No Evangelho de hoje, vemos Jesus instruindo seus discípulos e as multidões a respeito da controvérsia que Ele teve com os doutores da Lei e os fariseus.
É importante notar aqui, como diz Santo Tomás de Aquino, ao comentar esse episódio, que o propósito das polêmicas de Nosso Senhor era permitir a instrução e ensino dos seus discípulos.
Jesus, então, polemizou com esses chefes dos judeus e, após silenciá-los com suas respostas admiráveis, voltou-se para seus seguidores e para o povo, passando a mostrar os erros e contradições daqueles homens.
São Tomás acrescenta a observação de que Jesus explicou apenas aos discípulos e ao povo porque os fariseus eram “incorrigíveis”! Quer dizer, Jesus via nos fariseus e doutores pessoas muito difíceis de corrigir. Mas por que eles eram incorrigíveis? Novamente, Santo Tomás nos explica: por causa da vaidade.
Uma pessoa vaidosa está sempre preocupada com o que estão pensando dela, e não com o que ela é de verdade. O vaidoso considera apenas a aparência, quer aquilo que agrada aos homens e não o que agrada a Deus.
No Evangelho de São Mateus, Jesus descreve a vaidade dos fariseus e dos doutores da Lei, de forma muito clara: aqueles homens usam vestes sagradas, largas faixas, com franjas e inscrições das Escrituras. Essas roupas foram instituídas por Deus no Antigo Testamento (Ex 39: 1-31 e Ex 28: 1-43). Foi o próprio Deus quem mandou fazê-las. A vaidade não está no usarem essas vestes. O problema é que esses homens se preocupavam apenas com o exterior, com a aparência, enquanto, por dentro, estavam apodrecidos. Eles tinham um ensino exterior correto, diziam as palavras certas, mas não viviam o que diziam. E por que eram assim? Como acabaram tão tristemente nessa atitude hipócrita? A hipocrisia (‘ὑποκριτής [hypokritḗs]’, em grego, quer dizer ‘personagem’) é uma máscara. O hipócrita, em outras palavras, é uma farsa, um simulacro. Ele aparece exteriormente como sendo um, mas, na verdade, é outro por dentro.
Porém, Jesus não está simplesmente condenando alguma medida de incoerência entre o ensino, a pregação e a vida.
Entendamos: qualquer um de nós, se estiver aqui no púlpito, pregando, qualquer um de nós — que não fosse a Virgem Maria e os grandes santos de Jesus Cristo —, qualquer um de nós, pobres pecadores, ao pregar o Evangelho, sentirá um frio na barriga. Imediatamente virá o pensamento: eu estou ensinando algo nobre e maravilhoso, mas eu não vivo tudo isso!”
Uma certa incoerência entre a pregação e a vida vai existir enquanto a pessoa ainda não for santa.
Se para pregar o Evangelho, fosse necessária uma total coerência entre a vida do pregador e aquilo que ele ensina, nós deveríamos fechar todos os canais de evangelização. Não há santos o suficiente para evangelizar desse modo.
Os pregadores não vivem tudo o que ensinam. Mas esse não é o problema! O problema é a vaidade; é não estar atento e preocupado com essa incoerência, mas apenas com as aparências, com o “marketing”, com o que os outros pensam, com parecer um “grande santo”, com agradar aos homens, e não a Deus!
É esse homem, preocupado apenas com o exterior, que o Evangelho de hoje condena.
Mas aquele que sobe ao púlpito e é consciente de sua miséria, consciente de que o ouvido mais próximo de sua boca é o seu, de que o primeiro a ouvir aquele ensino e mudar de vida deve ser ele mesmo, esse é o bom pregador.
Quem ensina preocupado apenas em agradar a Deus não é hipócrita, porque não é vaidoso. Porque é humilde.
A diferença entre o hipócrita e o humilde é imensa!
Pensemos, por exemplo, num defeito muito comum à maioria de nós: a impaciência. Nós todos temos que lutar contra esse vício. A paciência (a verdadeira e virtuosa, e não a mera pusilanimidade de temperamento) só se adquire com um longo trabalho espiritual de transformação, de amor à mansidão, de deixar-se moldar por Deus.
Se vou pregar sobre a paciência e pergunto-me se sou um exemplo dessa virtude, — porque há pessoas, os santos, que realmente não se deixam perturbar diante das dificuldades, que têm o coração manso e humilde, que sofrem diante de uma adversidade, mas com mansidão —, se eu me pergunto com sinceridade, vejo que meu coração ainda não é assim. Posso até segurar as rédeas do cavalo, mas ele esperneia. Recebo uma má notícia, algo dá errado, e lá está o cavalo querendo disparar.
Esse esforço de não reagir, de ficar calado, de segurar o ímpeto impaciente pode ser virtuoso, mas não é ainda a mansidão dos santos. Se minha reação interior ainda é desordenada, eu posso fazer o esforço para conter a ação exterior, mas por duas motivações contrárias: para agradar aos homens ou a Deus.
