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Texto do episódio
01

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 12, 49-53)

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: Eu vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso! Devo receber um batismo, e como estou ansioso até que isto se cumpra! Vós pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer divisão. Pois, daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos: o pai contra o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora e a nora contra a sogra”.

Estamos no 20.º Domingo do Tempo Comum, lendo o Evangelho de São Lucas, capítulo 12, versículos 49 a 53. Esse Evangelho é, digamos assim, um pouco difícil de interpretar. Por quê? Porque se não soubermos interpretá-lo bem, ele é aparentemente escandaloso, ainda mais pelo fato de que nós, aqui no Brasil, estamos celebrando, neste segundo domingo de agosto, o dia dos pais. Nesse sentido, parece um pouco desconcertante, no dia em que a Igreja recorda a nossa vocação a ser família, proclamamos um Evangelho que parece ser a destruição da família. Sim, porque Jesus declara que não veio trazer a paz, mas a divisão, e que as famílias irão se dividir: “Ficarão divididos o pai contra o filho, o filho contra o pai”.

Então, como podemos interpretar adequadamente este Evangelho? Primeiro, deve-se entender o que é uma família, já que nos tempos atuais a família está sendo muito atacada. É evidente que a família tem um substrato biológico, ou seja, é um relacionamento constituído por vínculos de sangue, em que se unem um homem e uma mulher e, dessa união, nascem filhos. Ora, por natureza, o ser humano, na sua fragilidade, precisa ser educado, cuidado e alimentado, para que chegue à sua plenitude.

Mas só isso não basta, porque não somos simplesmente um corpo que precisa ser cuidado, temos também uma alma. E exatamente porque a família não é composta somente de animais que têm corpo, mas de seres humanos que têm corpo e alma, podemos dizer que a família é uma realidade sobretudo espiritual. Ou seja, o ser humano é uma realidade biológica e espiritual, mas sobretudo espiritual, porque o mais importante é a alma. Consequentemente, também a família é sobretudo espiritual. Inclusive poderíamos dizer que a família só existe quando existe a realidade espiritual, embora tenha um substrato biológico. 

Todos os animais têm o vínculo biológico de sangue. O macho e a fêmea se unem e se reproduzem dando origem a uma prole. Isso está no reino animal. Mas os animais não têm família. A família não é uma realidade que se encontra no mundo animal. O máximo que se vai encontrar num animal é o vínculo entre mãe e filho, que permanece enquanto o filho estiver sendo amamentado. Passado o período de amamentação, acabou! Quando o filho se tornar adulto e estiver na época de acasalar, ele não vai se preocupar se a fêmea é a mãe dele ou não. No mundo animal não existe família. Não existem papéis de pai, mãe, irmão, irmã, filhos.

Esses papéis só existem nos seres humanos, que, além do vínculo biológico, têm um vínculo espiritual. Se nós quisermos verdadeiramente entender o que é uma família, nós temos de olhar para o mundo espiritual. O que é ser filho? O que é ser pai? Ser filho é ter virtudes suficientes para ouvir e seguir as orientações, os paternos conselhos que são dados pelo pai. Ser pai é ser um homem de virtude. Ser mãe é ser uma mulher de virtude que possa, pelos seus maternos conselhos, orientar o filho no caminho de sua realização e de sua salvação. Se existe alguma orientação que um pai ou uma mãe deve dar ao seu filho, é exatamente a de como chegar à felicidade.

A família se constitui como um ambiente de virtude. Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica, ao tratar a questão da lei, faz o seguinte questionamento: “Será que a lei é necessária?” A resposta nos faz pensar muito na família, pois ele diz: “Existem duas maneiras de orientar o comportamento de uma pessoa: se a pessoa é virtuosa, pode-se orientá-la com paternos conselhos; mas se a pessoa é má, não há outro jeito a não ser a força e o rigor da lei”.

Com isso já se vê o quanto a nossa sociedade está se desfazendo e se desarticulando, exatamente porque não está voltada para a verdade da família, que se une ao redor da virtude, nos paternos conselhos que orientam os filhos na direção do Céu e da salvação eterna. Na nossa sociedade, infelizmente, estamos mostrando ser gente sem virtude. Até mesmo a família, que deveria resolver os seus problemas pela virtude e por paternos conselhos, termina nas delegacias de polícia. Na maioria das vezes, termina em B.O., em processo ou em briga. Se a nossa sociedade já não tem mais virtude para ser família, nossa única alternativa agora é viver debaixo da bota da lei, que irá impor a ordem de forma violenta.

