Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 15,1-8)
Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que em mim não dá fruto ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto ainda. Vós já estais limpos por causa da palavra que eu vos falei. Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permanece em mim e eu nele, esse produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Quem não permanecer em mim, será lançado fora como um ramo e secará. Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados. Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vos será dado. Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos”.
Continuamos com Jesus na Última Ceia e iniciamos o fantástico capítulo 15, em que Jesus chama aos Apóstolos amigo e inicia com uma parábola, ou comparação, da videira. Ele é a videira, nós os ramos; logo, “sem mim nada podeis fazer”.
Gostaria de chamar a atenção para uma expressão da parábola.
Jesus disse: “Vós já fostes purificados pela palavra que eu falei”. Ou seja: a palavra de Deus é purificadora. Somos membros do Corpo de Cristo; já estamos inseridos no tronco, mas como acontece a inserção no tronco que é o Cristo? Essa inserção se dá pelo Batismo, e a seiva que vamos recebendo desse tronco chega até nós por meio da fé.
Pois bem, o que Jesus está dizendo é que, se continuamos a receber a sua Palavra, vamos nos purificando, porque, é claro, os ramos precisam ser podados para dar fruto.
Aqui talvez seja necessário um pouco de orientação para quem não está acostumado a plantar videiras, sobretudo no Brasil (Em Portugal bem se sabe do que estou falando). Quando se tem uma videira, uma parreira, um pé de uva, para que dê fruto, é preciso podá-lo. Depois da colheita, a videira precisa ser podada nos ramos, de forma que as folhas excessivas sejam retiradas. Por quê? Porque se não se podarem as folhas, no ano seguinte a videira não produzirá frutos, só folhas.
É um fato curioso e importante para entendermos o que Jesus está dizendo. Já somos ramos da videira, mas é necessário que sejamos podados. É uma das coisas mais importantes no processo de santificação. Só é possível dar o fruto maduro e sazonado da caridade, se passarmos pela poda.
É o que São João da Cruz chama “fazer noite escura”, ou seja, se não houver um deixar de lado certos amores, não vamos encontrar o grande amor, que é Jesus, nosso Deus.
Por exemplo, quando você começa a namorar, sua namorada, exatamente porque pretende se casar (afinal, o namoro é um relacionamento em que se busca o fruto final, que é o casamento: filhos, família etc.), sua namorada vai podá-lo, o que quer dizer que você deverá deixar de lado outros amores, como as amigas com quem você costumava bater papo e trocar mensagens de Whatsapp.
Haverá poda. Você terá de deixar os seus antigos amores para se dedicar ao verdadeiro amor, que é agora a sua namorada e futura esposa, até um dia você dar o fruto do casamento, dos filhos e da família.
Isso também acontece na vida espiritual. Encontrar o amor de Cristo é ótimo; mas saibamos que isso é só o começo do processo de purificação e de poda. Se você quiser dar o fruto da santidade, que é o verdadeiro amor, precisa ter contato constante com a Palavra de Deus, seja pela “lectio divina”, seja pela oração íntima diária, na qual Jesus nos vai podando.
Sim, a Palavra realiza a poda — poda velhos amores, poda os restolhos que sugam a energia da planta —, até que possamos dar o fruto da santidade, que é o amor. Porque santidade é isso, alcançar o verdadeiro amor; mas, sem a poda da Palavra, só se produzem folhas.
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COMENTÁRIO EXEGÉTICO
Jesus, a videira verdadeira (Jo 15,1-11). — Propõe-se primeiro uma imagem alegórica (v. 1s); depois, aplica-se aos discípulos (v. 3s); por último, descrevem-se as conseqüências de estar unido a Cristo ou separado dele (v. 5): esterilidade e punição (v. 6), realização dos próprios desejo e frutificação (v. 7s), amor (v. 9s) e alegria mútua (v. 11).
a) Imagem. — V. 1. Eu sou a videira verdadeira (ἡ ἄμπελος ἡ ἀληθινή), i.e., a videira genuína, perfeita, verdadeiramente digna do nome (opõe-se à videira imperfeita, e não à falsa), pois de modo superior e mais perfeito (embora espiritual) do que a videira natural aos sarmento, alimento pela fé os homens a mim unidos. — E meu Pai é o agricultor (ὁ γεωργός), tanto por ter plantado e cultivado a videira como por cuidar-lhes dos ramos.
