Além das tradicionais festas de São João, o mês de junho é também dedicado ao Sagrado Coração de Jesus, cuja festa, embora remonte a tempos imemoriais, foi instituída oficialmente no calendário litúrgico pelo bem-aventurado Papa Pio IX, em 1856. A devoção ao “manso e humilde” Coração de Cristo é de suma importância para o crescimento no amor de Deus e nas virtudes da fé, esperança e caridade. Apesar disso, há ainda quem torça o nariz para essa espiritualidade, rotulando-a de efeminada ou piegas. Como, então, compreender o sentido da devoção ao Sagrado Coração de Jesus?
Para aceitar a doutrina sobre essa festa sagrada, o fiel precisa, antes, implorar a Deus pelo aumento da própria fé. Na Carta aos Efésios, São Paulo pede para que Cristo habite pela fé nos corações dos cristãos, a fim de que, uma vez “arraigados e consolidados na caridade”, eles sejam “poderosamente robustecidos pelo seu Espírito em vista do crescimento do [...] homem interior” (3, 16). Praticando a fé, a alma torna-se mais dócil à vontade de Deus, e Jesus mesmo a transforma, concedendo-lhe um coração informado pela caridade. Afinal, o que Deus deseja é a nossa santificação.
Essa fé exercida permite que a alma contemple “a altura e a profundidade” do amor de Deus, que se manifestou no corpo de Cristo dilacerado na cruz; e, em especial, no Seu Coração, de onde jorrou a água e o sangue dos sacramentos. Segundo a Tradição, o coração é o centro de onde emergem todos os desejos, sentimentos e propósitos do ser humano. Nesse caso, Jesus amou-nos não apenas com amor divino, mas, por sua natureza humana, amou-nos também com amor espiritual e sensível. A Igreja fez questão de afirmar solenemente essa verdade do tríplice amor de Deus contra tantos hereges que, de alguma forma, quiseram negar a união hipostática em Jesus e tudo mais que decorre dessa verdade. Para afastar qualquer dúvida sobre isso, o Papa Pio XII defendeu firmemente que
o amor que se exala do Evangelho, das cartas dos apóstolos e das páginas do Apocalipse, onde se descreve o amor do coração de Jesus, não compreende somente a caridade divina, mas se estende também aos sentimentos do afeto humano. Para todo aquele que faz profissão de fé católica, essa verdade é indiscutível. (Haurietis Aquas, n. 21) (grifos nossos).
O amor sensível do Coração de Jesus diz respeito aos seus afetos. Ele sentiu compaixão, tristeza, angústia, raiva e alegria por amor a nós, a fim de nos redimir inteiramente. Em certo sentido, os afetos de Cristo podem parecer estranhos, mas é preciso lembrar que, contra as ideias do luxurioso Pedro Abelardo, Santo Anselmo enfatizou que o amor humano, o eros, não é, em si mesmo, pecaminoso; ao contrário, o eros bem orientado serve-nos para nos “elevar ‘em êxtase’ para o Divino, conduzir-nos para além de nós próprios” (Bento XVI, Deus caritas est, n. 5). Portanto, “o coração de Cristo, unido hipostaticamente à pessoa divina do Verbo, sem dúvida deve ter palpitado de amor e de qualquer outro afeto sensível” (Haurietis Aquas, n. 22).
E que grande consolo é, para nós, saber que Deus “nos cerca de carinho e proteção” (Sl 124, 2), como um verdadeiro Pai. Não há por que temer os afetos de Cristo, pois “esses sentimentos eram tão conformes e estavam tão em harmonia com a vontade humana... e com o próprio amor infinito que o Filho tem com o Pai e com o Espírito Santo, que jamais se interpôs a mínima oposição e discórdia entre esses três amores” (Haurietis Aquas, n. 22).
A alma humana de Jesus também nos amou profundamente. Na hora da paixão, Nosso Senhor permitiu que toda a agitação dos Seus afetos — medo, angústia, pavor etc. — oprimisse a sua carne para que, com um ato de vontade ainda mais determinado, Ele ordenasse os próprios impulsos e manifestasse totalmente o amor de Deus pela humanidade. Trata-se de uma característica bem humana. Os animais, quando têm alguma dor, não a suportam por algum bem maior, por um sacrifício. Os seres humanos, por outro lado, têm a liberdade da alma para aceitarem sofrimentos com resignação. Por isso, “Jesus Cristo tomou em si a natureza humana perfeita, o nosso corpo frágil e caduco, para nos proporcionar a salvação eterna e manifestar, patentear em forma sensível o seu infinito amor a nós” (Haurietis Aquas, n. 24).
Ademais, Jesus nos amou com amor divino por estar intimamente unido à Trindade Santíssima. Ele é o ungido do Pai, aquele em quem Deus colocou toda a Sua afeição.
Todos esses três amores de Jesus agem, pela fé, em nosso coração, com a finalidade de nos redimir e tornar-nos verdadeiros devotos de Deus. A devoção nada mais é que a expressão sincera de um amor profundo por Deus, sobretudo a devoção ao Seu Sacratíssimo Coração, que “é um ato de religião excelentíssimo, visto exigir de nós uma plena e inteira vontade de entrega e consagração ao amor do divino Redentor, do qual é sinal e símbolo vivo o seu coração traspassado”. Os devotos do Sagrado Coração terminam, eles mesmos, manifestando três amores: o sensível, o racional e o divino, pela unção do Espírito Santo, que faz crescer o nosso homem interior.
Neste mês de junho, portanto, aproveitemos a liturgia da Igreja para implorarmos a Cristo a graça do amor verdadeiro, para que possamos reparar nossas ofensas e louvá-lo de todo coração, pois é do Coração de Cristo que brotam as águas da virtude e da salvação eterna.
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