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Ordenar homens casados: solução ou problema?

Quem critica o celibato e pede seu fim como solução para os problemas da Igreja não percebe que está contaminado por uma visão protestante de sacerdócio, na qual os pastores nada mais são que "funcionários do povo". Mas o que podemos dizer, afinal, desta disciplina da Igreja teológica, espiritual, histórica e pastoralmente?

Texto do episódio
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O celibato sacerdotal é uma realidade de origem apostólica. O Catecismo da Igreja Católica, ao falar dessa disciplina adotada pela Igreja latina, explica que “nas Igrejas orientais vigora, desde há séculos, uma disciplina diferente: enquanto os bispos são escolhidos unicamente entre os celibatários, homens casados podem ser ordenados diáconos e presbíteros" [1]. Ou seja, é a prática do celibato o que vem desde os tempos primitivos; as Igrejas orientais, depois, adotaram uma opção diferente.

Para um estudo histórico aprofundado dessa questão, as obras do Padre Christian Cochini e do Cardeal Alfons Stickler são muito importantes. Tratam-se de pesquisas cujas conclusões foram assumidas recentemente pelo Magistério da Igreja, de modo particular pelo “Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros", da Congregação para o Clero. A nova edição do documento, de 11 de fevereiro de 2013, dedica um longo e elaborado texto para a questão do celibato sacerdotal, fornecendo uma extensa bibliografia para a fundamentação histórica de sua origem apostólica [2].

De fato, foi o próprio Senhor quem instituiu o celibato dos padres. Quando ele diz que “todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos ou campos, por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá como herança a vida eterna" [3], a quem ele refere, senão aos Apóstolos? São Pedro, por exemplo, era casado. Mas, após o seguimento de Cristo, ele confessa: “Olha! Nós deixamos tudo e te seguimos" [4]. No começo, realmente, a Igreja não ordenava apenas celibatários, como o apóstolo João; admitia à Ordem também homens casados, mas, depois que recebiam o sacramento, era costume que vivessem em continência.

Em uma resposta ao texto do jornalista Eugenio Scalfari, do jornal La Reppublica, que atribuiu ao Papa uma declaração inexata sobre a origem histórica do celibato, o cardeal alemão Walter Brandmüller, Presidente do Pontifício Comitê de Ciências Históricas, escreveu um ótimo texto, publicado no Instituto Humanitas [5], no qual confirma o fundamento antiquíssimo dessa disciplina da Igreja.

De lado a questão histórica, é importante propor respostas à campanha ensurdecedora que se têm feito contra o celibato dos padres, como se o relaxamento dessa disciplina fosse capaz de resolver todos os problemas hoje presentes no clero.

Reclama-se, por exemplo, da falta de vocações. Mas, será que a admissão de casados à Ordem resolveria essa questão? No Sínodo dos Bispos de 1990 – do qual saiu a exortação Pastores dabo vobis, do Papa João Paulo II –, quando se começou a debater o celibato, os prelados do Oriente, que têm entre si homens casados ordenados, foram os primeiros a manifestar-se contrários à sua abolição. Isso porque essa aparente solução só transfere os problemas para outro terreno. Na Igreja oriental, por exemplo, as dificuldades em prover o sustento à própria família obrigavam os padres casados a ter outra ocupação, o que os impossibilitava de se dedicarem plenamente ao sacerdócio. Isso sem falar dos problemas matrimoniais a ser resolvidos porque, se é verdade que a vivência do celibato é difícil, a da castidade matrimonial também o é.

Vale lembrar também que, hoje, não só faltam vocações para o sacerdócio, como também para o casamento, tal como foi concebido por Deus. Como bem notou o Papa Bento XVI:

“Num certo sentido, esta crítica permanente contra o celibato pode surpreender, num tempo em que está cada vez mais na moda não casar. Mas este não-casar é uma coisa total, fundamentalmente diversa do celibato, porque o não-casar se baseia na vontade de viver só para si mesmo, de não aceitar qualquer vínculo definitivo, de ter a vida em todos os momentos em plena autonomia, decidir em qualquer momento como fazer, o que tirar da vida; e portanto um 'não' ao vínculo, um 'não' à definitividade, um ter a vida só para si mesmos. Enquanto o celibato é precisamente o contrário: é um 'sim' definitivo, é um deixar-se guiar pela mão de Deus, entregar-se nas mãos do Senhor, no seu 'eu', e portanto é um ato de fidelidade e de confiança, um ato que supõe também a fidelidade do matrimônio; é precisamente o contrário deste 'não', desta autonomia que não se quer comprometer, que não quer entrar num vínculo." [6]

É importante ressaltar, nesse sentido, a contribuição de São João Paulo II, com as suas catequeses sobre a Teologia do Corpo [7]. Antes de entrar no quinto ciclo de catequeses, sobre o sacramento do Matrimônio, o Santo Padre, no quarto ciclo, apresenta o celibato. Fá-lo cônscio de que a virgindade cristã lança uma luz extraordinária na realidade do casamento e que não se pode entender a união entre o homem e a mulher, de acordo com o projeto de Deus, se não se entende a entrega sacrifical da vida celibatária. É que a continência está intimamente associada à autodoação a Deus e ao próximo, realidade visível no Matrimônio.

