Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 6, 7-13)
Naquele tempo, Jesus chamou os doze, e começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros. Recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas. E Jesus disse ainda: “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida. Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!” Então os doze partiram e pregaram que todos se convertessem. Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo.
No Evangelho deste domingo, Jesus chama os Doze, a fim de enviá-los em missão: “E começou a enviá-los dois a dois, dando-lhes poder sobre os espíritos impuros e recomendou-lhes que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado” (Mc 6, 8). Aqui, vemos um dos elementos mais importantes do sacerdócio católico; e é fundamental percebermos o que Nosso Senhor está fazendo, para que possamos entender qual é a real identidade dos nossos sacerdotes.
Primeiramente, temos de definir o que é um sacerdote. Na Igreja Católica, os sacerdotes são os padres e os bispos — diácono não é sacerdote, pois não tem poder para oferecer o sacrifício eucarístico. Ademais, somente os padres e os bispos têm poder para perdoar os pecados, função que não cabe aos diáconos — só quem perdoa pecados é o sacerdote. Quando a Igreja usa o substantivo “sacerdote”, ela está se referindo a padres e bispos.
Assim, padres e bispos herdaram o poder sacerdotal dos Apóstolos de Nosso Senhor. Jesus tinha discípulos — que eram numerosos, pois Ele pregava para uma multidão, mas nem todos criam nele — e, dentre aqueles que tinham fé, que se dispunham a segui-lo, Cristo escolheu Doze. Com esse ato de escolha, Ele criou no seio da Igreja duas categorias de pessoas: os fiéis leigos e os sacerdotes ordenados.
Nesse ponto, porém, há uma controvérsia com os protestantes. E isso porque eles acreditam que todos são iguais. Nas igrejas protestantes, um pastor não tem nada mais que os outros membros da comunidade; ele é simplesmente um batizado que foi contratado pela comunidade para servir. Assim, se um pastor, suponhamos, recebe de Deus uma graça de pregar ou de fazer milagres, isso pode ser entregue a qualquer leigo, qualquer pessoa. Desse modo, não há diferença substancial entre um pastor e um leigo nas igrejas evangélicas, a não ser o fato de que o pastor é contratado.
No entanto, nós católicos cremos em algo diferente: cremos que Nosso Senhor Jesus Cristo escolheu Doze, constituindo-os seus Apóstolos e entregando-lhes um poder singular, que não foi distribuído a todos os discípulos. E esse poder, mais tarde, ficará cada vez mais nítido quando Jesus, após a Ressurreição, disser, soprando sobre os Apóstolos: “Recebei o Espírito Santo, aqueles a quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados” (Jo 20, 22). Quando Ele reúne esses Doze — somente estes Doze e ninguém mais — para a Última Ceia, institui a Eucaristia e o Sacerdócio, dizendo: “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22, 19). Nesse momento, Nosso Senhor concede-lhes o poder de celebrar a Santa Missa.
Desse modo, mais tarde, os Apóstolos impõem as mãos sobre os seus sucessores. Daí vem essa extraordinária corrente de dois mil anos, de sucessores dos Apóstolos — que são os bispos, de forma mais própria — e dos seus colaboradores — que são os padres. Porém, tanto bispos quanto padres são sacerdotes.
Muito bem, uma vez explicado isso, vem a parte principal da mensagem deste domingo. Cristo não só deu poder aos Apóstolos, mas também incumbiu-os de um estilo de vida: Jesus chamou-os a viver a renúncia.
Assim, Ele não somente deu o poder de celebrar a Eucaristia e de perdoar os pecados; mas também disse: “Quem deixar pai e mãe, casas e campos, mulher e filhos, por amor ao Reino dos Céus, irá receber muito mais”. Então, São Pedro — um daqueles que fizeram isso alegremente — disse: “Senhor, nós deixamos tudo e te seguimos” (Mt 19, 27). E, de fato, basta olharmos para a vida de São Pedro para ver essa renúncia: ele era casado, mas deixou sua mulher — certamente com o consentimento dela, porque Jesus não iria querer uma injustiça. Ele deixou tudo, inclusive seu pequeno empreendimento de pesca, a fim de seguir a Jesus.
Mais tarde, vemos nos Atos dos Apóstolos São Pedro caminhando pela Palestina, a pregar o Evangelho. Nós não lemos, por exemplo, que ele veio com os dromedários carregando a sua mudança. Não, pois ele deixou tudo para trás. É isso que Nosso Senhor disse ao pedir que “não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado” (Mc 6, 8). E esse pedido foi seguido à risca pelos Apóstolos.
