Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 20, 20-28)
Naquele tempo, a mãe dos filhos de Zebedeu aproximou-se de Jesus com seus filhos e ajoelhou-se com a intenção de fazer um pedido. Jesus perguntou: “O que tu queres?” Ela respondeu: “Manda que estes meus dois filhos se sentem, no teu Reino, um à tua direita e outro à tua esquerda”. Jesus, então, respondeu-lhes: “Não sabeis o que estais pedindo. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber?” Eles responderam: “Podemos”. Então Jesus lhes disse: “De fato, vós bebereis do meu cálice, mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. Meu Pai é quem dará esses lugares àqueles para os quais ele os preparou”.
Quando os outros dez discípulos ouviram isso, ficaram irritados contra os dois irmãos. Jesus, porém, chamou-os e disse: “Vós sabeis que os chefes das nações têm poder sobre elas e os grandes as oprimem. Entre vós não deverá ser assim. Quem quiser tornar-se grande, torne-se vosso servidor; quem quiser ser o primeiro, seja vosso servo. Pois, o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos”.
Por ocasião da festa de S. Tiago Maior, Apóstolo, vale a pena considerar em particular dois versículos do Evangelho de hoje:
1) V. 22. “Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber?”, quer dizer, a) é pela paixão e cruz que hei-de entrar em meu reino; logo, também a vós, se nele quereis entrar, é necessário percorrer o mesmo caminho. Como diz S. Bernardo (Serm. 11, ex parvis), Cristo, “qual piedoso e louvável médico, toma primeiro o remédio que preparava para os seus, isto é, suportou paixão e morte, e assim alcançou a saúde da imortalidade e impassibilidade, ensinando aos seus a beberem com confiança do mesmo remédio, que produz salvação e vida”. — b) Como assinalam alguns intérpretes, por catacrese Cristo chama à sua paixão cálice, e a causa disto é que o Senhor de tão bom grado e com tanta vontade aguardava a paixão, que a ela se submeteu como quem entorna, sedento, um copo de vinho. No entanto, dado que Cristo diz “podeis beber”, e não “quereis beber”, é preferível entender a expressão de forma geral, segundo o uso corrente que dela fazem as Escrituras, ou seja, para significar a sorte, boa ou má, que Deus reserva a cada homem. — c) Autores como S. Cipriano, porém, interpretam o cálice como símbolo do martírio: “Aproxima-se uma batalha mais grave e feroz”, escreve ele, “para a qual se devem preparar com força renovada os soldados de Cristo, considerando que tomam diariamente o cálice do Sangue de Cristo a fim de se tornarem, também eles, capazes de derramar por Cristo o próprio sangue”. — d) Outros, levando em conta o acréscimo de S. Marcos: “Podeis […] ser batizados no batismo em que eu vou ser batizado?” (Mc 10, 36), afirmam que Cristo, após ter chamado cálice à sua paixão, a designa depois com a metáfora do batismo, porque nela se quis submergir por completo, isto é, ser morto. Assim, pois, Cristo chama à sua paixão batismo, já que graças a ela fomos purificados e santificados, efeitos que o batismo realiza em nós em virtude da paixão e morte redentoras do Senhor.
2) V. 23. “De fato, vós bebereis do meu cálice”. a) Trata-se de um oráculo de Cristo acerca da paixão e martírio de S. João e S. Tiago. Este, com efeito, pregando o Evangelho com mais fervor que os outros Apóstolos, foi o primeiro a ser martirizado, morrendo à espada por ordem do rei Herodes (cf. At 12, 1-2). Também João bebeu do cálice do Senhor, quando em Roma, diante da Porta Latina, o imperador Domiciano o meteu num tacho de óleo fervente, do qual saiu o discípulo amado mais vivo que dantes, tornando-se assim mártir em vida, à espera de que fosse o próprio Senhor, e não um perseguidor, que lha arrebatasse. Além disso, Prócoro e S. Isidoro narram que S. João teria bebido um copo de veneno, preparado por alguns inimigos seus, mas que ele nada teria sofrido. Seja como for, pode-se dizer que toda a vida de S. João foi uma contínua paixão e um contínuo martírio: viveu ele por longos anos, vindo a morrer depois de todos os Apóstolos, por volta de 101 d.C., quase 70 anos após a morte de Cristo. Não há dúvida, portanto, de que tão longa ausência de seu amado Senhor, por quem tanto suspirava, foi-lhe um martírio prolongado. — b) Neste versículo, enfim, podemos também ver uma afirmação de que todos nós, sejamos cristãos ou não, teremos de passar por alguma paixão e cruz: os que forem incrédulos, a sofrerão sem nada entenderem, com impaciência e murmurações; os que porém se mantiverem fiéis, a padecerão com fruto, unindo aos de Cristo os próprios sofrimentos e, por Ele, entrando na glória da Ressurreição (cf. S. João Paulo II, Carta Apostólica “Salvifici doloris”, de 11 fev. 1984, n. 26) [1].
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