Pois bem, Nosso Senhor quer que nós sejamos família e tenhamos virtude. Mais do que isso: Jesus, quando veio a este mundo, tomou a realidade da família e elevou-a a algo ainda mais sublime.

Sim, Adão e Eva, quando foram criados no Paraíso, foram criados para ser família. Já havia ali uma determinação espiritual maravilhosa: através da virtude, da obediência a Deus, tinham a missão espiritual de conduzir os filhos para a felicidade. No entanto, Adão e Eva quebraram o projeto de Deus e, assim, terminaram jogando fora a felicidade que Deus tinha preparado para eles.

Mas Deus não se deixou vencer na sua bondade e na sua misericórdia. Jesus veio para nos dar a felicidade do próprio Deus. E somos, portanto, chamados a participar de outra família, a família trinitária. Somos chamados a ser mais do que família humana aqui na terra: somos chamados a ser família divina no Céu.

É sob essa luz que podemos ler o Evangelho deste domingo. Jesus inicia o Evangelho dizendo assim: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso. Eu devo receber um batismo, e como estou ansioso até que isso se cumpra”. Pois bem, fogo sobre a terra, batismo que deve se cumprir — é quase inevitável pensar nas palavras de São João Batista: “Eu batizo com água, mas virá um que irá batizar com fogo e com o Espírito”. Sim, o Batismo de Cristo é Batismo de fogo do Espírito Santo, porque Ele quer infundir em nossos corações aquela caridade ardente, aquele amor extraordinário que ultrapassa todo amor humano. Assim somos uma família nova.

No Antigo Testamento, as pessoas eram parte da família de Deus, do povo eleito, através de vínculos de sangue. Para ser do povo de Deus, era preciso nascer judeu, carregar a herança genética de Abraão. Agora, com a vinda de Jesus, nós vemos que Deus abriu a salvação para todos os povos, porque o vínculo não é mais de sangue; agora, a nova família está vinculada a Jesus. Esse é o Batismo de fogo com que Cristo nos une a Ele e nos faz família. É por isso que Ele veio chamar a todos, para que fizessem parte de sua família; mas Jesus, muito realista, já está dizendo que infelizmente as pessoas não irão acolher esse convite.

Isso introduzirá uma divisão na família biológica, ou seja, no povo de Israel, reunido por vínculos de sangue, porque eram todos descendentes de Abraão. Agora, todo o povo judeu é convidado a fazer parte da Igreja, mas haverá aqueles que não irão aceitar o convite, por isso a família biológica do povo eleito será dividida. Então vai acontecer o que está escrito: “Vós pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo: vim trazer divisão”. Qual é a paz que Jesus não irá trazer sobre a terra? É a falsa paz, uma paz carnal, uma paz humana, de quem quer simplesmente satisfazer seus instintos. Ele vem nos dar outra paz. 

São Paulo nos diz que Ele é a nossa paz, mas é um outro tipo de paz. É a paz que acontece exatamente quando nós, com a espada da Palavra de Deus, afastamo-nos das pretensões humanas e começamos a ser família divina, porque, através do vínculo da fé, nós agora fazemos parte da família de Deus.

Não é de admirar que, assim como aconteceu com o povo judeu, no qual nem todos aceitaram Jesus, isso vá acontecendo também em nossas famílias. Jesus não veio abolir a Lei do Antigo Testamento, ou seja, o quarto Mandamento. Honrar pai e mãe continua sendo um mandamento importante; mas acontece que ele só tem sentido quando o pai e a mãe cumprem sua missão de levar os filhos para Deus, para fazer dessa nova família parte da família de Deus. É por isso que os pais católicos ficam muito felizes em levar os filhos para o Batismo o quanto antes. Sim, porque eles sabem que o mais importante não é gerar a vida biológica, mas dar a vida sobrenatural, a vida de Deus, que nos leva a participar de uma nova família.

Assim cumprem os pais uma missão espiritual e recomeçam a ser família de verdade, porque estão levando os filhos para Deus. O projeto de Deus não é o de dividir ninguém, de sabotar famílias. Pelo contrário. Deus quer fortalecê-las para que sejam agora, em Cristo, uma família com um novo impulso, com uma nova razão para estar unido e se amar mais verdadeiramente. É esse o fogo que nos une a Cristo. É por isso que neste domingo, dia dos pais, eu gostaria de convidar você a viver mesmo o projeto de família de Deus na sua família!

