Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 22,15-21)
Naquele tempo, os fariseus fizeram um plano para apanhar Jesus em alguma palavra. Então mandaram os seus discípulos, junto com alguns do partido de Herodes, para dizerem a Jesus: “Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não te deixas influenciar pela opinião dos outros, pois não julgas um homem pelas aparências. Dize-nos, pois, o que pensas: É lícito ou não pagar imposto a César?” Jesus percebeu a maldade deles e disse: “Hipócritas! Por que me preparais uma armadilha? Mostrai-me a moeda do imposto!” Levaram-lhe então a moeda. E Jesus disse: “De quem é a figura e a inscrição desta moeda?” Eles responderam: “De César”. Jesus então lhes disse: “Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
Estamos celebrando o 29.º Domingo do Tempo Comum, em que lemos o Evangelho de São Mateus, capítulo 22, versículos 15 a 21. Temos visto nos últimos domingos Evangelhos de polêmica com os fariseus e os chefes dos judeus. Jesus já entrou em Jerusalém, Ele está em sua última semana de vida neste mundo e quer, de alguma forma, converter aqueles corações. No entanto, os corações se fecham cada vez mais.
No Evangelho deste domingo, os fariseus partem para o ataque e fazem uma armadilha para Jesus: querem que Jesus faça uma afirmação polêmica, para que seja condenado. Mas em que consiste essa afirmação polêmica?
Sabemos que, na época de Jesus, o poder do Império Romano havia invadido a terra de Israel; portanto, o povo de Deus, no Antigo Testamento, estava politicamente submisso a uma potência estrangeira. E, obviamente, os judeus queriam, de alguma forma, libertar-se daquele jugo e daquela escravidão.
Aliás, essa é uma situação que, já desde o ano 700 antes de Cristo, vinha se repetindo continuamente. Primeiro vieram os assírios, depois os babilônios, depois os gregos e, finalmente, os romanos. Nesse contexto, em que vários impérios se sucediam para escravizar o povo de Deus, os judeus tinham ainda a esperança de se libertar.
Ora, uma das coisas de que o Império Romano mais necessitava para manter o poder e o controle na região, era a coletoria de impostos. Havia para isso os publicanos, que colaboravam com a manutenção do poder e do domínio do Império Romano, coletando os impostos. Por isso, eles eram tão mal vistos pela comunidade judaica.
É nesse ambiente que os judeus fazem a pergunta a Jesus: “É justo ou não pagar imposto a César?”, o tipo de armadilha que parece sem saída. O próprio Jesus o diz: “Hipócritas! Por que me preparais uma armadilha?” Eles fazem uma armadilha a respeito do imposto, e a fazem inclusive elogiando falsamente Jesus: “Mestre, sabemos que és verdadeiro e que, de fato, ensinas o caminho de Deus. Não te deixas influenciar pela opinião dos outros, pois não julgas o homem pelas aparências”. São todos elogios falsos, porque, na verdade, os fariseus e os partidários de Herodes estão querendo matar Jesus.
Jesus está, pois, diante de um drama: se Ele disser que se deve pagar imposto a César, irá desagradar todo o povo de Deus e estará justificando a opressão romana; se Ele disser que não se deve pagar — é a resposta que os fariseus e os chefes partidários de Herodes desejam —, irá se comprometer com os romanos, que irão condená-lo à morte por revolta. Como sair dessa? Jesus, então, diz uma frase extraordinária, com a qual Ele mudou a história de toda civilização: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Com isso, Jesus está dizendo: “A César nós devemos dar uma obediência temporal muito limitada”. Por quê? Não é por ser um poder constituído que ele está acima de Deus. Nós devemos dar a Deus a obediência das leis divinas, mas se, por acaso, César mandar algo contrário à Lei de Deus, é evidente que precisamos obedecer a Deus, e não a César.
