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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 17,1-9)

Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz. Nisto apareceram-lhes Moisés e Elias, conversando com Jesus. Então Pedro tomou a palavra e disse: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias”. Pedro ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!” Quando ouviram isto, os discípulos ficaram muito assustados e caíram com o rosto em terra. Jesus se aproximou, tocou neles e disse: “Levantai-vos, e não tenhais medo”. Os discípulos ergueram os olhos e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus. Quando desciam da montanha, Jesus ordenou-lhes: “Não conteis a ninguém esta visão até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”.


Este domingo, 6 de agosto, é especialíssimo, pois a Igreja interrompe o ciclo de domingos do Tempo Comum para celebrar a Festa da Transfiguração do Senhor. Nem sempre temos essa Festa num domingo; de modo que é raro podermos refletir a respeito do mistério da Transfiguração. Há poucos dias, também celebramos a Memória de São João Maria Vianney, Padroeiro dos párocos e, de maneira especial, aqui no Brasil, celebramos o Dia do Padre, dia em que festejamos a vocação sacerdotal.

Nesse contexto, vamos meditar sobre o mistério da Transfiguração sob a chave de leitura da vocação sacerdotal. Aqui, é interessante notar que os únicos admitidos por Jesus no momento da manifestação da sua glória, a Transfiguração, foram justamente três futuros sacerdotes, Pedro, Tiago e João.

Mas, antes de comentar o Evangelho e o mistério da Transfiguração, vamos colocar uma nota de rodapé para os estudiosos da Bíblia e de teologia, principalmente os que são padres. Existe hoje uma moda exegética de considerar o episódio da Transfiguração uma “invenção”, como se ele nunca tivesse acontecido historicamente.

Por quê isso? Porque as pessoas acham que esse acontecimento “diminui” a Kenosis (o esvaziamento) de Jesus, isto é, o mistério de que ele, Deus glorioso no Céu, “se esvaziou a si mesmo, assumindo a forma de servo, obediente até a morte, e morte na Cruz” (Fl 2, 7-8). Há uma tendência a se dizer que isso não corresponde ao “Jesus histórico”. Mas devo dizer a vocês desde o início: creio que o episódio da Transfiguração aconteceu historicamente tal qual é narrado nas Sagradas Escrituras.

Não vejo de que modo ele “diminui” o fato de Jesus ser igual a nós em tudo. Aliás, a Igreja crê nisso. Não se trata apenas da opinião pessoal do Padre Paulo Ricardo. É doutrina do Magistério pontifício — por exemplo, na Encíclica “Mystici Corporis”, do Papa Pio XII — e consta nos ensinamentos de inúmeros santos.

Esse é um fio condutor que perpassa a espiritualidade católica. A Igreja crê verdadeiramente que Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem, veio ao mundo para nos amar de forma concreta e pessoal. Jesus não amou somente a mim, Padre Paulo Ricardo, nem nos amou a todos, de forma coletiva, difusa e universal. Jesus nos amou de forma particular.

Se consultarmos os escritos dos santos e vários documentos do Magistério, iremos encontrar a convicção bimilenar de que Jesus — o Jesus histórico, homem igual a nós em tudo — recebeu de Deus a capacidade sobre-humana de amar cada um dos seres humanos individualmente. Jesus, do ventre de Maria até a Ascensão aos céus, pensou em mim; portanto, em cada episódio do Evangelho (por exemplo, quando Jesus contou a parábola do tesouro escondido, lida no domingo passado), Jesus estava pensando em mim.

Mas como é possível que um ser humano faça isso? Isso é possível porque, no núcleo da alma de Jesus, havia algo da glória de Deus que lhe dava o dom especialíssimo de poder nos amar. Isso em nada afetava o fato de que Ele, exatamente imbuído dessa capacidade extraordinária, sofreu no mundo como ninguém mais seria capaz de sofrer. Ele realmente viveu todas as consequências, dolorosas e trágicas, do pecado na sua morte, morte de servo obediente até a Cruz. As duas realidades precisam ser afirmadas ao mesmo tempo, o amor e o sofrimento tremendo de Nosso Senhor, mas um tal amor à humanidade, que Jesus, há dois mil anos, na sua vida histórica, pensava em cada um de nós individualmente o tempo todo, porque, no núcleo de sua alma, lhe estávamos sempre presentes.

