At illi tenentes Iesum, duxerunt ad Caipham principem sacerdotum, ubi scribae et seniores convenerant — Eles, apoderando-se de Jesus, o conduziram a Caifás, príncipe dos sacerdotes, onde os escribas e anciãos se haviam congregado (Mt 26, 57).
Amarrado como um malfeitor, nosso Salvador entra em Jerusalém, onde poucos dias antes entrara aclamado com tantas honras e louvores.
Atravessa ele de noite a estrada, entre lanternas e tochas, e tão grande era o rumor e o tumulto, que fazia crer que se conduzia preso algum famoso malfeitor. Pessoas aparecem à janela e perguntam: “Quem é o prisioneiro?” E a resposta é: “Jesus Nazareno, que se descobriu ser um sedutor, um impostor e falso profeta, merecedor da morte”.
Oh! quais não devem ter sido os sentimentos de desprezo e desdém de todo o povo, quando viram Jesus Cristo ser aprisionado por ordem dos juízes como impostor… Ele que, outrora fora por eles acolhido como Messias! Oh! como cada um transformou então a veneração em ódio, arrependendo-se de havê-lo homenageado, envergonhando-se de ter honrado um “malfeitor” como Messias.
Eis como o Redentor é apresentado quase em triunfo a Caifás, que sem dormir o esperava; e, vendo-o na sua presença, sozinho e abandonado por todos os seus, enche-se de alegria.
— Contempla, minha alma, teu doce Salvador: como se mostra todo humilde e manso diante daquele soberbo pontífice, estando amarrado como um criminoso e com os olhos baixos. Contempla aquela bela face, que, no meio de tantos desprezos e injúrias, não perdeu sua natural serenidade e doçura.
Ah, meu Jesus, agora que vos vejo cercado, não de anjos que vos louvam, mas desse povo vil que vos odeia e despreza, que farei? Continuarei talvez a desprezar-vos como no passado? Ah não! Na vida que me resta, quero estimar-vos e amar-vos como vós mereceis: e vos prometo não amar ninguém fora de vós, nem pretender ser amado por outros além de vós. Direi, com Santa Inês: Nenhum amor permitirei, exceto vós. Vós sereis meu único amor, meu bem, meu tudo. Deus meus, et omnia.
O ímpio pontífice interroga Jesus sobre seus discípulos e sobre sua doutrina, para descobrir um motivo para condená-lo. Jesus humildemente lhe responde: “Eu não falei em segredo, falei em público. Os que estão ao redor de mim, podem atestar o que eu disse” (Jo 18, 20-21).
Jesus chama seus próprios inimigos como testemunhas. Mas, depois de uma resposta tão acertada e tão mansa, precipita-se do meio daquela corja um algoz mais insolente, que, tratando-o de temerário, lhe dá uma forte bofetada, dizendo: “É assim que respondes ao pontífice?” (Jo 18, 22).
Ó Deus, uma resposta tão humilde e modesta merecia uma afronta tão grande?
O indigno pontífice o vê; mas em vez de repreender aquele carrasco, cala-se, e com seu silêncio aprova o que ele fizera. Jesus, diante de tal injúria, para livrar-se da acusação de falta de respeito ao pontífice, diz: “Se falei mal, mostra o que eu disse de mal, mas se falei bem, por que me bates?” (Jo 18, 23).
Ah, meu amável Redentor, vós sofreis tudo para pagar as afrontas que eu fiz à divina majestade com os meus pecados. Ah, perdoai-me, pelo merecimento desses mesmos ultrajes que por mim sofrestes.
Quaerebant falsum testimonium contra Iesum, ut eum morti traderent, et non invenerunt (Mt 26, 59).
Buscam um testemunho para condenar Jesus e, não o encontrando, o pontífice busca novamente nas palavras de nosso Salvador um motivo para declará-lo réu e por isso lhe diz: “Eu te conjuro, pelo Deus vivo, que nos digas se tu és o Cristo, Filho de Deus” (Mt 26, 63). O Senhor, vendo-se instado em nome de Deus, confessa a verdade e responde: “Eu o sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do poder de Deus e vindo sobre as nuvens do céu” (Mc 14, 62). Ou seja, me vereis não assim desprezível como agora vos pareço, mas num trono de majestade, sentado como juiz de todos os homens, sobre as nuvens do céu.