Mais tarde, São Pedro, em Atos dos Apóstolos, no capítulo 5, versículo 29, irá dizer o mesmo aos fariseus: “Convém antes obedecer a Deus do que aos homens”. É o mesmo ensinamento. A obediência a Deus é absoluta; a obediência aos homens, condicionada.
Assim, Jesus pôs abaixo o Império Romano e fundou a liberdade política, que atravessará os séculos. Até então, como as pessoas pensavam? “Se fazemos parte de uma organização política, precisamos obedecer à autoridade política”. Jesus, pelo contrário, está absolutizando a obediência a Deus e relativizando a obediência à autoridade civil. Jesus está, para usar uma linguagem moderna, iniciando o que chamamos de “desobediência civil”. Sim, precisamos e devemos obedecer às autoridades políticas, mas a obediência a Deus é anterior, prioritária. Portanto, estamos diante de um drama histórico.
Jesus está pondo abaixo o Império Romano, porque estava fundado numa ideologia idolátrica. Ora, como os imperadores romanos se mantinham no poder? Chegavam a um país e invadiam-no; se o país tinha um deus, uma religião, eles pegavam o ídolo, levavam-no para Roma e colocavam-no dentro de um templo chamado Panteão, onde todos os povos da terra podiam adorar seus próprios deuses. Desse modo, Roma tornou-se a “cidade sagrada” para os povos conquistados.
Mas não era somente isso: também os imperadores exigiam que todos os povos oferecessem um sacrifício, adorando o imperador como divino. Ora, Jesus diz: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, ou seja, a adoração, o culto, o respeito incondicional, a obediência absoluta, tudo isso pertence a Deus, e não a César. Portanto, nós devemos a César que ele seja honrado, mas não adorado; que ele seja respeitado, mas não obedecido incondicionalmente.
Que espaço maravilhoso de liberdade Jesus está constituindo! Jesus está dizendo que nós somos livres interiormente. Não somos escravos de um poder constituído. Este, para ser verdadeiro poder constituído, precisa antes obedecer a Deus. Também César precisa estar submisso a Deus.
No correr dos séculos, gerações inteiras de cristãos estiveram dispostas a se entregar ao martírio. Por que nós tivemos, durante os três primeiros séculos do cristianismo, numerosos mártires? Por que os cristãos eram entregues aos leões nas arenas? Porque eles davam “a César o que era de César e a Deus o que era de Deus”, ou seja, recusavam-se a oferecer incenso em sacrifício a César; preferiam morrer dando a Deus o que é de Deus.
Isso, que parece uma coisa muito distante, um drama vivido dois mil anos atrás, renova-se a cada geração cristã. O que nós vemos, por exemplo, no mundo atual, em pleno século XXI, é a mesma realidade, mas em temas variados.
Um dos temas mais candentes e polêmicos dos últimos tempos é, por exemplo, a ideologia de gênero. A ONU está promovendo no mundo inteiro esse novo “direito” de escolhermos que sexo vamos ter, mesmo se ainda formos uma criança de quatro ou cinco anos de idade, que mal entrou em idade escolar.
Ora, ninguém dá a uma criança carteira de motorista. Se ela cometer um erro, não vai para a cadeia. Por quê? Porque todos sabemos perfeitamente que tal criança não está na idade da razão nem pode ser responsabilizada pelos seus atos.
Pois bem, a ideologia agora é dizer que essa criança, que não tem condições de escolher nada na vida, pode escolher sua “preferência sexual”. Isso é um absurdo, um contrassenso! Mas quem disser a obviedade de que eles estão erotizando precocemente as crianças, violando assim a pureza da infância, esse é um tremendo “preconceituoso”.
Estamos assistindo a uma crescente onda de intolerância para com o cristianismo e para com os valores cristãos. Por quê? Porque nós, cristãos, somos os únicos a se levantarem para combater tamanha loucura, embora a ONU considere isso uma coisa maravilhosa.
