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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 9, 1-8)

Naquele tempo, entrando em um barco, Jesus atravessou para a outra margem do lago e foi para a sua cidade. Apresentaram-lhe, então, um paralítico deitado numa cama. Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico: “Coragem, filho, os teus pecados estão perdoados!”

Então alguns mestres da Lei pensaram: “Esse homem está blasfemando!” Mas Jesus, conhecendo os pensamentos deles, disse: “Por que tendes esses maus pensamentos em vossos corações? O que é mais fácil, dizer: ‘Os teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te e anda’?

Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar pecados, — disse, então, ao paralítico — “Levanta-te, pega a tua cama e vai para a tua casa”. O paralítico então se levantou, e foi para a sua casa. Vendo isso, a multidão ficou com medo e glorificou a Deus, por ter dado tal poder aos homens.

Com grande alegria iniciamos o mês de julho, dedicado ao Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. No calendário antigo, celebrava-se hoje a festa do Preciosíssimo Sangue, que no rito novo pode ser celebrada com uma Missa votiva do Precioso Sangue de Nosso Senhor. Mas o que estamos celebrando, afinal? Comecemos pela expressão. Precioso é aquilo que tem preço, geralmente elevado, é o que tem valor e, portanto, não é gratuito: há que pagar por ele alguma coisa. Ora, fomos resgatados da morte eterna, dos nossos pecados, do poder que o demônio tinha sobre nós, não com o sangue de bodes e de touros, mas com o preço do Sangue de Cristo, que não é um preço baixo. É preciosíssimo. A primeira coisa que temos de compreender é que a devoção ao Preciosíssimo Sangue está ligada ao mistério da Paixão, ou seja, ao fato de que, pela cruz de Cristo, o mundo foi redimido. Vamos além. O que quer dizer a palavra “redimido”? “Redimido” quer dizer “comprado de volta”. É como se fôssemos escravos alforriados porque alguém pagou o nosso preço. Estávamos no mercado, à venda como escravos, condenados a uma vida miserável, mas um benfeitor bondoso apareceu e nos comprou, não para que continuemos escravos, mas para nos dar a liberdade. Foi isso o que Jesus Cristo fez por nós: Ele nos veio redimir. Mas o que tudo isso quer dizer, no fim das contas? Antes de tudo, que Deus nos amou com amor infinito. O amor de Deus chegou aos limites do que, aos olhos humanos, pode até parecer uma loucura. Sim, uma loucura. Pensemos bem. Quem de nós teria tanto amor por um animal de estimação, a ponto de dar a vida e morrer por ele? A qualquer pessoa que agisse nós chamaríamos de louca. Afinal, uma vida humana é preciosíssima se comparada com a de qualquer animal irracional. Ora, Deus é Deus e nós, pobres criaturas; ainda mais, criaturas pecadoras. Não merecemos que Deus nos venha resgatar. No entanto, o amor de Deus por nós não encontrou limites nem fronteiras. Por isso Ele fez por nós loucuras de amor. É uma adaptação das palavras de São Paulo, que se refere à cruz de Cristo como a sabedoria de Deus, mas que é loucura para os homens.