O que isso quer dizer na prática? Jesus quer que a união entre o homem e a mulher, na qual são gerados filhos, seja agora um sacramento, um vínculo espiritual que nos fala de outra família, uma família divina, a família de Deus. Então, agora, quando um homem e uma mulher se unem, não há mais apenas uma união natural, até porque a tal união foi prejudicada pelo pecado original. Basta ver o que são os casamentos quando se afastam de Deus? Uma verdadeira guerra. Quanta insegurança, ciúmes, brigas, traições, crimes passionais, vinganças, todo tipo de miséria!

Pois bem, Jesus pegou o projeto de Deus, quebrado pelo pecado original, e o restaurou de forma ainda mais preciosa. Agora, o casal é chamado a viver um sacramento, ou seja, o vínculo não é mais somente um vínculo carnal, mas um vínculo em Cristo. Nesse sentido, deveríamos abrir a porta de nossas casas como quem abre a porta do sacrário, para encontrar Jesus, não na hóstia, mas na esposa, no marido, nos filhos. Essa é a família transformada em nova família, cujo centro não é mais o marido, o patriarca da casa; mas Jesus Cristo. O marido pode e deve exercer a sua função de chefe da família, mas tal missão só será cumprida se ele se colocar em submissão e obediência a Cristo.

Na nova família, aquele que é o mais importante é o que mais serve, o que mais obedece e mais se entrega. Esse é o Batismo pelo qual nós todos precisamos passar, esse é o novo sacramento da família. Unidos a Cristo, precisamos amá-lo e servi-lo. O marido e pai deve aproximar-se da esposa e dos filhos como responsável pela salvação eterna deles, para levá-los para Cristo cada vez mais.

Se, por acaso, na nossa família, as pessoas infelizmente não estiverem nesse mesmo projeto de amor, não façamos disso uma pedra de tropeço, mas tenhamos paciência e procuremos amá-las e servi-las cada vez mais, mesmo que isso nos custe, mesmo que o fogo da dor seja o nosso salário. O importante é saber transformar a dor em amor, aderindo a este projeto de restauração da família em Cristo. Façamos o propósito de restaurar as nossas famílias: “Eu creio no projeto de Deus para a família”. Um projeto que não termina simplesmente na carne e no sangue, mas que encontra no Pai do Céu a sua verdadeira raiz.

Neste domingo, vamos fazer como São Paulo diz aos efésios: “Eu dobro os meus joelhos diante de Deus, de quem provém toda a paternidade”, ou seja, de quem provém toda família. Adoremos a Deus Pai, para que sejamos família com Ele no céu e vivamos, já aqui na terra, esse projeto de doação, de serviço mútuo e de entrega, sabendo derramar o nosso sangue uns pelos outros, para por Cristo transformar a dor cotidiana em amor. Esse é o verdadeiro sacramento, esse é o verdadeiro projeto de Deus para nós.

Mas tudo isso só será possível se recebermos a graça, se a graça de Cristo vier transbordar em nosso coração. Então nós também, juntamente com Jesus, poderemos dizer que temos o anseio de que esse fogo seja lançado sobre a terra: “Ah, como eu gostaria que esse fogo já estivesse aceso no meu coração e no coração daquelas pessoas a quem eu amo, no coração daquelas pessoas a quem eu ainda não amo o suficiente, mas preciso amar!” Então seremos família de verdade, quando o fogo do amor e da caridade divina for derramado em nossos corações para que possamos nos amar como Cristo nos amou!

Ao nos aproximarmos da Comunhão, neste domingo, peçamos a Cristo a graça de transformar nossas famílias em pequenos sacrários, onde cada um se esforce para se doar e se entregar pela salvação do outro.

Oração: Senhor, nós vos pedimos humildemente, restaurai as nossas famílias. Restaurai, Senhor, o projeto da família, quebrado por Adão e Eva e transformado num grupo de pessoas que brigam e se destroem mutuamente, transformai-a num novo projeto, o projeto do sacramento do amor, em que Cristo é amado e servido. Que Ele seja aquele que une a família. Fazei, Senhor, com que essa graça nos visite, e que a Virgem Santíssima, Senhora e Mãe da graça, seja nossa intercessora, resgatando nossas famílias.

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