Nós estamos aqui diante de uma nova ideologia, de um novo império, de um César que mais uma vez se ergue para se colocar no lugar de Deus. Essa é a mais crua realidade. Se nós estamos enxergando que, hoje, o governo mundial e as ideologias da moda estão pedindo aos cristãos uma obediência maior a eles e às suas pautas do que a Deus, a pergunta que fica é: — Não vamos enxergar que o que Deus espera de nós é o martírio?
Sim, porque a consequência última do Evangelho deste domingo é exatamente essa.
Como vemos na Primeira Leitura, só existe um Deus, ao qual devemos obediência absoluta (cf. Is 45, 5); portanto, “convém antes agradar a Deus que aos homens” e, assim, ser digno do elogio que os fariseus dirigiram falsamente a Jesus. Eles foram falsos e hipócritas, mas as palavras eram verdadeiras: Jesus, de fato, é verdadeiro; de fato, só ensina os caminhos de Deus. Eles o dizem com falsidade no coração; mas, sem se darem conta, estão dizendo a verdade: “Não te deixas influenciar pela opinião dos outros, pois não julgas um homem pelas aparências”. Jesus não está preocupado em agradar aos homens pelas aparências, Ele está preocupado em agradar a Deus.
É assim que todo cristão deve ser. Que nós sejamos dignos desse elogio, que sejamos pessoas verdadeiras, que só seguem o caminho de Deus, mesmo que isso nos leve ao martírio. Por isso, o que precisamos pedir a Deus neste domingo é a graça — sim, a graça — de que Ele nos dê força para corresponder ao seu amor e à sua fidelidade.
Deus é fiel para conosco. Ele nos ama, Ele morreu na Cruz por nós para nos dar a felicidade do Céu. Precisamos agora ser fiéis a Ele e dar a Deus o que é de Deus: não adorar ídolos e poderes humanos nem nos preocuparmos com a própria imagem, pois “convém antes agradar a Deus que aos homens”.
Mesmo que sejamos vaiados, achincalhados, deixados de lado, boicotados… mesmo que tenhamos de derramar o nosso sangue, precisamos dar a Deus o que é de Deus.
“Mas, padre, não tenho força para isso”. É verdade, nenhum de nós tem. Mas podemos, neste domingo, pedir a Deus essa graça da fidelidade, de quem está disposto a agradar a Deus sempre e em todas as coisas. É uma fidelidade que não está em nós; mas que precisa nascer e crescer a partir da graça, que é dom da bondade de Deus.
Ninguém, pelas próprias capacidades, consegue enfrentar o martírio. Ou Deus nos dá essa graça, ou iremos traí-lo no momento da provação. Se nós pedirmos a Deus humildemente um coração amoroso, um coração que verdadeiramente o ame e lhe seja fiel, receberemos essa graça.
Por isso, diante dessas novas ondas de ideologia que se levantam contra a vida, contra a família, contra os valores da civilização cristã e, sobretudo, contra a vontade de Deus, saibamos pedir a Nosso Senhor:
Senhor, o mundo se revolta e quer que eu seja infiel a Vós para agradar aos homens; mas eu, Senhor, que não sou capaz de nada, que não tenho força, eu vos peço, suplico, imploro: dai-me, Senhor, a graça de ser fiel. Dai-me, Senhor, a graça da fidelidade, porque sem a vossa bondade, eu nada sou e nada posso. Senhor, o vosso Evangelho deste domingo diz ‘Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus’, e eu ouso dizer: Dai-me, Senhor, a mim o que é meu; dai-me a graça de ser fiel. Sim, Senhor, dai-me também a mim o que é meu, para que eu possa dar a Vós o que é vosso.
É o que diz Santo Agostinho: Da quod iubes et iube quod vis, “Senhor, dai-me aquilo que pedis de mim, e pedi o que quiserdes”. Pedi, Senhor, o que quiserdes, desde que, por vossa compaixão e misericórdia, tenhais a bondade de conceder-me o necessário para cumprir a vossa vontade.
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