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A dignidade da mulher

O feminismo moderno desfigurou a imagem da mulher e, com isso, vem destruindo também, e cada vez com mais força, a realidade da família. Nesta aula, Pe. Paulo Ricardo explica, a partir da carta apostólica "Mulieris Dignitatem", do Papa São João Paulo II, em que consiste a verdadeira dignidade feminina.

Texto do episódio
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I. Introdução

Começamos agora uma série de aulas ao vivo dedicada à dignidade da mulher sob a ótica do cristianismo e, de modo mais específico, à luz dos ricos ensinamentos que o Bem-aventurado Papa João Paulo II nos legou a esse respeito. O guia deste nosso itinerário será a Carta Apostólica "Mulieris Dignitatem", de 15 de agosto de 1988, além de algumas catequeses sobre a Teologia do Corpo. Esta série será composta por cinco aulas: (1) no encontro de hoje, queremos ir à raiz do problema da desconstrução da identidade feminina e apontar como e em que sentido o feminismo acabou por tornar-se o grande inimigo das mulheres; (2) na segunda aula, abordaremos a feminilidade própria do ser mulher e o comportamento de Cristo diante das figuras femininas presentes no Evangelho; (3) na terceira, falaremos da vocação à maternidade e do conflito moderno entre carreira e responsabilidade maternal; (4) no quarto encontro, estudaremos o caráter dúplice e complementar da vocação feminina: de um lado, a maternidade e, de outro, a virgindade por amor do Reino; (5) por fim, trataremos da modéstia feminina.

II. «Ele te dominará»

A mulher, vocacionada ao matrimônio e à maternidade, é o elemento que dá liga e coesão à vida familiar. Por dedicar-se com maior cuidado e empenho às tarefas caseiras, a mãe constitui, por isso mesmo, a alma e o coração do lar; é ela quem confere à família como um todo suas feições peculiares e, por meio do carinho e desvelo com que se doa aos filhos e ao esposo, forja nos seus a beleza das virtudes domésticas, os conforta e prepara para os desafios fora de casa. Não é de espantar, pois, que a desconstrução da identidade feminina a que assistimos atônitos ao longo destas últimas décadas tenha acarretado uma como que corrosão da unidade familiar e, por conseguinte, da própria moralidade pública, afetando seja a base da sociedade civil, seja a Igreja como tal. O que temos visto nos nossos dias, com efeito, é que sob o pretexto de um igualitarismo radical, que quer prescindir da diversidade específica por que homem e mulher exprimem à sua maneira a riqueza do seu ser pessoa, o feminismo nos vem conduzindo a uma apropriação cada vez mais caricata dos trejeitos masculinos—e sobretudo dos vícios "típicos" do homem—, em detrimento da "originalidade" própria da mulher e dos recursos que apenas a sua feminilidade lhe pode fornecer. Já tivemos, aliás, a oportunidade de ver noutro encontro como esse fenômeno tem afetado inclusive a formação da identidade masculina.

Antes porém de abordarmos o problema, recuemos uns passos e refaçamos o caminho percorrido pelo Papa João Paulo II [1]. Deve-se ter presente, em primeiro lugar, que há um desequilíbrio, decorrente do pecado, entre os sexos e, portanto, uma perturbação naquilo que deveria ser o relacionamento entre eles segundo o projeto original de Deus. O Livro do Gênesis, ao narrar a queda de nossos Pais, assinala um fato não menos importante quanto significativo: "teus desejos te impelirão para o teu marido", dirige-se o Senhor à mulher, "e estarás sob o seu domínio" (Gn 3, 16). A descrição bíblica nos desvela aqui uma fissura profunda na comunhão de dois em "uma só carne" (cf. Gn 2, 24) que Adão e Eva foram chamados a realizar. Essa ruptura, que se expressa no domínio do homem sobre a mulher e, assim, no "desnível" que se formou entre eles, apresenta-se não só como um perigo constante para aquela a comunhão interpessoal, mas sobretudo como uma ameaça mais grave e mais delicada para a mulher, pois esta, devido à sua inclinação natural ao dom de si e à entrega ao outro—Eva foi formada de Adão e para Adão, como companheira e sócia (cf. Gn 2, 18-23)—sente mais vivamente os efeitos deste "domínio" proveniente do pecado. Tal "domínio", nesse sentido,

[...] indica perturbação e a perda da estabilidade e da igualdade fundamental, que na "unidade dos dois" possuem o homem e a mulher: e isto vem sobretudo em desfavor da mulher, porquanto somente a igualdade, resultante da dignidade de ambos como pessoas, pode dar às relações recíprocas o caráter de uma autêntica "communio personarum" (comunhão de pessoas) [2].