Quem critica o celibato e pede o seu fim como solução para os problemas da Igreja não percebe que está contaminado por uma visão protestante de sacerdócio, na qual o pastor nada mais é que um “funcionário". Ora, quem é apenas um “empregado da comunidade" não precisa mesmo de celibato. Agora, se se está disposto a doar a própria vida, vivendo em função de Cristo, toda a existência da pessoa deve estar voltada para o sacrifício. Por isso, na Missa, quando um padre pronuncia as palavras da consagração: Hoc est enim Corpus meum, quod pro vobis tradetur, ele não só age in persona Christi, como mostra a sua configuração existencial a Nosso Senhor, que também era celibatário e se entregou pelos homens de modo admirável na Cruz.

Outro problema a que muito se faz referência é a pedofilia. Mas, é preciso entender que o celibato não é a sua causa. O número desses casos terríveis entre padres católicos é – infelizmente, deve-se dizer – estatisticamente igual ao de ministros protestantes casados. O grande defeito está na má formação sacerdotal que é recebida hoje em nossos seminários. A esse propósito, consta, no “Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros", uma lista de coisas que se deve ensinar nos seminários, para que o celibato seja vivido com fidelidade:

“Para guardar com amor o dom recebido, em um clima de exasperado permissivismo sexual, os sacerdotes recorram a todos aqueles meios naturais e sobrenaturais, dos quais a tradição da Igreja é rica. Por um lado, a fraternidade sacerdotal, o cuidado de ter bons relacionamentos com as pessoas, a ascese e o domínio de si mesmo, a mortificação; é também útil incentivar uma cultura da beleza nos vários campos da vida, que auxilie na luta diante de tudo aquilo que é degradante e nocivo, nutrir certa paixão pelo próprio ministério apostólico, aceitar serenamente certo tipo de solidão, uma sapiente e profícua gestão do tempo livre para que não se torne um tempo vazio. Por outro lado, são essenciais a comunhão com Cristo, uma forte piedade eucarística, a confissão frequente, a direção espiritual, os exercícios e os retiros espirituais, um espírito de aceitação das cruzes da vida cotidiana, a confiança e o amor à Igreja, a filial devoção à Bem-aventurada Virgem Maria e a consideração dos exemplos dos sacerdotes santos de todos os tempos." [8]

Alguns argumentam que, por causa dos escândalos, “o mundo já não compreende mais o celibato". Mas, na verdade, o mundo nunca entendeu essa disciplina da Igreja. O documento da Congregação para o Clero cita o exemplo do próprio Senhor, “o qual, indo contra aquela que se pode considerar a cultura dominante do seu tempo, escolheu livremente viver celibatário. Na sua sequela, os discípulos deixaram 'tudo' para realizar a missão que lhes foi confiada" [9]. De fato, eram muitas as acusações que os romanos pagãos faziam aos cristãos porque eles viviam a castidade.

Os padres do Concílio Vaticano II defenderam com veemência a manutenção do celibato sacerdotal – mesmo dizendo que não é exigido “pela própria natureza do sacerdócio", reconheceram que “o celibato harmoniza-se por muitos títulos" com ele [10]. E o Papa Paulo VI escreveu ainda a encíclica Sacerdotalis Caelibatus, reafirmando o valor dessa disciplina apostólica. Sim, é verdade, a questão do celibato continua sendo uma disciplina e, enquanto tal, pode ser mudada. Mas, sem dúvida, seria uma lastimável perda para a Igreja latina.

Referências

  1. Catecismo da Igreja Católica, 1580
  2. Cf. Congregação para o Clero, Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros, 81, nota de rodapé 369
  3. Mt 19, 29; cf. Mc 10, 29; Lc 18, 29-30
  4. Mt 19, 27
  5. Francisco fala, Scalfari transcreve, Brandmüller suspende
  6. Vigília por ocasião da conclusão do Ano Sacerdotal, 10 de junho de 2010
  7. Teologia do Corpo – O amor humano no plano divino | Ecclesiae
  8. Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros, 82
  9. Ibidem, 81
  10. Presbyterorum Ordinis, 16

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