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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 11,16-19)

Naquele tempo, disse Jesus às multidões: “Com quem vou comparar esta geração? São como crianças sentadas nas praças, que gritam para os colegas, dizendo: ‘Tocamos flauta e vós não dançastes. Entoamos lamentações e vós não batestes no peito!’ Veio João, que nem come e nem bebe, e dizem: ‘Ele está com um demônio’. Veio o Filho do Homem, que come e bebe e dizem: ‘É um comilão e beberrão, amigo de cobradores de impostos e de pecadores’. Mas a sabedoria foi reconhecida com base em suas obras”.

Comentário exegético

Os judeus e João (cf. Lc 7,29-35). — Até aqui, falou-se da missão e da excelência de João Batista. Agora, o modo de agir dos judeus frente a ele é exposto em grandes linhas por Lc (cf. v. 29s); em seguida, descreve-se de maneira bastante gráfica uma bela parábola, presente também em Mt. Em suma, os homens retos (embora pecadores) reconheceram o desígnio de Deus (τὴν βουλὴν τοῦ θεοῦ = a decisão, o plano de Deus), mas os outros (especialmente fariseus e escribas) o desprezaram.

a) Descrição sintética. — Lc (cf. v. 29s) refere em poucas palavras como o povo, de um lado, e os fariseus, de outro, reagiram de forma diversa à pregação do Batista. As palavras são, para alguns, de Cristo; para outros, do próprio evangelista. No primeiro caso, a cláusula Todo o povo que o ouviu (ἀκούσας = como ouvisse) refere-se à pregação do Batista; no segundo, às palavras de Cristo (em Mt, com efeito, ouve-se algo parecido da boca do Senhor: cf. 21,32).

b) Parábola dos meninos na praça. — 1) Imagem. Numa praça pública (ἐν ἀγορᾷ), ou noutro lugar espaçoso, reúnem-se algumas crianças para se divertir imitando ora os bailes celebrados em dia de núpcias, ora as cerimônias típicas dos funerais. Chamam então alguns meninos a se juntarem à brincadeira, primeiro dançando como numa festa de casamento, depois entoando endechas como num velório; mas eles, morosos e contumazes, se negam a participar. — As crianças dizem por fim a seus iguais (ἑταίροις = companheiros, colegas; melhor lição: ἑτέροις, cf. Lc: ἀλλήλοις = uns para os outros): Cantamos (ηὐλήσαμεν = tocamos flauta, fizemos música de dança etc.: cf. Lc 7,32), e (καί adversativo = mas) vós não bailastes; lamentamos, como sói acontecer nos funerais, e vós não chorastes (οὐκ ἐκόψασθε), i.e. não destes nenhum sinal de dor, como e.g. bater no peito; numa palavra: vós nos haveis ignorado completamente.

É atualmente a interpretação mais comum da parábola. No passado, muitos a entendiam de outra forma. De São Cirilo de Alexandria (cf. MG 72,619s) em diante, passou-se a ver no texto uma alusão a certo tipo de divertimento em que, separadas em dois grupos, as crianças representavam como num teatro os sucessos e os infortúnios da vida: uma parte a lamentava, como coisa triste e miserável, enquanto a outra dela se ria, como de coisa boa e alegre, sem que nenhum dos grupos prestasse ouvidos ao outro. Os espectadores assistiam à cena, em que se mesclavam gemidos e risos; mas, por conta da ambiguidade de sentimentos, nem choravam com as queixas de uma parte nem se alegravam com a dança e o canto da outra.

2) Aplicação. A parábola é proposta contra fariseus e escribas, como se depreende de Lc, e não contra o povo todo. O ponto de comparação dela está na atitude indolente e voluntariosa dos meninos, que se recusam a brincar com qualquer das crianças. Logo: assim como os meninos da parábola mostram-se apáticos e obstinados frente a qualquer convite para brincar, seja dançando, seja chorando, assim também os homens desta geração (alude-se aos fariseus e escribas, cf. Lc v. 30) mostram-se morosos e pervicazes frente a qualquer tentativa divina, por intermédio quer de João, quer de Cristo.

V. 18 (Lc v. 33). Aplica-se a parábola: Veio João, que não comia (pão, acrescenta Lc) nem bebia (vinho, igualmente), i.e. seguia uma disciplina austera e penitente, e dizem: Ele tem demônio, o qual lhe terá inspirado essa regra de vida tão incomum e radical. — V. 19a. Veio o Filho de homem, que come e bebe, i.e. leva uma vida comum, e ainda assim dizem: Eis um glutão e um bebedor de vinho etc. (cf. 9,11; Jo 9,16.24). Não há, portanto, maneira de os contentar, o que sucede ainda hoje, evidentemente; com efeito, a experiência atesta — diz Maldonado — que a virtude, quando é perfeita, não pode deixar de ser alvo de invejas e calúnias.

V. 19b. Toda a argumentação precedente fecha-se com um dito antitético. — E (= mas) a sabedoria foi justificada por todos os seus filhos (assim na Vg e no texto gr. de Lc: ἀπὸ πάντων τῶν τέκνων), ou por suas obras (ἀπὸ τῶν ἔργων, leitura mais provável do texto gr. de Mt). A sabedoria, i.e. o sábio desígnio de Deus de anunciar por João Batista e instaurar por Cristo a nova Lei e economia, foi justificada, i.e. reconhecida e desagravada das calúnias dos ímpios por seus filhos, i.e. pelos sábios, por aqueles que aderiram primeiro à pregação do Batista e depois à doutrina de Cristo. — A lição crítica (mais provável) de Mt encerra a argumentação da seguinte forma: esta geração recusou-se a aceitar, reconhecer etc. as obras (desígnios levados a efeito) da sabedoria divina, mas a providência de Deus por (ἀπό) ou em virtude de seus próprios feitos (antes e principalmente pelo exemplo e o ministério de João) foi justificada, proposta, propugnada etc. — Uma leitura não exclui a outra, senão que ambas se completam mutuamente: ‘A sabedoria de Deus, que permanece eternamente, é justificada por suas próprias obras e recebida por [todos] os seus filhos’ (Vosté, Parabolæ i 318).

Nota espiritual. — ‘Mas a sabedoria foi justificada. O verbo justificar pode ter dois sentidos: ou o de tornar alguém justo ou o de declarar a justiça de outrem. É nesse último sentido que se toma aqui o verbo justificar. Foi justificada, i.e. declarada justa, irrepreensível, livre de toda calúnia, plena e perfeita, a sabedoria que Deus manifestou em Cristo e João, porque neles está tudo o que é necessário à salvação humana: no primeiro, exemplo de austeridade e penitência; mas para que não se desesperasse da salvação diante de rigores tão exigentes, tem-se no segundo exemplo de misericórdia e doçura. — Por todos os seus filhos, i.e. pelos amantes da sabedoria divina e da virtude. Dessa forma, a sabedoria de Deus, desprezada pelos fariseus, foi justificada, i.e. honrada e glorificada em Cristo e no Batista pelos fiéis, que de bom grado os ouviam e lhes acolhiam o chamado à penitência e à conversão’ (Cornélio a Lapide, adaptado) [1].

Referências

  1. Cf. Commentaria in S. Scripturam. Neapoli, 1857, vol. 8, pp. 198s.

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