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Jesus volta a sofrer na Missa?

Na Missa, Jesus não volta a sofrer as dores do Calvário, senão que renova o mesmo ato de amor com que outrora, pela efusão do seu Sangue, Ele se ofereceu ao Pai pelo gênero humano, a fim de nos arrancar do poder das trevas e transportar-nos ao seu Reino de luz.

Texto do episódio
10

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 24,35-48)

Naquele tempo, os discípulos contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão. Ainda estavam falando, quando o próprio Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: “A paz esteja convosco!”

Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma. Mas Jesus disse: “Por que estais preocupados, e por que tendes dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! Um fantasma não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho”.

E dizendo isso, Jesus mostrou-lhes as mãos e os pés. Mas eles ainda não podiam acreditar, porque estavam muito alegres e surpresos. Então Jesus disse: “Tendes aqui alguma coisa para comer?” Deram-lhe um pedaço de peixe assado. Ele o tomou e comeu diante deles. Depois disse-lhes: “São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos”.

Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, e lhes disse: “Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso”.

Estamos na quinta-feira da Oitava da Páscoa, e o Evangelho de hoje é a continuação do Evangelho dos discípulos de Emaús. Os discípulos voltam para Jerusalém e ali encontram os Onze discípulos, que recebem a notícia. O início do Evangelho, no entanto, é especialmente significativo para uma quinta-feira, a quinta-feira da Oitava da Páscoa, onde temos de nos recordar, claro, da presença do Ressuscitado na Eucaristia.

O Evangelho inicia assim: “Naquele tempo, os discípulos contaram o que tinha acontecido no caminho e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão”. Ontem nós meditamos sobre a presença de Jesus nas Sagradas Escrituras, quando meditamos as Escrituras no caminho; hoje, gostaríamos de focalizar essa presença de Cristo na Eucaristia, no partir do pão, ou seja, na celebração da santa Missa, porque em todas as Missas temos a presença real do Ressuscitado.

Claro, a consagração em si, a consagração do pão e do vinho, é a renovação do sacrifício da cruz de forma incruenta, ou seja, sem derramamento de sangue. Mas a presença de Jesus ali é a presença do Ressuscitado, ou seja, em momento algum Jesus está presente na Missa como padecente na cruz. É um pouco difícil captar essa ideia, mas vamos lá, coragem, porque é a Oitava de Páscoa e temos de ver essa presença do Ressuscitado.

No ato da consagração na Missa, “Isto é o meu Corpo, isto é o meu Sangue”, é renovado o sacrifício da cruz; mas, nos recorda o Papa Pio XII, que na renovação desse sacrifício Jesus não sofre mais. O que há ali é o mesmo ato de amor, ou seja, aquele da cruz, porque é o mesmo oferente, o mesmo sacerdote, que é Jesus; e a mesma oferenda, que é Ele que se oferece a si mesmo; no entanto, a forma de oferecer é diferente: sem sofrimento.

Por isso, as pessoas ficam um pouco confusas: a cruz é o sacrifício do Calvário renovado, sim ou não? Sim, mas não é o sofrimento de Cristo renovado. É importante recordar isso. Por quê? Porque Lutero ficava escandalizado e dizia: “Mas se a Missa é o sacrifício da Cruz, como vocês, padres, têm coragem de celebrar Missa para fazer Jesus sofrer? Então é melhor não celebrar Missa! Se você vai celebrar Missa para fazer Jesus sofrer e oferecer Jesus novamente em sacrifício, isso é um ato sacrílego!”

Essa era a objeção de Lutero, que não entendia o mistério eucarístico. Nós recebemos da fé da Igreja esta certeza: o ato de amor do Calvário está presente na Missa, o mesmo sacrifício, sim, porque é o mesmo oferente e a mesma oferenda, portanto o mesmo sacrifício de amor infinito. Mas, na Missa, Jesus não sofre; na Missa, Ele está presente ressuscitado.

Portanto, essa presença do Ressuscitado deve ser reconhecida por nós na fé. Os discípulos reconheceram Jesus ressuscitado ao partir o pão. Na próxima Missa de que você participar reconheça isso: está lá o Calvário, o mesmo sacrifício de amor, mas está lá o Ressuscitado, uma presença gloriosa e bendita, atrás da aparência do pão e do vinho; mas é Ele, o Ressuscitado, aquele que apareceu aqui no Cenáculo aos Doze e disse: “A paz esteja convosco. Por que estais preocupados? Por que tendes dúvidas no coração? Sou eu mesmo!”