Imaginemos a seguinte situação: meu superior me pede algo muito difícil, trabalhoso e que me desagrada. Por dentro a minha reação é de raiva e indignação, mas por fora, para lhe agradar, para o lisonjear, eu o trato como um príncipe, com toda a afabilidade e um rosto “simpático”. Eu faço esse teatro de máscaras porque aquilo me é vantajoso e alimenta a minha vaidade, mas o meu coração está cheio de rancor.
Agora, a motivação oposta: eu não concordo, não me agrada e não acho justo o que o superior me pede. Fazer aquilo será custoso, e imediatamente vem, de algum lugar da minha alma, uma raiva, mas, então, eu olho para Jesus crucificado e digo:
“Ó meu Senhor, manso e humilde, não sou capaz de carregar essa cruz. Ajudai-me a ter um coração como o Vosso, por honra de Vossa Santa Cruz e de Vossa obediência. Ajudai-me, Senhor, a segurar as rédeas desse cavalo. Transformai meu coração.”
Vejam que há um abismo de diferença, mas que só se manifesta no coração. Exteriormente, a reação, com as duas motivações contrárias, é quase a mesma: recebo uma ordem, aquilo me perturba e deixa-me furioso; no entanto, eu não deixo essa comoção interior transparecer, mas reajo com cortesia e docilidade.
Mas a pergunta é: por que eu fiz isso? Se foi para agradar aos homens, eu sou um hipócrita, que mascara a vaidade com a aparência da virtude. Se foi para agradar a Deus, estou buscando a santidade. Posso não tê-la alcançado perfeitamente, mas a estou buscando.
No Evangelho de hoje, Jesus diz que nós não podemos ser como os fariseus e como os doutores da Lei. E Santo Tomás de Aquino, ainda comentando essa passagem, esclarece: Por que esses pobres miseráveis, doutores da Lei e fariseus, são incorrigíveis? — É justamente a palavra que Santo Tomás usa: “incorrigibiles”, incorrigíveis. E por quê? Por causa da vaidade. Ou seja, uma pessoa que não está preocupada em agradar a Deus, mas sim aos outros, é incorrigível. E é assim porque, se ela só se preocupa com os homens, — os homens, que só veem aparência exterior—, então ela só muda a embalagem, a aparência, mas não muda o coração e, portanto, não se corrige.
Mas aquele que está preocupado em agradar a Deus, embora a aparência não seja das melhores, tem um coração honesto que diz: “Ó meu Deus, tende piedade de mim. Eu quero mudar!”. E esse é o princípio da correção e da mudança.
Então, o primeiro passo necessário para mudar de vida, é pedir a Deus um coração humilde.
Nosso Senhor não se desagrada, por exemplo, por nós usarmos vestes bonitas e cuidadas na Missa. Alguém que não saiba interpretar as Escrituras pode até dizer: “Olhem só os padres católicos, hipócritas; usam largas filactérias de santidade! Sentam na cátedra para ensinar! São chamados de mestre, de pai, de guia e de pastor! Essa passagem das Escrituras é uma crítica de Jesus aplicável à Igreja Católica!”
Obviamente não é isso. O que Jesus está ensinando é algo mais profundo. Se o problema fosse a roupa, nós a trocaríamos. O problema é que, em vez de usar uma bela casula, uma bonita alva, ricos paramentos, eu posso me mostrar todo esfarrapado, com a roupa remendada, e mesmo assim ser hipócrita, vaidoso, fútil, falso e miserável.
Se a conversão da nossa alma fosse tão simples quanto mudar uma roupa, o mundo estaria salvo. Mas como diz um antigo ditado: “Vulpes pilum mutat, non mores”, — “A raposa muda de pelo, mas não muda os seus costumes”, não muda os seus hábitos, não muda os seus vícios, não muda os seus pecados.
Mudar de pelo é fácil. Difícil é mudar o coração. Usando uma expressão cuiabana, fazer “caras e bocas” é fácil, já o coração…
Nisso está a tragédia da hipocrisia. Jesus resume tudo isso numa frase que está no Evangelho de São João (5, 44): “Como podeis dar glória a Deus, vós que estais preocupados em dar glória uns aos outros?”
Se estamos preocupados em agradar aos homens, somos incorrigíveis. Se queremos agradar ao Senhor, então começamos de fato o nosso caminho de conversão. Agradecemos, pois, a Deus, o Único que vê o nosso coração, o Único que enxerga a nossa alma. Não comecemos a nossa mudança pelo exterior; mas de dentro para fora.
Muitas vezes, o exterior será a última coisa a mudar. Geralmente é assim que acontece quando assumimos, no fundo da nossa alma, uma mudança, uma vontade de ser diferente.
Deus não se comove com teatros. Deus sabe nossas intenções e sonda nossos corações. A ação exterior não é o critério; é a intenção interior: “Quereis agradar a Deus ou aos homens?”
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