Com este vídeo, iniciamos uma série de orientações espirituais para auxiliar as pessoas a viverem esse período crítico decorrente da pandemia do novo coronavírus. Antes disso, devemos assumir a atitude do verdadeiro fiel católico, sem cair no fideísmo nem no racionalismo, heresias já condenadas pela Igreja (Concílio Vaticano I, s. 3, c. 4, cân. 2 e 3).
Para isso, precisamos recordar que a nossa inteligência é iluminada por duas luzes: a luz natural da razão e a luz sobrenatural da fé. São João Paulo II, no preâmbulo da Carta Encíclica Fides et Ratio, exprimiu muito bem esse equilíbrio fundamental por meio da seguinte metáfora: “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade”.
Diante da pandemia atual, percebemos diversos posicionamentos desequilibrados que demonstram a tentativa de voar com apenas uma das asas: seja a de uma razão soberba que presume poder explicar tudo; seja a de uma “fé” irracional que nega o conhecimento científico e as evidências factuais.
Nesse contexto, iluminados pela luz natural da razão e pela luz sobrenatural da fé, nós, católicos, devemos, sim, buscar compreender o que de fato está acontecendo e tomar as medidas de prevenção contra a propagação do vírus; mas também precisamos ter um olhar sobrenatural sobre tudo isso e suplicar a intervenção misericordiosa de Deus.
Quanto ao último aspecto, é imprescindível que nos dediquemos de forma persistente à oração, “para implorar a Deus todo-poderoso a cessação da epidemia, o alívio dos que estão aflitos e a salvação eterna de quantos o Senhor chamou à sua presença” (Decreto da Penitenciaria Apostólica de 19 de março de 2020).
Por outro lado, sabendo pela luz natural da razão que o vírus é transmitido pelo contato físico, não podemos promover aglomerações, pois seria não só uma atitude imprudente e irresponsável como um ato irracional de desafiar e tentar a Deus. Por isso, a orientação geral em várias dioceses do mundo é que se evitem aglomerações, de modo que a Santa Missa, por exemplo, não seja celebrada publicamente durante o período de quarentena.
Embora muitas pessoas não concordem com a medida, parece o mais sensato a ser feito, uma vez que manter as celebrações públicas constituiria uma falta de caridade para com os mais idosos e com os que se enquadram no grupo de risco, na medida em que estariam ainda mais sujeitos ao contágio de um vírus que, para eles, pode ser letal.
Santo Tomás nos ensina que, diante de um flagelo, precisamos crescer na virtude e no amor sobrenatural a Deus, que também se manifesta na caridade e no cuidado com os irmãos. Dessa perspectiva, são insensatas as bravatas nas redes sociais em que se acusa a Igreja de acovardamento, equiparando a situação atual à de São Gregório Magno, que, diante da praga romana de 590, ordenou uma procissão pública, com cânticos e ladainhas, para aplacar a ira divina.
Embora esse fato histórico seja emblemático, a luz da razão nos indica que S. Gregório Magno, na sua santidade, agiu não apenas segundo o que julgou mais prudente, mas sob inspiração divina. Não se deve perder de vista, ademais, que o santo não possuía conhecimento exato de como a peste era transmitida nem do que se deveria fazer para contê-la. Nós, porém, sabemos como é transmitido o novo coronavírus e quais medidas de prevenção devem ser adotadas.
Nesse sentido, os decretos de suspensão das Missas públicas são perfeitamente racionais [1], embora alguns utilizem um fraseado bastante “naturalista” e censurável. A questão fundamental agora é tomar as medidas necessárias, alicerçados sobre a fé e a razão. Sabendo como o vírus é transmitido, devemos combater sua propagação. A Igreja, ao decidir que as Missas sejam celebradas apenas de forma privada, não está sendo covarde nem deixando de ser mãe. Por prudência e caridade, temos de viver a quarentena que nos foi imposta, sabendo que, mesmo sem poder participar da santa Missa, podemos sempre nos unir em oração aos sacerdotes que atualizam privadamente o sacrifício do Calvário.
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