Assim, é fundamental entendermos que há duas características que criam um abismo entre o sacerdote católico e o pastor protestante. Ora, o que fazem os pastores protestantes? Eles são pregadores, animadores e organizadores de comunidade — contratados para servir o povo. Em contrapartida, o sacerdote católico, antes de tudo, não é um servo do povo, senão um servo de Deus. E por ser servo de Deus, é servo do povo. Deus está em primeiro lugar. E isso porque o padre é chamado a cultivar uma vida diferente.
Desse modo, ao mesmo tempo em que ele recebe o poder de celebrar a Eucaristia e também de perdoar os pecados, o sacerdote católico é chamado a ter uma vida diferenciada daquela dos leigos. Afinal, para quem Nosso Senhor estava falando sobre a necessidade de deixar pai e mãe, mulher e filhos, casas e campos? Ora, sabemos que não era para todos. Aqui, Cristo está instituindo um estilo de vida, que é justamente o estilo de vida dos Apóstolos. E, ao ler os Atos dos Apóstolos, temos acesso a esse estilo de vida.
Contudo, agora vem o problema: por influência protestante — e também por mundanismo —, os nossos nobres padres católicos passaram a deixar o estilo de vida de Cristo. Assim, de repente, passamos a ter, no seio da Igreja Católica, sacerdotes que não creem mais naquilo que eles são. Eles não têm culpa; não estamos aqui incriminando quem quer que seja.
Eu fui vítima dessa situação, no meu tempo de seminarista — não que eu tenha sido uma má pessoa. Mas é possível observar na internet alguns leigos, de dedo em riste, acusando e caluniando os padres católicos. É claro que essa é uma atitude inadequada. Isso porque esses padres, muitos deles, simplesmente repetem aquilo que lhes foi ensinado — o que não significa necessariamente que eles são pessoas más.
Mas a busca da verdade pode nos transformar. E o que isso significa? Ora, nós devemos nos aproximar da vida dos santos, a fim de conhecer o que, de fato, é o Magistério da Igreja de dois mil anos. Assim, passamos a ver o que a Igreja espera da pessoa do sacerdote e qual deve ser o estilo de vida sacerdotal.
Não basta o padre se vestir como tal e observar tudo que cabe à vida sacerdotal se ele não estiver preparado para ser sacerdote e vítima. Essa é a palavra central do Evangelho deste domingo: vítima. Os padres não são apenas sacerdotes que detêm um poder, mas também devem ser vítimas — só desse modo podem se unir à Cruz de Cristo.
E por que é assim? Porque Nosso Senhor, na Cruz, foi, ao mesmo tempo, vítima e sacerdote. Assim, o sacerdote católico tem de imitar a Cristo. O sacerdote, mesmo recebendo um poder, é vítima porque tem um estilo de vida de renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz dia após dia e se oferecer a Deus. E isso não só como exemplo para os fiéis, mas também com a consciência de que seu oferecimento de padre completa na sua carne aquilo que falta para o seu sofrimento de Cristo na Cruz, como diz São Paulo (1 Col 1, 24).
Assim, aqui no capítulo 6 do Evangelho de São Marcos, Jesus acabou de escolher os Doze, mas desde o início nós já podemos perceber a presença destes dois elementos: poder e renúncia. Naquele momento, o sacerdócio católico ainda não tinha sido instituído, ainda não tinha ocorrido a Última Ceia, Nosso Senhor ainda não tinha se oferecido na Cruz, nem ressuscitado, subido aos céus e enviado o Espírito Santo. Os elementos da vida de fé ainda eram bastante incipientes, mas já é possível ver, naquela sementinha lançada por Jesus, a árvore que virá.
É notório que, além de dar poder, Nosso Senhor pede a todo sacerdote católico que seja seguidor do estilo de vida dos Apóstolos. E o que está acontecendo na Igreja Católica hoje? Infelizmente, há uma ideologia — advinda do protestantismo — de que o padre tem de ser igual a todo mundo; tem de se vestir igual às pessoas comuns.
Há, inclusive, todo um movimento dentro da própria Igreja defendendo que a solução para os problemas vocacionais da Igreja Católica seja a ordenação de homens casados. Mas qual problema vocacional? O de termos funcionários contratados para trabalhar como “servidores públicos” da comunidade? Desse modo, nós teremos de abrir concurso e contratar essas pessoas? Ou será que estamos falando de uma coisa diversa? Será que não está faltando gente que, assim como os Apóstolos, saiba renunciar à própria vida para entregar-se como sacerdote e vítima?
