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Texto do episódio
01

O amor divino derramado sobre a Igreja. — Antes de subir aos céus, Nosso Senhor pediu aos Apóstolos: “Não vos afasteis de Jerusalém, mas esperai a realização da promessa do Pai, da qual vós me ouvistes falar: ‘João batizou com água; vós, porém, sereis batizados com o Espírito Santo, dentro de poucos dias’” (At 1, 4–5).

Essas palavras de Jesus são para nós um apelo ao recolhimento — como fizeram os doze Apóstolos recolhidos em oração com Maria Santíssima —, a fim de que, nestes nove dias entre a Ascensão e Pentecostes, nos preparemos interiormente para receber o Espírito Santo, cuja missão é a de nos manter unidos a Cristo, como membros do seu Corpo Místico, que é a Igreja.

Essa metáfora da cabeça e dos membros, assim como a da videira e dos ramos, refere-se à realidade sobrenatural de que a alma de Cristo, enquanto caput Ecclesiae, está unida às nossas almas pela ação do Espírito Santo. Esse é o mistério constitutivo da Igreja que, embora tenha uma dimensão jurídica e sociológica, tem um princípio invisível, o Espírito de Cristo, ao qual “deve atribuir-se também a união de todas as partes do corpo tanto entre si como com sua cabeça” (Pio XII, Mystici Corporis, n. 55).

É evidente que, para nos unirmos a Cristo, precisamos estar em comunhão com a Igreja na sua dimensão visível — através dos sacramentos, da reta doutrina e da autoridade magisterial e hierárquica —, mas tal unidade deve estender-se sobretudo ao âmbito sobrenatural e invisível, onde os santos e santas de Deus estão em comunhão com Cristo.

Nessa união sobrenatural, realizada pela ação do Espírito Santo, vai sendo gestado em nós um “homem novo” e, à medida que se aprofunda essa união, percebemos, como São Paulo, a predominância da pessoa de Cristo em nós: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Para que isso ocorra, porém, é preciso tornar-se dependente de Nosso Senhor, vivendo com Ele, por Ele e para Ele.

Aos ouvidos do homem moderno, isso certamente soa como uma postura alienante, pois a moda, hoje em dia, é incentivar as pessoas a terem personalidade, no sentido de que desenvolvam as próprias características sem “depender de ninguém”. É preciso esclarecer, porém, que a personalidade de alguém só é anulada quando se torna dependente de algo que lhe é inferior, coisa que não ocorre no caso da união com Cristo, cuja Pessoa é sumamente superior à nossa, de tal modo que, em vez de anulá-la, leva-a à plena realização de suas potencialidades. Nesse sentido, o verdadeiro desenvolvimento da personalidade ocorre apenas quando a nossa pessoa (persona) humana se torna dependente da Pessoa divina de Nosso Senhor Jesus Cristo, numa profunda união de amor realizada pela ação do Espírito Santo.

Em nossa época, porém, testemunhamos a tragédia espiritual daqueles que, mesmo sendo membros da Igreja visível, nunca se uniram àquele que é Cabeça da Igreja, isto é, nunca o amaram. Só assim, pela ausência de um relacionamento real e concreto com Cristo, é possível explicar o fato lamentável de muitos sacerdotes, seminaristas, religiosos e religiosas (supostos discípulos de Nosso Senhor) defenderem a falácia de que Jesus Cristo não é Deus.

Malgrado muito se fale do amor e da misericórdia de Deus, estes são entendidos de forma muito genérica e imprecisa, como se se tratasse de algo banal e pagão. O amor de Deus, no entanto, não é uma realidade vaga e genérica, visto que ele se manifestou de forma concreta e pessoal em Jesus Cristo. Ele, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, amou o Pai de forma tão perfeita e intensa que a efusão do seu amor, o Espírito Santo, desceu sobre a humanidade — ou, para usar uma metáfora de São João d’Ávila, como uma bala de canhão, “ricocheteou” sobre os homens, a fim de amá-los e curá-los:  

Vemos que, quando um tiro de canhão lança uma bala com muita pólvora e força, se a bala atingir seu alvo e ricochetear, o fará com maior impulso quanto maior for a força que a impele. Assim, pois, se o amor da alma de Cristo levava tão admirável força porque a pólvora da graça que a impulsionava era infinita, quando, depois de ter subido à direita do Pai, ricocheteou para amar aos homens, com quanta força e alegria se dirigiria a eles para amá-los e curá-los? Não há língua nem poder criado capaz de expressá-lo [1].

Por que precisamos do Espírito Santo? — Embora a origem dos problemas da Igreja seja atribuída a fatos históricos pontuais, a verdadeira raiz deles está na perda do sentido sobrenatural das coisas. Há séculos que os membros da Igreja deixaram de ter uma vida de intimidade com Cristo, a qual só é alcançada pela ação do Espírito Santo. Em razão disso, devemos clamar constantemente sua ação sobre a Igreja e sobre nossas vidas.

Na novena de Pentecostes, nós clamamos a vinda do Espírito Santo. No livro do Apocalipse, porém, é o Espírito Santo e a Igreja que clamam a vinda de Cristo: “O Espírito e a Esposa dizem: ‘Vem!’” (Ap 22, 17). Isso ocorre porque, na verdade, existe certa circularidade em nosso relacionamento com Deus.

Primeiro, somos amados por Deus, como descreve a Primeira Carta de São João: “O amor de Deus consiste nisto: Deus nos amou por primeiro” (4, 10). Tendo conhecimento desse amor, a partir da ação do Espírito Santo que leva a Igreja a nos anunciar essa verdade, começamos a ter fé e desejamos nos unir a Jesus a ponto de clamarmos que Ele venha agir em nós, para que nos configuremos a Ele.

Se tivéssemos um exército de homens e mulheres cujas vidas, pela ação do Paráclito, estivessem configuradas a Cristo, nenhuma das ameaças temporais ou espirituais dos últimos tempos assolariam a Igreja.

Por isso, para não sermos arrastados por qualquer vento de doutrinas e para que as portas do inferno não tenham poder sobre a Igreja, precisamos, nesta novena de Pentecostes, clamar a vinda do Espírito Santo sobre nós, porque, através da sua efusão de amor, nossas almas estarão unidas a do nosso divino Esposo e com Ele triunfarão.

Referências

  1. San Juan de Ávila. Tratado del amor de Dios. Cuenca: Universidad de Castilla–La Mancha, 2013, p. 63.
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