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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 16,5-11)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Agora, parto para aquele que me enviou, e nenhum de vós me pergunta: ‘Para onde vais?’ Mas, porque vos disse isto, a tristeza encheu os vossos corações. No entanto, eu vos digo a verdade: É bom para vós que eu parta; se eu não for, não virá até vós o Defensor; mas, se eu me for, eu vo-lo mandarei. E quando vier, ele demonstrará ao mundo em que consistem o pecado, a justiça e o julgamento: o pecado, porque não acreditaram em mim; a justiça, porque vou para o Pai, de modo que não mais me vereis; e o julgamento, porque o chefe deste mundo já está condenado”.

Nós estamos no Cenáculo e agora, no capítulo 16 — conforme acenado ontem —, Jesus começa a falar do Espírito Santo. Mas todo o ambiente metafórico, ou seja, as comparações que Jesus usa, são comparações que lembram um pouco um tribunal. E, aqui, Jesus mais uma vez fala do Espírito Santo. Ele diz que deve ir. É evidente: ao dizer que Ele vai embora para junto do Pai, isso entristece o coração dos Apóstolos; mas Ele diz: “Porém, acontece o seguinte. Quando eu for para junto do Pai…”. Então, de lá, Ele, o ser humano Jesus, ou seja, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Deus eterno que se fez homem, este ser humano que é uma Pessoa divina, Ele é quem vai nos enviar o Espírito Santo.

Para que Ele vai enviar o Espírito Santo? Para que Ele, como Paráclito, como Advogado, venha em nosso auxílio neste julgamento, e a palavra de comparação, de “julgamento”, se torna cada vez mais clara. Veja o que Jesus diz: “O Espírito do Defensor, eu vo-lo mandarei e, quando ele vier, ele vai demonstrar ao mundo em que consiste o pecado, a justiça e o julgamento”, ou seja, onde está o erro, onde está esse erro corrigido, e o julgamento para que, do estado de injustiça chamado pecado, haja a justiça.

O Espírito Santo vai nos ensinar isso, mas — se isso é nebuloso — Jesus nos ajuda na interpretação dessa sua linguagem. Ele nos ajuda a entender qual é a realidade por trás dessa comparação que Ele está fazendo. É só uma comparação que Jesus está fazendo, mas qual é a verdade que está por trás dela? Bom, Ele explica os três termos.

Primeiro, o pecado: “Porque não acreditaram em mim”. Então, vejam, o não crer em Jesus, a falta de fé, este é o grande pecado. Se nós olharmos o evangelho de São João, é quase incrível que os judeus não tenham tido fé. É algo, assim, absurdo. Nós vemos que eles não creram, mas não creram porque: “Ah! Jesus não apresentou provas suficientes. Jesus não foi paciente, Jesus não demonstrou, Jesus não ensinou direito”. Então, eles não creram por malícia.

O evento mais claro de infidelidade — a palavra “infidelidade” é “não ter fé” (fides) “incredulidade” — foi a ressurreição de Lázaro. Os judeus estavam presentes quando Jesus, no capítulo 11, ressuscitou Lázaro, e no entanto, apesar de terem visto o milagre e de saberem que aquele homem é de Deus, eles planejaram matar Lázaro! Este é o pecado: “Não creram em mim”.

E sejamos bem objetivos: isso não é algo restrito há dois mil atrás. Existe ainda essa malícia no mundo, existe ainda a malícia do “eu não quero crer porque, se eu crer, isso me obrigará a mudar de vida”. Então, você vê claramente que na humanidade, às vezes de uma forma mais clara, às vezes de uma forma mais velada, existe uma necessidade de não crer em Jesus, no Evangelho e naquilo que a Igreja ensina porque, “se eu crer, eu vou ter que mudar de vida”.

Então, o grande pecado é a trapaça que as pessoas realizam dentro de si mesmas. Elas precisam “juntar provas” para mostrar que Jesus tem de estar errado. E, para isso, criam provas. Assim como os judeus do passado criaram suas argumentações loucas, também hoje as pessoas criam desculpas: “Ah! não. Está aqui no Evangelho, sim; mas isso foi um acréscimo da ‘comunidade primitiva’. Isso é a ‘ideologia’ daquela época. Não é o que Jesus disse ‘de verdade’. Nós temos de adaptar tudo porque o negócio aqui é o seguinte: no fundo, no fundo, nós não sabemos o que Jesus falou”.

Como não sabemos?! Sabemos sim. Isso é autoengano, isso é “o” pecado. Jesus chama isso de “o pecado” [1]. “O pecado” é você ver a verdade e precisar a todo custo dizer: “Eu não vejo o que eu estou vendo, eu não vou aceitar, porque senão eu vou ter que mudar de vida”.

Segundo, a justiça: “Eu vou para o Pai”. Jesus foi rejeitado por nós, esse é o pecado. A justiça foi feita por Deus, Jesus foi aceito por Deus. Jesus — que, claro, é Deus que se fez homem, mas cuja humanidade também foi glorificada —, está na glória de Deus, e Deus fez justiça ao injustiçado Jesus, a quem nós matamos.