A explicação teológica disso é que Jesus, no núcleo de sua alma, gozava da visão beatífica. Isso é a explicação teológica, que não convém detalhar agora. O fato é que a fé da Igreja crê nisto: Jesus tinha a capacidade, que lhe foi dada por Deus. Há algo glorioso no núcleo de Nosso Senhor Jesus Cristo, na intimidade do seu Coração, de tal forma que, quando pecamos hoje, Jesus, na sua Paixão viu esse pecado e sofreu por ele; da mesma forma, quando nos convertemos, fazemos uma visita ao sacrário ou realizamos um ato de virtude, Jesus, dois mil anos atrás, viu esse ato de virtude e recebeu a nossa consolação.

Essa é a fé da Igreja quando, por exemplo, se fala de reparação ao Sagrado Coração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ora, reparar o quê? Como as nossas ofensas, hoje, podem ter ofendido Jesus séculos atrás? Só há um jeito: que Ele nos estivesse vendo hoje. Por isso, podemos reparar nossas faltas e consolá-lo; Ele nos via. Não é possível que isso esteja acontecendo no Céu, porque, no Céu, Jesus não pode mais ser sujeito de sofrimento; no Céu, Jesus já não sofre.

Então, como podemos dizer que o nosso pecado fez Jesus sofrer? A Igreja sempre acreditou que o Jesus histórico, homem igual a nós em tudo, unido, porém, à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, tinha a missão especialíssima e sobre-humana de amar toda a humanidade até o fim, até as últimas consequências.

Ora, dessa forma, não é absolutamente problemático que Jesus, que viveu em forma de servo, no esvaziamento, na forma kenótica de servo humilde, em algum momento, exatamente para corroborar a fé dos Apóstolos, seus futuros sacerdotes, faça resplandecer a sua face gloriosa e mostre algo de sua glória íntima para que a fé pudesse surgir.

Estamos no capítulo 17 do evangelho de São Mateus. Trata-se de Mt 17,1-9. O que aconteceu no capítulo anterior? No capítulo 16, vimos a profissão de fé de Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus Vivo”. Essa fé de Pedro foi uma graça, uma iluminação que Deus Pai realizou no coração daquele futuro sacerdote, o primeiro Papa da Igreja. Para quê? Para que ele, professando a fé, se preparasse para viver a tragédia do Calvário.

Ora, acontece que, logo em seguida, Jesus diz que irá morrer na Cruz, e São Pedro se escandaliza. Jesus, diante do Pedro escandalizado, faz ao Apóstolo uma dura advertência, que poderíamos expressar do seguinte modo: “Pedro, tu te escandalizaste, mas não sejas pedra de escândalo para mim. Sai do meio do caminho, deixa-me passar. Vai para trás, Satanás! Tu, neste momento, não estás pensando como Deus te inspiraste. Segundos atrás, tu pensaste iluminado pelo Pai; agora, porém, não estás iluminado por Ele”.

Pois bem, Jesus sabia que a fé deles precisava ser corroborada. Não estavam prontos para o ver desfigurado no Horto das Oliveiras. Então, para que os seus sacerdotes — lembremos que, no Horto das Oliveiras, Jesus se lhes apresenta desfigurado e a suar sangue, e Pedro, Tiago e João já tinham sido sacerdotes ordenados — estivessem prontos para assistir ao drama de Cristo desfigurado no Horto das Oliveiras, Ele os levou primeiro, como três seminaristas que ainda não eram sacerdotes ordenados, ao Monte Tabor e, como a seus amigos, lhes revelou essa luz interior de forma tal que a experiência dela os pudesse iluminar e lhes corroborar a fé quando, mais tarde, fossem sacerdotes.