V. 2. É ainda o viticultor quem arranca os sarmentos estéreis e limpa os frutíferos, cortando-lhes as extremidades inúteis, para que aproveitem mais da seiva. É o Pai quem exerce tal função nesta vinha mística: Todo ramo que em mim não dá fruto, ele o corta (αἴρει = tolhe, tira, arranca), e todo ramo que dá fruto, ele o limpa (καθαίρει = purga, purifica), i.e., aos ramos que não dão o fruto das boas obras (ou seja, aos cristãos só de nome) o Pai deixa de comunicar graças eficazes nesta vida e, na futura, os exclui da comunhão com Cristo. — Por ‘limpar’ entendem alguns ‘pôr à prova [com tentações ou adversidades]’; outros, como Maldonado, o interpretam como ‘assistir mais’, o que sucede quando se é provado pelas tentações, e muito mais quando se é cumulado de maiores graças, por isso dá mais fruto ainda.
b) Aplicação aos discípulos (vv. 3-4). — Vós já estais limpos por causa da palavra que eu vos falei, i.e., graças à doutrina que em minha pregação vos transmiti. A palavra de Cristo, com efeito, purifica dos erros ao intelecto e dos maus desejos à vontade (cf. Jo 6,63.68; 8,31; Rm 1,16; 1Pd 1,23). A fim de vos conservardes limpos, permanecei em mim, e eu em vós, quer dizer, esforçai-vos por tornar íntima e mútua nossa união; permanecei em mim, e eu, de minha parte, permanecerei em vós [1], dando-vos parte em minha própria vida [2]. — Reitera em seguida, com a mesma comparação, a necessidade desta união mística: Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo (subentende-se: se for arrancado da videira), assim também, i.e., tampouco vós, se não estiverdes unidos a mim. — ‘O permanecer em Cristo é, pois, a razão do dar fruto’ (S. Tomás de Aquino, super Ioh., 15, l. 1).
c) Efeitos da união ou da separação (vv. 5-11). — V. 5. Eu sou a videira e vós, os ramos; aquele, pois, que permanece em mim e eu nele, por nutrir-se da mesma seiva, esse produz muito fruto de santidade, de salvação das almas etc., porque sem mim (χωρὶς ἐμοῦ, separados de mim) nada podeis fazer na ordem sobrenatural, i.e., nada de meritório ou que conduza à salvação [3]; mas, unido a Cristo, o fiel constitui com ele como um só princípio de operação sobrenatural, e assim é capaz de dar muito fruto.
V. 6. Ao contrário, quem não permanecer em mim (pela fé e pela caridade), será lançado fora como um ramo… Os sarmentos inúteis primeiro são cortados da videira, depois reunidos, amarrados em feixes e, quando secos, lançados ao fogo, já que não têm qualquer utilidade [4]. — Não há por que buscar em cada uma dessas etapas algum sentido mais profundo, dado que muitos elementos do gênero parabólico servem antes para complementar e enriquecer a narrativa do que para transmitir doutrina. O sentido é: Os que não permanecerem em Cristo pela fé e pela graça serão punidos no fogo eterno. — No texto gr., as locuções ‘será lançado’ e ‘secará’ estão no aoristo (= ‘foi lançado’, ‘[já] secou’), de molde a indicar a certeza da ação a ser realizada; as outras, ‘serão recolhidos’, ‘lançados’ e ‘queimados’, estão no presente mas têm valor de futuro, como é frequente neste sermão.
V. 7. Se, por outro lado, permanecerdes em mim (como dito acima), e minhas palavras permanecerem em vós (gravadas não só na memória, mas no coração, além de postas em prática), pedi o que quiserdes e vos será dado, i.e., vossas preces decerto serão atendidas, como se eu mesmo as fizesse. A prece do discípulo, em virtude da união mística, é por isso mesmo prece de Cristo [5], cujos bens, em razão do mesmo princípio, são por seu turno também do discípulo. Com efeito, uma só e mesma seiva vivifica e nutre a videira e os ramos (cf. Jo 14,13).
V. 8. A união com Cristo é não só frutuosa para os discípulos como gloriosa para o Pai: Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos; a glória do Pai, com efeito, está em que sejais meus discípulos e progridais continuamente em minha disciplina, de modo que deis sem cessar frutos de santidade e de virtude; ἵνα (lt. ut) com subjuntivo (gr. φέρητε, lt. afferatis), às vezes também com com futuro (gr. γένησθε, lt. efficiemini), não raro tem valor de infinitivo: ‘Nisto meu Pai é glorificado’, a saber, ‘em dardes muito fruto e serdes meis discípulos’.
‘Conquanto sejam muitos os passos pelos quais chegam os fiéis à união com Cristo, Jo enumera principalmente dois… a fé e a caridade. Pela fé… o homem guarda em si mesmo as palavras de Cristo, às quais adere com tal afeto e com tal constância, que nelas encontra seu próprio lar, a terra em que lança raízes e o ar que respira. Pela caridade, o discípulo une-se [lt. conglutinatur, lit. “cola-se junto”], não já às palavras, mas ao divino Mestre, com quem se torna como que uma só coisa. A caridade, com efeito, é virtude unitiva, que não admite se separem amante e amado, senão que tende com todo o esforço à união de ambos… Somente a caridade, enfim, é que leva a cabo nossa união com Cristo, de tal modo que o atrai a nós e como que o obriga a permanecer em nós’ [6].
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