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A ilusão de pôr nossa esperança neste mundo

O homem moderno age como se estivesse proibido falar de “Céu” ou de “eternidade”. O importante, alardeiam as ideologias materialistas, é buscar a felicidade “aqui e agora”. Mas qualquer um percebe a ilusão que é colocar nossa esperança neste mundo.

Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 6, 1-13)

Naquele tempo, Jesus dizia aos discípulos: “Um homem rico tinha um administrador que foi acusado de esbanjar os seus bens. Ele o chamou e lhe disse: ‘Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, pois já não podes mais administrar meus bens’. O administrador então começou a refletir: ‘O senhor vai me tirar a administração. Que vou fazer? Para cavar, não tenho forças; de mendigar, tenho vergonha. Ah! Já sei o que fazer, para que alguém me receba em sua casa quando eu for afastado da administração’. Então ele chamou cada um dos que estavam devendo ao seu patrão. E perguntou ao primeiro: ‘Quanto deves ao meu patrão?’ Ele respondeu: ‘Cem barris de óleo!’ O administrador disse: ‘Pega a tua conta, senta-te, depressa, e escreve cinquenta!’ Depois ele perguntou a outro: ‘E tu, quanto deves?’ Ele respondeu: ‘Cem medidas de trigo’. O administrador disse: ‘Pega tua conta e escreve oitenta’. E o senhor elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza. Com efeito, os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz. E eu vos digo: Usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas. Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes. Por isso, se vós não sois fiéis no uso do dinheiro injusto, quem vos confiará o verdadeiro bem? E se não sois fiéis no que é dos outros, quem vos dará aquilo que é vosso? Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”.

Neste domingo, a Igreja proclama o Evangelho de São Lucas, capítulo 16, versículos de 1 a 13, em que Nosso Senhor nos conta uma parábola um tanto quanto desconcertante. Em termos modernos, a metáfora diz o seguinte: um empresário tem várias lojas e o gerente de uma delas, que é desonesto, está dando prejuízo à empresa, então o dono resolve demiti-lo. Ao saber disso, o funcionário decide preparar o seu futuro: de modo fraudulento, chama os devedores da empresa e perdoa-lhes as dívidas, esperando que eles o ajudem com um novo emprego. A moral da história diz o seguinte: os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz.

Estamos diante de duas realidades: os filhos deste mundo, que são aqueles que se esforçam para ser felizes aqui; e os filhos da luz, que uma vez iluminados pela fé sabem perfeitamente que a verdadeira felicidade não está aqui. 

Hoje em dia, quando falamos do Céu para as pessoas, elas nos olham com um certo desdém, porque querem ser felizes já, aqui neste mundo. E nossa sociedade conseguiu inculcar na cabeça das pessoas a ideia errada de que o Céu é uma quimera, uma bobagem; que não passa de uma ideologia vazia ou, como dizemos popularmente: “Conversa pra boi dormir”. O mundo nos diz que a felicidade concreta, a felicidade que vale a pena, tem de ser vivida agora. 

É impressionante como a sociedade conseguiu inverter a ordem da realidade, porque a verdade sobre a felicidade é justamente o oposto do que o mundo defende: buscar a felicidade neste mundo é tão ilusório quanto ridículo. Para enxergar isso, não é preciso crer no Padre Paulo Ricardo, no Papa Leão, na Igreja ou mesmo em Jesus para nos darmos conta disso, basta enxergarmos a realidade: se uma pessoa feliz é aquela que tem tudo quanto quer, quando seremos felizes nesta terra? Nunca!

Ou seja, nós nos tornamos ridículos quando começamos a achar que teremos tudo quanto queremos nesta vida. Ninguém vive assim realizado. Aliás, a verdade é o contrário: vivemos penando, infelizes que somos. Somos como galinhas neurastênicas presas numa gaiola, onde, expostas à luz constantemente, vivemos estressadas, bicando-nos umas às outras. Esse é o nosso mundo, onde fazemos mal uns aos outros. Sim, porque queremos nos realizar em nossa felicidade mundana, e se isso não acontece colocamos sempre a culpa no outro. 

Estamos iludidos se esperamos que algo objetivo, real, aconteça nesse sentido. Mas, uma vez iluminados pela fé em Cristo, tornamo-nos filhos da luz e passamos a enxergar que existe uma felicidade no Céu. Porém, para alcançarmos tal felicidade, temos de viver integralmente sob essa luz da fé, tendo sempre em vista a felicidade eterna. Então, por exemplo, no casamento, marido e mulher não são o Céu, a felicidade plena um do outro porque, iluminados pela fé, sabem que devem agir neste mundo justamente para alcançar a vida feliz no Paraíso.