Jesus se manifesta gloriosamente; Moisés e Elias dialogam com Ele a respeito da Paixão; e, ao fazer isso, os três Apóstolos, Pedro, Tiago e João, recebem a capacidade de ver o que Jesus acabara de prever, ou seja, sua morte na Cruz em Jerusalém. Não será, digamos assim, uma fatalidade imprevista nem um acidente de percurso, mas um acontecimento previsto pelas Sagradas Escrituras, um mistério que Moisés e Elias, ou seja, a Torá e os Profetas já continham, um segredo escondido por Deus que agora se revela diante dos Apóstolos.

Portanto, a Transfiguração é, para os Apóstolos, uma luz que Jesus lhes quer dar, para que vejam a luminosidade da Paixão e da Cruz. Os acontecimentos do Calvário são apresentados sob um prisma glorioso, que eles não serão capazes de enxergar de forma tão explícita e clara na Paixão, quando tudo estará obscuro e escondido. Porém, apesar de todo o sofrimento, verdadeiro e real, de Cristo, havia algo de secreto no íntimo de sua alma: o viver sempre em íntima comunhão com o Pai e o sofrer por amor a cada um de nós.

Se Jesus morreu na Cruz aos brados: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?”, foi por causa das dores psíquicas que Ele viveu na Paixão, não por causa do que Ele vivia no núcleo da alma. A dor de abandono e o sentimento de desamparo na Cruz não poderiam ser mais radicais nem mais terríveis e verdadeiros; ao mesmo tempo, porém, no íntimo de sua alma, Cristo estava intimamente unido ao Pai.

Que coisa maravilhosa e extraordinária! Jesus leva os Apóstolos ao Monte Tabor, a fim de os preparar para terem fé. Desses três Apóstolos eleitos, Pedro, Tiago e João, somente este último irá — digamos assim — passar no teste. Por quê? Porque João permanece e acompanha Jesus até o Calvário. Ele soube verdadeiramente aproveitar a teofania, a manifestação de Deus no Monte Tabor pela Transfiguração.

Por quê? Porque a finalidade última de Jesus mostrar toda a sua glória, até então escondida, no Monte Tabor, é a mensagem final da voz do Pai, que diz: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo meu agrado. Escutai-o!” (Mt 17, 5). É como se o Pai dissesse: “Jesus é o meu amado, e quando vós, Apóstolos, o virdes abandonado, escorraçado, aparentemente abandonado por mim, não duvideis do que vos estou a dizer: Ele é o meu Filho amado, no qual pus todo o meu agrado. Ele é o meu Filho amado, mesmo que a Cruz pareça dizer o contrário. Agora, do que mais precisais para terdes fé é escutá-lo?”.

Eis aqui, realmente, a missão principal de um sacerdote. O sacerdócio é o ministério daqueles que, pela meditação da Palavra de Deus diante de Cristo, não já transfigurado no Tabor mas escondido no sacrário, escutam a Deus e experimentam a luz sobrenatural de Cristo, tendo suas almas iluminadas de tal modo que possam, a partir das verdades contempladas na vida de oração, conduzir as pessoas para Deus e ser verdadeiramente apóstolos de Cristo.

Mas esse apostolado, fundamentado no estar com Cristo no Tabor — isto é, no sacrário, na meditação, no escutar a Palavra de Deus — não está completo, se não houver um estar com Cristo no Calvário — nos sofrimentos cotidianos, seja do próprio ministério, seja das cruzes que Deus permite na vida de cada um. Por isso, todo sacerdote precisa ser vítima!

Nesta festa da Transfiguração, celebramos também, aqui no Brasil, o Dia do Padre. Lamentavelmente, no Brasil, existe certa moda teológica — que, apesar de ser apresentada como “teologia latino-americana”, não passa de teologia protestante alemã — de dizer que o padre não é sacerdote, porque, segundo essas visão, a palavra “sacerdote” e a função sacerdotal denotam poder, o que criaria uma “desigualdade” no povo de Deus; nesse sentido, o padre nada mais seria do que um servidor do povo. Ora, o padre é servidor do povo, sim, mas não há dúvida de que o padre é também sacerdote.