* * *

Cristo manifesta-se aos Apóstolos na ausência de Tomé (Lc 24,36-42; Jo 20,19-25). — V. 36. Enquanto falavam estas coisas (João: como fosse tarde, οὖν ὀψίας = tempo vespertino, e as portas estivessem fechadas), apresentou-se Jesus no meio deles e disse-lhes: A paz seja convosco. Sou eu, não tenhais medo [1]. “Com razão agora lhes deseja a paz, a fim de que os que ficaram abalados e perturbados pela morte de seu Senhor e por medo aos judeus fossem renovados por sua ressurreição e presença, e soubessem agora que a verdadeira paz enfim foi dada aos homens por sua morte e ressurreição” (Jansênio).

V. 37s. Mas eles, turbados (θροηθέντες, em muitos manuscritos se lê πτοηθέντες = aterrorizados) e espantados, julgavam ver algum espírito (em alguns manuscritos se lê φάντασμα = espectro, fantasma). Jesus disse-lhes: Porque estais turbados, e que pensamentos são esses que vos sobem aos corações? (hebraísmo para: “Por que revolveis em vossas almas pensamentos inquietos?”).

V. 39s. Olhai para as minhas mãos e pés (João: as mãos e o lado), isto é, para a cicatrizes das chagas, e compreendei que sou eu mesmo, e se não é suficiente ver minhas mãos e meus pés, apalpai e tocai-os, se quiserdes, e vede, porque um espírito não tem carne, nem ossos, como vedes que eu tenho. Daqui se infere que o Senhor preservou as cicatrizes dos cravos após a ressurreição.

V. 41s. Mas, não crendo eles ainda pela alegria que sentiam e estando fora de si (assim conforme o texto gr.; “o que causa muita alegria dificilmente é crível”, Santo Agostinho, In Ps. 147, n. 17: PL 37,1927), comeu diante deles uma porção de peixe assado e de favo de mel [2], o que há de entender-se como verdadeira manducação, embora não como verdadeira nutrição; “não é o poder mas a necessidade de comer e de beber que perdem tais corpos [glorificados]” (Santo Agostinho, De Civ. Dei XIII, 22: PL 41,395).

V. 43. E como tivesse comido diante deles, tomando as sobras, deu-lhas (assim na Vg; em gr., “e, tendo-as recebido, comeu”) [3]. Em outras palavras: “Tendo-os tomado, comeu-os à vista deles”, para que os discípulos pudessem dizer: Deus ressuscitou-o ao terceiro dia e fez que se manifestasse… às testemunhas que Deus tinha escolhido antes, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressuscitou dos mortos (At 10,40s).

Monições de Cristo antes da ascensão (Lc 24,44-49). — V. 44. E depois, naqueles dias, disse-lhes: ‘São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco em corpo passível: era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos sobre mim, isto é, em todo o AT, que nestas três partes era dividido desde o séc. II a.C. Os salmos são citados em nome de todos os Kethubhim, isto é, os Hagiógrafos, porquanto é o livro principal desta seção.

V. 45s. Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, isto é, deu-lhes o carisma de encontra o verdadeiro sentido da Escritura e, acima de tudo, para que compreendessem que a paixão de Cristo e suas principais circunstâncias forma vaticinadas na Escritura, como se colige do que segue: Assim está escrito: o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia.

Quais testemunhos eram esses, seria longo responder; falam sobretudo da paixão Is 53 e Sl 21; da ressurreição, Sl 15, especialmente o v. 10, citado por São Pedro e São Paulo (cf. At 2,31; 13,35), e o tipo de Jonas.