Na sua época, Jesus estava falando de dois tipos de pessoas: os mundanos, que só procuravam a felicidade neste mundo; e os filhos da luz, que ansiavam pela felicidade plena no Céu. Cristo mostra que os filhos da luz faziam de tudo para alcançar a felicidade do Céu, enquanto os materialistas, por sua vez, só queriam saber da felicidade terrena. Acontece que nossa situação hoje, no século XXI, mudou, ficou mais complicada: hoje temos a chamada “Teologia da Prosperidade”, que ensina aos fiéis que eles devem ir à igreja só para cobrar a Deus as bênçãos materiais, pois essa é a única forma de felicidade desejável. Ora, dito de um modo bastante direto: essa forma de encarar as coisas é uma mundanização da esperança cristã. É compreensível que os mundanos tenham uma “esperança” materialista, assim como os cristãos alimentem a esperança no Céu, mas essa figura híbrida de quem diz crer em Jesus embora só espere a felicidade nesta terra é totalmente estranha. 

No YouTube, há um vídeo de um pastor presbiteriano falando sobre a diferença entre as igrejas protestantes históricas e as adeptas da “Teologia da Prosperidade” — cito isso para mostrar que não estou implicando com esse pessoal, é um pastor protestante quem está falando. Em tom cômico, o pastor contou um testemunho: ele estava assistindo a um desses programas de televisão realizados por essas igrejas da prosperidade. Em certo momento, o apresentador começou a chamar os fiéis para testemunharem a “benção”. O primeiro foi um homem que dizia ter saído das dívidas e enriquecido depois de ter participado de uma campanha; depois, outro relatou ter se livrado de todos os problemas familiares e enriquecido, montado uma empresa, tudo estava às mil maravilhas. Por fim, veio uma mulher aparentemente pobre, mas muito feliz. Quando o apresentador lhe disse para contar a bênção, a mulher então começou a dizer que Jesus tinha lhe perdoado os pecados e lhe dado a salvação. Nesse momento, aconteceu algo hilário, pois o apresentador parecia não entender: “Não, minha filha, eu quero que você conte a bênção, qual é a bênção?”. Todos deram uma estrondosa gargalhada. Sim, para essas igrejas da prosperidade, o fato de Jesus ter nos perdoado os pecados, abrindo-nos as portas do Céu, não é uma “bênção”, o que só evidencia a mundanização da fé, como se Jesus tivesse vindo para nos dar uma felicidade intramundana. 

É evidente que, ao nos criar, no Éden, Deus já nos fez com a possibilidade de felicidade — por isso a Bíblia nos fala do Céu. Mas uma vez que Adão e Eva pecaram e perderam essa felicidade — foram expulsos do paraíso, na linguagem bíblica —, nenhuma “Teologia da Prosperidade” poderá reconstituir aqui o paraíso perdido. 

Portanto, é ilusório acharmos que, por meio do trabalho — honesto ou não — poderemos alcançar a felicidade neste mundo; é ilusório procurarmos a felicidade aqui por meio de um materialismo ateu, assim como é fantasioso acharmos que encontraremos a felicidade por meio de uma superstição piedosa, na qual só amamos a Cristo aparentemente, mas a verdade é que estamos em busca de uma felicidade mundana.

Mas, no Evangelho deste domingo, Jesus nos mostra qual deve ser o nosso verdadeiro enfoque nesta vida: a procura pelas moradas eternas. Sim, isso não significa que não haverá alguma felicidade nesta vida, a questão é que muitos cristãos estão empenhadíssimos em encontrar a felicidade aqui, vivendo, portanto, desleixados com relação à felicidade eterna. 

No Livro III, capítulo 3 da “Imitação de Cristo”, Tomás de Kempis comenta essa realidade trazida pelo Evangelho de hoje: 

O mundo promete apenas coisas temporais e mesquinhas e é servido com grande ardor, eu, Jesus, prometo bens sublimes e eternos e só encontro frieza nos corações mortais. Por um pequeno salário se empreendem grandes viagens, mas pela vida eterna muitos não dão um passo sequer. Busca-se o lucro vil, por um vintém às vezes, a torpes brigas; por uma ninharia e promessa mesquinha, não se teme a fadiga, nem de dia nem de noite. Mas que vergonha: pelo bem imutável, pelo prêmio inestimável, pela honra suprema, pela glória sem fim, o menor esforço nos cansa [1].

Temos portanto esse clássico da espiritualidade cristã nos ajudando a entender as coisas. Mas — o que para nós é vergonhoso — acontece que, na época da “Imitação de Cristo”, não tínhamos este hábito pavoroso que temos hoje: até mesmo as orações que fazemos dentro da igreja são voltadas apenas para alcançar as ninharias do cotidiano, a mesquinhez deste mundo. Com isso, vemos no que se transformou a religião. 

