, hebreus e gentios, sacerdotes e leigos, para tornarem Jesus Cristo o “homem dos desprezos e das dores”, como havia predito o profeta Isaías.
O juiz declara o Salvador inocente, mas uma tal declaração só serve para acarretar-lhe maiores sofrimentos e humilhações; pois que, se logo no princípio Pilatos tivesse condenado Jesus à morte, não lhe teriam preferido Barrabás, nem teria sido tratado como louco, nem flagelado tão cruelmente, nem coroado de espinhos.
Mas voltemos a considerar o espetáculo admirável do Filho de Deus, que vai morrer por aqueles mesmos homens que o conduzem à morte. Eis realizada a profecia de Jeremias: “E eu era semelhante a um manso cordeiro, que é levado ao matadouro” (Jr 11, 19).
— Ó cidade ingrata! assim expulsas de ti com tão grande desprezo o teu Redentor, depois de receberes dele tantas graças? Oh Deus, é isso o que faz também uma alma ingrata que, depois de favorecida por Deus com tantos dons, o expulsa pelo pecado.
A vista de Jesus nessa caminhada para o Calvário causava tal compaixão, que as mulheres ao vê-lo se punham a chorar e lamentar de tanta crueldade: “Seguia-o uma grande multidão de povo e de mulheres, que choravam e o lamentavam” (Lc 23, 27). O Redentor, porém, voltando-se para elas, diz: “Não choreis sobre mim, mas sobre vossos filhos. Porque se assim fazem com o ramo verde, que farão com o seco?” (Lc 23, 31). Com isso, quis nos dar a entender o grande castigo que nossos pecados merecem: pois se Ele, inocente e Filho de Deus, por ter-se oferecido somente a satisfazer nossos pecados já foi assim tratado, como então deveriam ser tratados os homens por seus próprios pecados?
Contempla-o também tu, minha alma. Vê como está todo dilacerado, coroado de espinhos, oprimido com aquele pesado lenho, e acompanhado por gente inimiga que o cobre de injúrias e maldições enquanto o segue. Oh Deus! o seu corpo sacrossanto está todo retalhado, de tal maneira que a qualquer movimento que faz se renova a dor de todas as suas chagas. A cruz já o atormenta antes do tempo, pois ela comprime seus ombros chagados e vai encravando cada vez mais os espinhos daquela bárbara coroa! Que dores a cada passo! Jesus, porém, não a abandona. Sim, não a deixa, porque por meio da cruz ele quer reinar nos corações dos homens, como predisse Isaías: “E foi posto o principado sobre o seu ombro” (Is 9, 6).
— Ah, meu Jesus, com que sentimentos de amor para comigo vós caminháveis para o Calvário, onde devíeis consumar o grande sacrifício da vossa vida!
Minha alma, abraça também a tua cruz por amor de Jesus, que por teu amor padece tanto. Observa como ele vai adiante com sua cruz, e te convida a segui-lo com a tua: “Quem quiser vir após mim, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24).
— Sim, meu Jesus, não quero deixar-vos, quero seguir-vos até à morte. Vós, porém, pelos merecimentos de vossa subida tão dolorosa ao Calvário, dai-me a força de levar com paciência as cruzes que me enviardes. Oh! vós tornastes muito amáveis as dores e os desprezos, abraçando-os com tanto amor por nós.
Encontraram um homem de Cirene, chamado Simão; obrigaram-no a carregar a cruz de Jesus (Mt 27, 32). E puseram-lhe a cruz para que a carregasse atrás de Jesus (Lc 23, 26).
Acaso foi a compaixão que os moveu a desvencilhar Jesus da cruz e fazê-la carregar pelo Cireneu? Não, foi a iniquidade e o ódio. Vendo os judeus que o Senhor quase exalava sua alma a cada passo que dava, temeram que antes de chegar ao Calvário expirasse no caminho; e porque eles o queriam ver morto, mas morto crucificado, para que sua memória ficasse para sempre denegrida, obrigaram o Cireneu a carregar-lhe a cruz. Era essa sua intenção, pois, para eles, morrer crucificado era o mesmo que morrer amaldiçoado por todos: “Maldito o que pende do madeiro” (Dt 21, 23), dizia sua lei. Por isso, quando buscavam a morte de Jesus, não só pediam a Pilatos que o fizesse morrer, mas sempre instavam, gritando: “Crucifica-o! Seja crucificado!”, para que seu nome ficasse tão difamado naquela terra que nem sequer fosse mais lembrado, conforme a profecia de Jeremias: “Exterminemo-lo da terra dos viventes e não haja mais memória de seu nome” (Jr 11, 19).
E foi essa a razão por que lhe tiravam a cruz dos ombros: para que chegasse vivo ao Calvário, e assim tivessem o gosto de vê-lo morrer crucificado.
— Ah, meu Jesus desprezado, vós sois a minha esperança e todo o meu amor.
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