Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo
Mateus (Mt 16, 21-27)
No Domingo passado, Nosso Senhor felicita São Pedro por sua profissão de fé: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne e sangue quem te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu” [1]. No Evangelho deste domingo, inspirado não mais pelo alto, senão pela própria prudência, São Pedro reage ao anúncio da paixão com repulsa: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!”.
Comentando este trecho do Evangelho, São João Crisóstomo explica a atitude do apóstolo Pedro, lembrando que as coisas que tinha confessado de Cristo não vieram dele. Por isso “a confusão que ele experimenta nas coisas que lhe não foram reveladas: porque, considerando Cristo com seu pensamento humano e terreno, julgava infame e indigno do Filho de Deus passar pelo sofrimento. Por isso diz o Senhor que ele não pensa as coisas de Deus, mas as dos homens” [2].
De fato, repreendendo São Pedro, diz Jesus, com dureza: “Vai para longe, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!” O apóstolo, iluminado pela graça, confessou a fé; mas, tomado pela prudência humana, agiu como inimigo de Deus. São Jerônimo comenta que quem quer que, olhando para a própria vontade, não quer “que o grão de trigo caia sobre a terra”, contrariando a vontade de Deus, merece o nome de Seu inimigo. E, “porque a palavra Satanás significa adversário ou inimigo, não se cria, no entanto, que Pedro foi condenado da mesma maneira que Satanás” [3]: não é que Pedro estivesse “possesso”; pensando “as coisas dos homens”, no entanto, ele se opôs às “coisas de Deus”.
São Paulo, fazendo eco à repreensão de Nosso Senhor, escreve, em sua Primeira Carta aos Coríntios:
“O homem não-espiritual não aceita o que é do Espírito de Deus, pois isso lhe parece loucura. Ele não é capaz de entendê-lo, porque só pode ser avaliado pelo Espírito. Ao contrário, o homem espiritual julga tudo, mas ele mesmo não é julgado por ninguém. Pois quem conheceu o pensamento do Senhor, de maneira a poder lhe dar conselho?Nós, todavia, temos o pensamento de Cristo.” [4]
O Apóstolo traça um paralelo entre o homem físico (ψυχικὸς) e o homem espiritual (πνευματικῶς). Aquele age baseado em sua cautela humana; este, baseado na virtude sobrenatural da prudência, que consiste, segundo o ensinamento dos Santos Padres e dos escolásticos, em escolher os meios adequados para chegar a determinado fim. Nosso Senhor indica que, para alcançar a salvação, é preciso prescindir dos cuidados humanos e tomar o caminho da Cruz: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”.
Com isso, Cristo ensina que, na busca dos bens eternos, é preciso usar os meios indicados por Deus, ao invés daqueles que pensamos serem os mais adequados. Ora, todo mundo quer ser feliz, mas nem todas as pessoas procuram a felicidade pelos meios corretos: muitos, de fato, pensam que serão felizes se tiverem bem-estar, saúde ou muito sucesso. Também os apóstolos são assaltados por esta tentação, de buscar a bem-aventurança já para este mundo, como se o Reino prometido por Jesus fosse simplesmente terreno: no caminho para Jerusalém, por exemplo, Tiago e João pedem ao Senhor que lhes conceda um lugar, em Sua glória, um à sua direita e outro à sua esquerda [5].
O ensinamento de Jesus é bem claro. Para chegar à glória, é necessário primeiro beber o cálice que Ele bebe, isto é, o do sofrimento e da morte, sabendo que, por trás de cada cruz, há uma ressurreição escondida.
Este ano, por exemplo, as coisas certamente não têm acontecido da forma como havíamos planejado. Deus, em sua providência, tem disposto o nosso coração à provação, permitindo que carreguemos inúmeras cruzes. Como vamos reagir diante delas? Podemos encará-las a partir de um entendimento puramente natural, enxergando finalidades naturais e buscando utilizar meios também naturais; mas também podemos, iluminados pela graça, viver esta vida com os olhos voltados para o Céu, conscientes de que viemos a este mundo para glorificar e amar a Deus e este é o fim último de nossa existência. “Uma só coisa necessária” [6]: de fato, não estamos aqui para realizar os nossos caprichos ou os nossos planos, mas tão somente para cumprir a vontade de Deus.
Saiamos de nosso mesquinharia, deixemos o nosso olhar mundano e demos o passo definitivo rumo ao homem espiritual, carregando com coragem a nossa Cruz e tendo bem fixa a direção para a qual caminhamos: a vida eterna.
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