Para algumas pessoas, é difícil crer no Evangelho, não porque ele seja incompreensível, mas porque ele é bom demais. O Evangelho traz uma notícia tão boa, que chega a ser incrível. Sim, é incrível que Deus infinito, de poder e majestade soberanos, aquele que rege o universo, por quem e para quem todas as coisas existem, tenha vindo a este mundo por nós, para nos amar entregando a própria vida. Diante disso, como não cair de joelhos em gratidão e adoração? Eis o grande mistério que celebramos: Deus pagou um o inimaginável para nos resgatar. Tal foi o amor dele por nós, que não encontrou limites. Deus nos amou em Cristo Jesus. Meditar sobre o Precioso Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, portanto, é olhar para o preço pago por Deus em resgate da nossa miséria, a fim de que pudéssemos participar de sua divindade. Há mais, porém, porque o Sangue de Cristo, o preço maravilhoso pago por Deus, se tornou ainda outra realidade: tornou-se para nós, na Eucaristia, bebida espiritual, alimento celeste. Na comunhão, mesmo que recebamos somente a espécie do pão, sem beber do cálice sagrado, recebemos o Cristo todo, Christus totus, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Esse Sangue é uma verdadeira bebida, é a caridade de Deus derramada em nossos corações para incendiar nossas almas. Na Eucaristia, com efeito, recebemos a força para amar de volta aquele que tanto nos amou. Por isso, o Preciosíssimo Sangue nos fala não somente do amor de Deus por nós, mas também do amor que Ele mesmo quer nos dar para que o amemos de volta. Para isso Ele se fez alimento e bebida. Se é maravilhoso que Deus nos ame, o que não será que Ele queira que a nossa miséria seja transformada a ponto de amá-lo como Ele mesmo ama! Sim, Deus se dá a nós por amor para nos dar o amor com que Ele quer ser amado! São esses os pensamentos e mistérios maravilhosos que nos acompanharão durante o mês de julho, mês do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mergulhemos nesses mistérios que nos alimentam e são para nós caminho de salvação. 

* * *

1. Explicação do texto. — O Evangelho de hoje apresenta a cura de um paralítico. Segundo Marcos, o episódio teve lugar em Cafarnaum: Jesus entrou novamente em Cafarnaum, cidade em que vivia, e souberam que ele estava em casa (2, 1), não se sabe se na sua própria ou, possivelmente, na de Simão Pedro. Reuniu-se uma tal multidão, continua o evangelista, que não podiam encontrar lugar nem mesmo junto à porta (2, 2), isto é, a casa estava tão abarrotada, que era preciso ficar do lado de fora para poder ver e ouvir Jesus. Este os instruía, e o poder de Deus o fazia realizar várias curas (cf. Lc 5, 17). Ora, como não pudessem entrar na casa devido à multidão, quatro amigos que traziam consigo um paralítico treparam ao teto e, arrancadas as telhas [1], desceram o doente pela abertura deitado num leito (κράβατος, palavra macedônica para liteira vulgar) e o puseram diante de Jesus (cf. Lc 5, 18s; Mc 2, 4). Vendo-lhes a fé e a confiança em seu poder, o Senhor disse ao paralítico [2]: Filho, perdoados te são os pecados (Mc 2, 5; cf. Lc 5, 20), isto é, acabou a causa que deu origem à tua enfermidade.

Ora, alguns escribas e fariseus que assistiam à cena escandalizaram-se diante da aparente blasfêmia, já que só Deus — murmuravam entre si — tem o poder de perdoar pecados, pois só o próprio injuriado pode desculpar das injúrias. Jesus, porém, penetrando-lhes o pensamento, repreendeu-os duramente: Por que murmurais em vossos corações? (Lc 5, 22) ou, como se lê em Marcos: Por que pensais isto em vossos corações? (2, 8), isto é, por que pensais mal de mim, atribuindo-me más intenções? O que é mais fácil dizer: Teus pecados estão perdoados, ou dizer: Levanta-te e anda? (Lc 5, 23). Cristo lhes pergunta não o que é mais fácil fazer, mas saber. De fato, parecia-lhes mais fácil dizer: Os teus pecados te são perdoados porque ninguém poderia saber com certeza se os pecados haviam sido perdoados; o que era realmente difícil era dizer: Levanta e anda porque, se Jesus não possuísse de fato autoridade divina, ficaria claro perante todos que se tratava de um impostor e falso profeta. Por isso, para que saibais que o Filho de homem [3] tem esse poder, ou seja, o de perdoar pecados, vede o que posso fazer (disse ao paralítico): Levanta-te, pega o leito e vai para casa (Lc 5, 24) [4]. O doente levantou-se no mesmo instante, o que encheu a todos de profunda admiração, a ponto de dizerem: Nunca vimos coisa semelhante (Mc 2, 12) e Hoje vimos coisas maravilhosas! (Lc 5, 26) [5].