V. 47s. Abriu-lhes o sentido para que entendessem não só a paixão dele, mas também o fruto da paixão, a saber: a salvação do mundo, prenunciadas nas Sagradas Escrituras: com efeito, está escrito ser necessário anunciar em seu nome a penitência (isto é, a conversão) e a remissão (isto é, para a remissão) dos pecados a todas as nações. A isso se referem todas as profecias sobre a admirável extensão do reino messiânico; nem é improvável que Cristo tenha apontado também para os vaticínios que prenunciavam a santidade e a justiça do Messias. — Começando (ἀρξάμενοι, construção anacolútica) por Jerusalém. Devia ter início em Jerusalém a pregação evangélica porque isto fora prometido mais de uma vez (cf. Sl 109,2; Is 2,2s; 28,16 etc.), e Cristo veio ao mundo como Redentor de todos os homens, mas também como Filho de Davi e Salvador dos judeus. — Vós sois (isto é, sereis) testemunhas de tudo isso, a saber: do cumprimento dos vaticínios.

* * *

Jesus aparece aos discípulos reunidos [4].Ponto 1. — “Na tarde do mesmo dia, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam” (Jo 20,19). Deus tarda em visitar as almas indispostas. Não criam ainda os Apóstolos, apesar dos vários anúncios da Ressurreição que lhes enviara o Senhor para os dispor e lhes acender o desejo de o ver. E porque tardaram os discípulos em se dispor, por isso os visitou Jesus apenas na tarde de domingo. Para que te visite Deus, dispõe-te devidamente. “Tinham fechado as portas”. Deus não entra no coração, se encontra abertas as portas dos sentidos. Pois o espírito se dissipa quando não se guardam os sentidos, por onde entram e saem à vontade os afetos das criaturas. Guarda pois as portas do teu coração.

 Ponto 2. — “Jesus veio e pôs-se no meio deles” (Jo 20,13), para que fosse visto de todos como Guia, Mestre, Pastor e Protetor. Onde dois ou três se reúnem em seu nome, ali está presente Jesus. Reúne, portanto, as potências de tua alma na oração e fecha as portas dos sentidos, e logo te fará presente o Guia, para cumprires teus propósitos; o Mestre, para te nutrires de sólidas verdades; o Pastor, para te consolar neste vale de lágrimas; o Protetor, para te amparar contra os teus inimigos. E porque Cristo ama e tem direito a estar no centro: “Pôs-se no meio deles,”, dá-lhe em teu coração o lugar de honra, de modo que não estimes, ames nem temas nada mais do que a Cristo: Christo nihil praeponere.

Ponto 3. — “E lhes disse: “A paz esteja convosco! Por que estais preocupados? Sou eu” (Lc 24,36.38-39). Tudo são palavras de consolo. “A paz esteja convosco”, paz que Ele já havia prometido e acabara de merecer com sua Paixão. Deus é Deus da paz. Que estejas pois em paz com Ele, pela conformidade de tua vontade com a divina; com o próximo, por uma caridade paciente, bondosa, sem inveja (cf. 1Cor 13,4); e contigo mesmo, pela mortificação de tuas más inclinações. “Sou eu”, acrescenta São João Crisóstomo, “que vos chamei pela graça, escolhi pelo perdão, suportei com piedade, carreguei por caridade, e agora acolho por pura bondade” (Serm. 81). Diz, ó Cristo, também à minha alma: “Sou eu”, e “se todo um exército se acampar contra mim, não temerá meu coração” (Sl 26,3).

Oração. — Ó Deus, de quem procedem os desejos santos, os conselhos retos e as obras de justiça, dai aos vossos servos aquela paz que o mundo não pode dar; para que, dedicados os nossos corações à prática dos vossos mandamentos e afastado o medo dos inimigos, os tempos se conservem tranquilos sob a vossa proteção. Amém.

Notas

  1. As palavras “Sou eu, não tenhais medo” faltam no texto gr., excetuados uns poucos códices. Leem-se porém na Vg e nas versões síria, armênia e etiópica e em obras de Taciano, Santo Ambrósio e Santo Agostinho. Talvez sejam um excerto de Jo 6,20 ou de Mt 14,27.
  2. As palavras “favo de mel” (lt. favum mellis) são omitidas pelos editores do NT.
  3. As palavras “deu-lhes as sobras” (lt. reliquas dedit eis) são omitidas em vários códices gregos, mas constam das versões Vg, síria, armênia, etiópica etc. Os editores do NT as omitem igualmente.
  4. Tradução adaptada de Nicolaus von Avancini, Vita et doctrina Jesu Christi, apud Joannem Blaeu, & viduam Alex. Harttung, 1673, p. 202s.

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