Como aconteceu isso na Igreja Católica? Por que agora, depois do Concílio Vaticano II, todo o mundo segue a moda de dizer que o padre não é sacerdote. Porque, antes do Concílio, já havia um problema. Os males da Igreja não nasceram com o Concílio Vaticano II, mas vinham sendo gerados desde muitos séculos antes. Aliás, se quisermos traçar uma linha, iremos encontrar a origem da crise inclusive na Idade Média.

Sem ir tão longe, vemos, já antes do Concílio, que os padres começaram a deixar de ser vítimas. Ora, um sacerdote católico precisa ser sacerdote como Cristo é sacerdote. E como Cristo é sacerdote? Ele é sacerdote e vítima.

Os padres, ao longo dos séculos, usaram batina preta, mas não a usavam porque a roupa era elegante e eles, vaidosos, quisessem apresentar-se — com o perdão da expressão — como “dondocas bem vestidas”. Nada disso! A batina preta é a mortalha de um homem que se ofereceu em sacrifício. Um sacerdote não é um homem, é o sacrifício de um homem. Embora antes do Concílio se via um pouco a tendência de o padre ser sacerdote e se apresentar como sacerdote; nunca se recordava o quanto o sacerdote precisava ser vítima, ou seja, precisava entregar-se como Cristo se entregou.

É mais ou menos isso que acontece nas famílias. Estamos em agosto, mês das vocações no Brasil; na próxima semana, vamos celebrar o Dia dos Pais, um dos esteios da família. Ora, o que se lê na Bíblia? “Mulheres, sede submissas aos vossos maridos” (Ef 5, 22); porém, hoje ninguém quer que o homem seja o chefe da família, porque seria uma “opressão”. Isso é esquecer que Jesus, quando falou por meio do Apóstolo São Paulo: “Mulheres, sede submissas aos vossos maridos”, também disse: “Maridos, amai vossas esposas como Cristo amou a Igreja”  (Ef 5, 25). Como Cristo amou a Igreja? Amou-a como vítima, imolando-se em holocausto e derramando o Sangue para salvar sua Esposa.

É evidente que um pai de família tem direito de se apresentar como chefe da casa se estiver derramando o sangue por ela; mas, se ele não passar de um crápula, é evidente que ninguém irá submeter-se a tal calhorda.

Assim também com o sacerdote. Ora, eu não vejo dificuldade alguma em uma comunidade cristã se submeter ao poder de um sacerdote, se o enxergar, como outro São João Maria Vianney, derramando seu sangue pela salvação das almas.

João Maria Vianney, antes de converter sua paróquia, ofereceu-se como vítima por meio de penitências e sacrifícios. Quando os paroquianos começaram a receber os frutos espirituais, ou seja, as graças que brotavam do amor daquele santo sacerdote que se oferecia como vítima, as conversões começaram. Não por técnicas de oratória, porque Vianney não era um grande orador, nem por técnicas pastorais, porque Vianney não era um grande organizador pastoral, mas por uma simples coisa: Vianney foi um sacerdote que amou os seus até o fim, como vítima imolada no altar. Quando oferecia o sacrifício de Cristo no altar, ele se oferecia junto. É isso que se espera de um sacerdote.

Jesus, na Festa da Transfiguração, sobe o Tabor porque espera que, um dia, seus sacerdotes subam o próprio calvário. É na experiência da fé, na meditação da Palavra de Deus, no conhecimento de Cristo pela oração, nas visitas ao sacrário, que vamos nos preparando para a nossa grande tarefa e missão: subir o Calvário com Cristo e oferecer-nos em sacrifício pelo povo de Deus.

Rezemos, pois, pelos nossos sacerdotes, para que, nesta Festa da Transfiguração, cada um deles receba a graça de configurar-se a Cristo, sacerdote e vítima.

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