Ora, é fácil perceber que, se o problema vocacional é precisamente que faltam pessoas dispostas a viver a vida dos Apóstolos, não será o casamento que resolverá isso; pelo contrário: a situação pode ficar ainda pior, com uma vida muito mais frouxa. Ademais, com isso vamos criar um cabide de emprego. E isso é, aliás, o que acontece nas igrejas protestantes, onde o pastor, que tem mulher e filhos, pensa, em primeiro lugar, em suprir as necessidades materiais de sua casa. Em contrapartida, o padre celibatário tem plenas condições de levar uma vida mais despojada.
Contudo, não é “protestantizando” ainda mais a Igreja que nós vamos resolver os problemas vocacionais. Ou seja: o vírus entrou, o paciente está doente, e nós faremos o quê? Aplicaremos mais vírus? Essa cura homeopática não vai funcionar. Homeopatia quer dizer combater o mal com o próprio mal; isso não vai funcionar na Igreja. A verdade é que o sacerdócio católico sempre foi um escândalo àqueles que não têm fé. Ao longo desses dois mil anos de história, aqueles que têm mentalidade mundana jamais acreditaram que os padres fossem capazes de ser fiéis à castidade.
Ninguém jamais acreditou que eles fossem despojados a ponto de viver em estado de pobreza; ninguém jamais acreditou que os sacerdotes fossem humildes e não quisessem fama. Quem não tem fé continuará a escarnecer e a maldizer do sacerdócio católico. Porém, o problema é este: não é que o mundo não crê no sacerdócio católico, mas sim que nem os próprios padres creem naquilo que eles são.
Durante uma visita à África — mais precisamente ao Gabão —, o Papa João Paulo II disse em uma homilia aos padres que a primeira missão do sacerdote é crer no seu mistério. O padre tem de crer no que ele é; tem de crer que, de joelhos, oferecendo-se em sacrifício, rezando, jejuando, renunciando à família, está fazendo um sacrifício fecundo. E isso porque, se o grão de trigo não morrer, ele permanece sozinho; mas se ele morrer, dará muitos frutos. É isso que, de fato, fecunda a Igreja. E se nós não estamos tendo filhos suficientes para abraçar o sacerdócio, é porque estão fazendo vasectomia espiritual nos padres.
E o que é vasectomia espiritual nos padres? Se o grão de trigo não morrer, ele permanecerá sozinho. Aqui está o problema. Se os sacerdotes não estão se entregando por amor, não haverá quem os siga. As pessoas poderão fazer quantos estudos quiserem, a fim de responder ao porquê de haver padres que cometem suicídio, têm sindrome de “burnout”, têm depressão, têm problemas sacerdotais.
O fato é que havia um estilo, um modo de vida de ser padre que funcionava havia dois mil anos; mas agora inventaram um novo estilo que não funciona. E, ademais, as pessoas não aprendem a lição e querem mais do mesmo. O veneno está a matar o paciente; e nós, mesmo assim, decidimos aplicar uma dose extra. Desse jeito, vão terminar jogando uma pá de cal sobre o sacerdócio católico.
Não falamos aqui com o propósito de causar revolta contra os padres em nossos alunos e seguidores. Pregamos com o coração cheio de amor, como quem também bebeu do veneno, ficou doente, mas agora já está melhor. Ainda não somos santos; mas, claro, gostaríamos de o ser e convidamos todos a ser santos conosco. Por isso, devemos rezar pelos nossos sacerdotes. Há diversos sacerdotes, especialmente entre os jovens, que estão procurando acertar, mas não sabem onde acertar — ultimamente só estão acertando a cabeça na parede.
Eles imaginam que vão acertar focando-se apenas na liturgia; daí usam belas túnicas, alvas com rendas, casulas romanas, barrete, incenso, objetos tradicionais na liturgia. Nada contra isso; mas temos de dizer: não é assim que se começa a mudança necessária. O início de toda mudança efetiva é o sincero auto-oferecimento a Deus. O começo é a entrega da própria vida, pois isso é ser pai.
“Padre” é pai, e pai é um homem que derrama o próprio sangue a fim de levar seus filhos para o Céu. Portanto, o que define um pai não é que ele derramou esperma; mas que ele derramou sangue para salvar os seus filhos. Não adiantará coisa alguma ordenar homens casados na esperança de que eles terão coração de pai. Só ordenaremos, de fato, homens com coração de pai se eles forem verdadeiros sacerdotes e vítimas, entregando-se generosamente para salvar as almas.
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