Daí vem a razão de ser destas palavras de Jesus no livro de Tomás de Kempis: “Envergonha-te, pois, servo preguiçoso e murmurador, por serem os mundanos mais solícitos para a perdição que tu para a salvação”. No Evangelho, Jesus diz: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo mais lhe será acrescentado” (Mt 6, 33), mas fazemos justamente o contrário, teimosos que somos. Na verdade, agimos como se Deus fosse um “bobão” — com a desculpa pela blasfêmia, não é intencional —, porque ingenuamente acreditamos que Ele vai permitir que todos entrem no Céu. Mas não foi isso que Ele mesmo nos ensinou. 

No capítulo 3 da Carta de São Paulo aos Filipenses, o Apóstolo comenta de forma brilhante este Evangelho que lemos hoje. São Paulo era um homem bom cujas obras eram igualmente boas, mas em determinado momento da vida ele diz que considerou tudo como “refugo”, como “lixo”, por causa de Cristo, por causa do amor do Senhor. Na parábola que lemos, o mau administrador considerou a empresa do seu patrão como “lixo” também, porque queria se dar bem, queria um futuro promissor. Mas não nos enganemos: São Paulo não se valeu de meios ilícitos como um administrador infiel. Ora, nós cristãos não somos maquiavélicos, não acreditamos que os fins justificam os meios. Portanto, vale fazer qualquer coisa para ganharmos o Céu.  

O Apóstolo faz uma comparação bonita para ilustrar como conseguiu alcançar a Cristo: é a ideia do corredor de maratona. Paulo diz que foi como se ele e Jesus estivessem numa corrida, mas que ele não alcançou a Cristo, foi o contrário. Isso parece contraditório na vida de Paulo, mas foi justamente o que aconteceu no caminho de Damasco: Jesus tanto o alcançou que o derrubou do cavalo, deixando-o cego por três dias. Mas uma vez que Jesus o tenha alcançado, o que Paulo deve fazer? Agora, é ele quem deve alcançar o Senhor nessa corrida. Mas como?

São Paulo diz: “Esquecendo o que fica para trás, lanço-me para o que está à minha frente, lanço-me em direção à meta para conquistar o prêmio que, do alto, Deus me chama a receber em Cristo Jesus” (Fl 3, 13-14). No grego original, Paulo fala sobre aquele esforço do atleta que, a um corpo de diferença do primeiro colocado, lança-se com todo o empenho para ganhar a corrida, isto é, para alcançar o Cristo. 

Ou seja, nossa meta de vida é termos uma atitude contrária àquela dos mundanos, que se apegam a este mundo a fim de conseguir alguma felicidade. Precisamos mesmo de um certo desapego das coisas do mundo para nos lançarmos em Jesus. 

Então, para praticarmos o Evangelho de hoje teremos de viver como monges? Claro que não! Mas precisamos estar conscientes do seguinte: antes de recebermos a Boa-Nova do Céu, é necessário que primeiro recebamos a má notícia de que não haverá felicidade plena nesta vida. Portanto, temos de perder tudo, deixar tudo por Jesus. Não adianta ficarmos agarrados ao Titanic, porque o navio já está indo a pique, e não há nada que possamos fazer para evitar. Ou seja, não adianta nos agarrarmos a esta vida, porque mais cedo ou mais tarde a morte vai nos alcançar. É por isso que, na prática, temos de não só entregar tudo a Jesus, mas começar a amá-lo em tudo o que fizermos, sem apego. Então nada de nos apegarmos à mulher, ao marido, aos filhos ou ao trabalho; mas amamos o Cristo que está presente em todas essas coisas. Sirvamos Nosso Senhor nas pessoas, porque assim estaremos agindo como verdadeiros filhos da luz, que encontram Jesus em todas as coisas, porque sabem que só Ele permanece para sempre. 

Essa é a grande corrida para a qual somos chamados a nos lançar. Sabendo que Ele já nos alcançou com seu amor, agora somos nós que devemos alcançá-lo com o nosso amor. 

Portanto, eis o grande ensinamento deste Evangelho: os filhos deste mundo, iludidos e ridículos, procuram um futuro mundano, construindo sua morada sobre a areia movediça deste mundo. Quando as coisas do mundo ruírem, o que será de nós? Por que essa inércia que nos atrasa na corrida? Não nos envergonharemos ao ver que os mundanos, aqueles que amam este mundo são mais solícitos para a perdição do que nós para a salvação? Sejamos, portanto, solícitos e saibamos amar tudo no Cristo, pois só assim ganharemos as moradas eternas.

Referências

  1. Imitação de Cristo, III, c. 3, n. 3.

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