2. Pontos de meditação.a) Sentido simbólico da cura: “A cura deste paralítico indica a salvação da alma que, inerte após passar muito tempo atada aos pecados da carne, clama por fim a Cristo. Esta alma, antes de tudo, precisa de ministros que a elevem e apresentem diante de Cristo, ou seja, de bons mestres que lhe infundam a esperança de ser curada e que lhe sirvam de intercessores” (São Beda, In Luc.) — b) Os quatro amigos: “Todo doente deve ter quem reze por sua salvação, intercessores pelos quais os nossos excessos e desvios possam ser remediados pela palavra celeste. É preciso pois que haja quem aconselhe e advirta, quem eleve o coração dos homens às coisas superiores, ainda que eles estejam debilitados no corpo. É assim, com a ajuda de homens como estes, que podemos nos apresentar e humilhar facilmente diante de Jesus e comparecer com menos indignidade ante os seus olhos” (Santo Ambrósio). — c) Devem-se curar primeiro as doenças do espírito: “O olhar de Jesus, ao ver neles tanta fé, perdoou primeiro os pecados ao doente, e depois lhe restituiu a saúde ao corpo; entrementes, ensinava Ele que muitas doenças têm origem no pecado e que convém, portanto, curá-las diretamente em sua causa […] e mostrava, assim, que era Deus. Pois curar enfermidades corporais, também os santos o podem fazer; perdoar pecados, no entanto, só está ao alcance de Deus” (Eutímio, In Matt.). — d) Toma o teu leito e vai: “Pelo leito, no qual repousa a carne, significa-se a própria carne, ao passo que a casa, por sua vez, representa a consciência […]. Toma o teu leito, isto é, toma o catre em que foste carregado, pois é preciso que, uma vez curado, o homem suporte os ataques da carne na qual antes jazia enfermo. Com efeito, o que significa dizer: Toma o teu leito e vai para tua casa senão: ‘Resiste às tentações da carne, sob as quais até agora estivestes prostrado, e volta à tua consciência, para que vejas assim o que fizeste’?” (São Gregório, Hom. in Ez.). — e) Subiram ao telhado e desceram com o leito: O teto aberto por onde descem o doente é símbolo do céu aberto pelo qual, na Encarnação, desceu o nosso Médico, unido a uma carne como a nossa, mas dotada do poder de curar todas as doenças, espirituais e corporais, graças à virtude divina do Verbo. Renovemos pois a fé na divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e no seu poder de perdoar-nos qualquer pecado, por intermédio dos ministros que instituiu para nos conceder essa graça: Coragem, filho, os teus pecados estão perdoados!f) Coragem, filho: “Ao mesmo tempo se retrata a benignidade de Jesus e sua caridade verdadeiramente divina para com os miseráveis: ‘Ó admirável humildade, que chama filho ao desprezado e débil, desfeito em todos os membros e articulações, em quem os sacerdotes não se dignavam tocar’ (São Jerônimo)” [6].