Ao ouvir isso, o pontífice, em vez de lançar-se com o rosto em terra para adorar seu Deus e seu juiz, rasga suas vestes e exclama: “Blasfemou! Que necessidade temos ainda de testemunhas? Eis aí! Acabastes de ouvir a blasfêmia! Que vos parece?” (Mt 26, 65-66). E todos os outros sacerdotes responderam que, sem dúvida alguma, era digno de morte (cf. Mt 26, 66).
Ah, meu Jesus! Vosso Eterno Pai proferiu a mesma sentença, pois que vos oferecestes para pagar os nossos pecados. Disse-lhe o Pai: Meu Filho, já que queres satisfazer pelos homens, és réu de morte, e por isso é necessário que tu morras.
Tunc exspuerunt in faciem eius, et colaphis eum ceciderunt; alii autem palmas in faciem eius dederunt, dicentes: Prophetiza nobis, Christe, quis est qui te percussit? — Então cuspiram-lhe no rosto e agrediram-no com socos; outros, deram-lhe bofetadas, dizendo: Profetiza, Cristo. Diz-nos quem é que te feriu? (Mt 26, 67-68).
Puseram-se todos a maltratá-lo como a um malfeitor já condenado à morte e digno de todos os insultos: este lhe escarra no rosto; aquele o agride com socos; outro, lhe dá bofetadas. E cobrindo-lhe o rosto com um pano, como acrescenta São Marcos (cf. 13, 65), zombam dele como se fosse um falso profeta, e dizem-lhe: “Já que és profeta, adivinha quem te bateu agora”. São Jerônimo escreve que foram tantos os escárnios e zombarias a que sujeitaram o Senhor naquela noite, que somente no dia do juízo serão todos eles conhecidos.
Portanto, ó meu Jesus, não repousastes naquela noite, mas fostes o objeto da chacota e dos maus tratos daquele povo. Ó homens, como podeis contemplar um Deus tão humilhado, e ser soberbos? Como podeis ver vosso Redentor padecer tanto por vós, e não amá-lo? Oh Deus, como é possível que aquele que crê e considera as dores e ignomínias sofridas por Jesus por nosso amor, possa viver sem abrasar-se de amor por um Deus tão benigno e tão amoroso para conosco?
O pecado de Pedro, que renega Jesus e jura nunca tê-lo conhecido, aumenta-lhe a dor.
— Vai, minha alma, vai àquele cárcere em busca de teu Senhor, tão aflito, escarnecido e abandonado, e agradece-lhe e consola-o com teu arrependimento, já que tu também o desprezaste e renegaste durante tanto tempo. Dize-lhe que desejarias morrer de dor, pensando que no passado tanto amarguraste o seu doce Coração que tanto te amou. Dize-lhe que agora o amas e nada mais desejas senão sofrer e morrer por seu amor.
— Ah, meu Jesus, esquecei-vos dos desgostos que vos dei, e olhai-me com um olhar amoroso, como olhastes para Pedro depois que ele vos renegou, pois desde então ele não cessou de chorar seu pecado enquanto viveu.
— Ó grande Filho de Deus! Ó amor infinito, que padeceis por aqueles mesmos homens que vos odeiam e maltratam. Vós sois a glória do paraíso! Muita honra já teríeis dado aos homens somente permitindo que beijassem os vossos pés. Mas, oh Deus, quem vos levou a este ponto tão humilhante de ser feito joguete da gente mais vil do mundo? Dizei-me, ó meu Jesus, que posso eu fazer para compensar-vos a honra que esses vos roubam com seus opróbrios? Sinto que me respondeis: “Suporta os desprezos por amor de mim, como eu os suportei por ti”. Sim, meu Redentor, quero obedecer-vos. Meu Jesus, desprezado por amor de mim, desejo e contento-me com ser desprezado por amor de vós, tanto quanto vos aprouver.
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