Mas se esta sujeição feminina é, por um lado, desfavorável à mulher, ela não deixa de ser, por outro, também uma forma de violação e, por assim dizer, diminuição da dignidade do homem, porque o varão, ao fazer da mulher um objeto de "domínio" e de "posse", age contra a sua própria dignidade de pessoa criada à imagem e semelhança de Deus; por isso, ele é chamado na sua peculiaridade de homem a corresponder ao "dom" que a mulher faz de si e, deste modo, converter sua tendência à dominação em serviço à esposa, a quem deve antes proteger que dominar e à qual, num esforço constante, deve entregar-se reciprocamente.

III. O «ingenium mulieris»

Nos últimos tempos, os movimentos feministas têm reagido à dominação que homem e mulher, "onerados pelas pecaminosidade hereditária" [3], carregam consigo ao longo da história, "por meio de uma reivindicação, por parte das mulheres, dos «privilégios» masculinos" [4].Ora, essa situação, que acabou por redimensionar os chamados "direitos da mulher" no contexto mais amplo dos direitos da pessoa humana, constitui, aponta o Papa João Paulo II, "um impasse do ponto de vista das exigências da verdadeira vocação da mulher" [5], porque "a justa oposição da mulher face àquilo que exprimem as palavras bíblicas: «ele te dominará» (Gen 3, 16) não pode sob pretexto algum conduzir à «masculinização» das mulheres. A mulher—em nome da libertação do «domínio» do homem—não pode tender à apropriação das características masculinas, contra a sua própria «originalidade» feminina" [6]; não pode, pois, renunciar à sua condição específica de mulher, enquanto algo bom e querido por Deus [7]. Seria, portanto, um contrassenso admitir que as mulheres, com o fito de libertar-se de um jugo quase sempre injusto, tenham de abdicar justamente daquilo que as faz mulher e as constitui, ao lado do homem, como ser único em toda a criação: "Trata-se de uma riqueza imensa" [8], escreve o Papa; trata-se, sim, de uma riqueza que configura o gênio (ingenium) próprio da mulher [9] e causa no homem aquela admiração e aquele encanto que a exclamação de Adão, atravessando "toda a história do homem sobre a terra" [10], exprime e revela.

O homem e a mulher, nesse sentido, não são nem superiores nem inferiores; são antes diferentes. Constituem, pois, duas formas distintas pelas quais a humanidade se enriquece, porque encontra nesta diversidade de dons que há entre o "ser homem" e o "ser mulher" aqueles elementos que manifestam, na sua riqueza inesgotável, as perfeições de um Deus que não é de modo algum à nossa imagem, mas que abarca todas as perfeições "de uma mãe e as de um pai e esposo." [11] Feitos "um para o outro", homem e mulher devem ser, conforme o modo peculiar por que cada um atua no mundo, uma "ajuda" para o outro; devem viver aquela comunhão de pessoas para qual foram criados e na qual cada um deles deve orientar-se para as necessidades do outro, "por serem ao mesmo tempo iguais enquanto pessoas ('ossos dos meus ossos...') e complementares enquanto masculino e feminino" [12]:

Os recursos pessoais da feminilidade certamente não são menores que os recursos da masculinidade, mas são diversos. A mulher, portanto—como, de resto, também o homem—, deve entender a sua "realização" como pessoa, a sua dignidade e vocação, em função destes recursos, segundo a riqueza da feminilidade, que ela recebeu no dia da criação e que herda como expressão, que lhe é peculiar, da "imagem e semelhança de Deus". Somente por este caminho pode ser superada também aquela herança do pecado que é sugerida nas palavras da Bíblia: "sentir-te-ás atraída para o teu marido, e ele te dominará". A superação desta má herança é, de geração em geração, dever de todo homem, seja homem, seja mulher. Efetivamente, em todos os casos em que o homem é responsável de quanto ofende a dignidade pessoal e a vocação da mulher, ele age contra a própria dignidade pessoal e a própria vocação [13].

Referências

  1. Cf. João Paulo II, Carta Apostólica “Mulieris Dignitatem” (MD), de 15 ago. 1988, n. 10 (AAS 80 [1988] 1674-1677).
  2. Id., ibid.
  3. Id., ibid.
  4. Yves Semen, A Sexualidade segundo João Paulo II. Trad. port. de Maria José Vilaça. Lisboa: Principia, 2006, p. 88.
  5. Id., ibid.
  6. MD, loc. cit.
  7. Cf. Catecismo da Igreja Católica (CIC), n. 369.
  8. MD, loc. cit.
  9. Cf. MD, nn. 30-31.
  10. Id., n. 10.
  11. CIC, 370.
  12. Cf.  CIC, n; 372; cf. MD, n. 7.
  13. MD, n. 10

Recomendações

  • PERNOUD, Régine. A Mulher no Tempo das Catedrais. Trad. port. de Miguel Rodrigues. Lisboa: Gradiva, 1984.
  • STARK, Rodney. The Rise of Christianity. São Francisco: HarperCollins, 1997 (1.ª ed., Princeton: Princeton University Press, 1996).

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