Referências

  1. Entre os judeus e, de modo geral, entre os orientais, o teto das casas era plano e sólido, feito de terra batida, de forma que era possível andar sobre ele. Podia-se subir lá por uma escada posta no átrio interior ou na parte de fora. Para alguns estudiosos, o teto das casas judaicas não era coberto de tégulas (telhas de barro), mas de pedras, costume comum na Palestina, especialmente nas regiões em que abundavam pedras. Seja como for, o texto parece supor que a abertura feita no teto não foi difícil para os amigos nem perigosa para os que estavam dentro da casa.
  2. R. Cornely, J. Knabenbauer, Fr. de Hummelauer et al., Cursus Scripturæ Sacræ. 3.ª ed., Paris: P. Lethielleux [ed.], 1922, p. 396s: “Quão grande fosse esta fé, mostra-se por aquela tentativa insólita de descer pelo teto aberto um doente e pô-lo aos pés de Jesus. Era grande a fé dos que carregavam, mas também a do doente; do contrário, não teria permitido que o descessem assim. Querem alguns autores restringir a fé que eles tinham somente aos que carregavam [o doente]; mas sem razão, ao que parece. De fato, como Jesus, vendo a fé que eles tinham, faz imediatamente ao próprio doente, com palavras amáveis, um enorme favor, é necessário concluir do modo da narração que Ele falou amavelmente ao paralítico e lhe concedeu o dom mais precioso porque se agradara com a sinceridade e o fervor de sua fé. Ora, a fé aqui significa persuasão sobre o poder e a benignidade de Cristo, das quais nasce a maior confiança. Cristo costuma exigir fé antes de operar milagres; age assim […] não só para recomendar a fé, mas porque é próprio da fé impetrar e conseguir aquilo que crê e espera”.
  3. Este é o primeiro lugar nos sinóticos em que aparece a famosa expressão “Filho de homem”, utilizada 50 vezes (78, se se contam os lugares paralelos) por Cristo e 1 vez por Santo Estêvão (cf. At 7, 55). — a) Forma gramatical. ‘O υιός τοῦ ανθρώπου é a versão literal da locução aramaica bar’enasha, usada frequentemente sem determinativo para significar “homem”. Com artigo significa algum “filho de homem”, isto é, algum homem determinado. (Considerando-se a índole do aramaico, a determinação do artigo não afeta “de homem”, mas apenas “filho”; por isso a tradução correta é “o filho de homem”, e não “o filho do homem”.) — b) Origem. Esta designação de Cristo tem origem em Dn 7, 13s: Eu estava, pois, observando estas coisas durante a visão noturna, e eis que vi um que parecia um Filho de homem, que veio sobre as nuvens do céu; chegou até o Ancião e foi apresentado diante dele. Foram-lhe dados império, honra e reino; e todos os povos, nações e línguas o serviram; o seu império é um império eterno, que não passará, e o seu reino não será jamais destruído. Aquele Filho de homem, para a maior parte dos judeus ortodoxos, é o próprio Messias. — c) Sentido teológico. Jesus usava essa expressão no singular, em parte porque era familiar aos hebreus referir-se a si mesmo na terceira pessoa, em parte porque, com essa inusitada denominação, desejava trazer à memória dos judeus a profecia de Daniel acima referida e, desse modo, insinuar-lhes que era Ele o Filho de homem, isto é, o Messias anunciado pelo profeta. De mais a mais, este título é tão humilde e modesto para designar o Messias, que os Apóstolos e a subsequente tradição da Igreja se abstiveram de usá-lo.
  4. Tomás de Vio Caetano, In Matt. IX, 6: “Responde Jesus à objeção esclarecendo o mistério. Não nega ser próprio de Deus perdoar pecados nem diz abertamente: ‘Eu sou Deus, por isso tenho o poder de perdoar pecados’, mas: ‘Daqui sabereis que o Filho de homem, não somente homem, mas o Filho de homem que está convosco na terra tem o poder de perdoar pecados, e por isso não é apenas homem, não é apenas Filho de homem, mas também aquele que tem o poder de perdoar pecados, o que significa que é Deus, como vós mesmos dizeis, conscientes de que ninguém pode perdoar pecados a não ser Deus’”; v. 7: “A evidência do milagre foi muito maior do que o esperado. Bastava que, por um milagre, o paralítico se levantasse curado, mas foi dito ainda: Pega o teu leito, para que aparecesse não só a saúde, mas também a força para levar o leito no qual fora carregado por quatro homens. E além disso se acrescenta: Vai para casa, a fim de que não só os presentes, mas quantos te virem comprovem a evidência do milagre” (ed. Lyon, 1639, vol. 4, p. 46).
  5. Embora Marcos e Lucas digam que todos se admiraram, é duvidoso que também os escribas e fariseus tenham feito coro aos louvores das turbas, as únicas a que Mateus atribui expressamente essa atitude: Vendo isso, a multidão ficou com medo e glorificou a Deus, por ter dado tal poder aos homens (9, 8).
  6. R. Cornely, J. Knabenbauer, Fr. de Hummelauer et al., op. cit., loc. cit.

Notas

  • A segunda parte do texto (a partir dos três asteriscos) é uma tradução levemente adaptada, com alguns acréscimos e omissões de nossa equipe, de H. Simón, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 4.ª ed., iterum recognita a J. Prado. Marietti, 1930, vol. 1, p. 276ss, n. 181s.

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