Terceiro, o julgamento: “Porque o chefe deste mundo já está condenado”, ou seja, o chefe deste mundo e, portanto, todos aqueles que se deixarem chefiar por ele já estão condenados. Quem é o chefe deste mundo? Satanás. Quero recordar qual é o conceito de “mundo” que nós aprendemos ontem: “mundo” não é o mundo criado por Deus. Nesse texto, não significa isso. “Mundo” é aquilo que foi criado por Deus, mas que foi pervertido pelo pecado: pecado de Satanás, pecado dos seres humanos, que são decorrentes do pecado de Satanás. Então, é esse sistema egoístico no qual os seres humanos nascem.

Pois bem, Satanás já foi condenado, e você ainda não foi condenado. Por quê? Porque você ainda tem possibilidade de escolher entre o pecado de rejeitar Jesus e a justiça. O que você irá escolher? “A verdade vos libertará” (Jo 8,32), disse Jesus. Ele não prometeu que a verdade seria agradável. Ela dói porque ela muda nossa vida.

Que Deus lhe dê a graça de abraçar a verdade, rejeitar o pecado e dar glória ao Filho de Deus, que vive na justiça do Céu.

* * *

A ida do Mestre será boa para os discípulos (v. 5-15). — V. 5s. No versículo precedente apareceu o conceito de ausência; daqui se passa naturalmente à iminência da partida, da qual se falou já muitas vezes no sermão (cf. Jo 13,33; 14,2-5.12): Agora, parto para aquele que me enviou, e nenhum de vós me pergunta: Para onde vais? Na verdade, tinham-lho perguntado Pedro (cf. Jo 13,36) e Tomé (cf. Jo 14,5); mas Jesus queixa-se em tom amigável de que os Apóstolos, demasiado abatidos e como que ensimesmados, não insistissem em perguntar, até entenderem perfeitamente para onde ia o Mestre, com que fim, em proveito de quem, com que glória etc. [2]. — Mas… a tristeza encheu os vossos corações: pensando não haver nada melhor do que minha presença física, não entendeis que é à minha glória (cf. Jo 14,28) e à vossa utilidade (cf., infra, v. 7) que se ordena a minha partida.

V. 7. No entanto… é bom para vós que eu parta; se eu não for, não virá até vós o Defensor (cf. Jo 14,26; 15,26); mas, se eu me for, eu vo-lo mandarei, i.e., tal é o decreto da Santíssima Trindade: que primeiro o Filho, e, depois de sua morte e ascensão, o Espírito Santo seja enviado para a salvação e a santificação dos homens (cf. Jo 7,39). Subentende-se que a ação do Espírito Santo será para os discípulos e para toda a Igreja mais proveitosa do que a presença do Mestre (por ser mais universal no tempo e no espaço, além de mais íntima). — “Tendo Cristo partido corporalmente, não só o Espírito Santo, mas também o Pai e o Filho esteve espiritualmente com eles [os Apóstolos]” (Santo Agostinho, In Ioh., tract. 94, n. 5).

N.B. — Agostinho propõe outra razão (cf. ibid., n. 4), sustentada também por Santo Tomás (cf. STh III 57, 1 ad 3): enquanto os Apóstolos estavam afetivamente apegados à presença corporal do Senhor, não eram aptos para receber o Espírito Santo, pois ainda amavam Cristo de modo demasiado carnal, i.e., mais por amor de concupiscência que de benevolência.

V. 8-11. Explica a ação do Espírito contra o mundo (κόσμος, no sentido do IV Evangelho): Ele argüirá o mundo do pecado, da justiça e do juízo.

N.B. — Para que se entenda esse texto um tanto obscuro, imagine-se um litígio judicial entre os judeus e os discípulos de Cristo. Os primeiros alegam: “Não temos culpa na morte de Cristo. Era um ímpio, digno de morte, por isso foi justa e devidamente condenado”. Os cristãos, por sua vez, acusam os judeus de incredulidade e de injustiça, proclamando Cristo justo e verdadeiro Messias. Qual das partes diz a verdade? Quem delinquiu, Jesus ou os judeus? Quem tem culpa? Qual dos lados sairá vencedor? “O Espírito Santo”, diz Jesus nesta passagem, “irá, qual Advogado, dirimir a questão em vosso favor, mostrando que o mundo erra tragicamente em todos estes pontos”.

V. 8s. O Paráclito argüirá (lt. arguet, gr. ἐλέγξει) o mundo. O verbo ἐλέγξει significa tanto ‘demonstrar’ (oferecer argumentos) quanto ‘convencer’ (levar a inteligência a assentir). O Espírito ἐλέγξει, i.e., irá demonstrar de forma claríssima e incontestável ou, antes, irá convencer objetivamente [3] (i.e., dará provas tão robustas, que, a menos que a [má] vontade se interponha, levará a inteligência a assentir). ‘Mundo’ significa os adversários de Cristo, ou talvez só os judeus.

O Espírito, por conseguinte, argüirá o mundo do pecado, i.e., demonstrará que ele (i.e., os judeus) não estão de modo algum isentos de pecado, senão que, pelo contrário, pesa sobre ele (ao menos) um pecado gravíssimo, a saber: porque não acreditaram em mim, i. e., o pecado de infidelidade.

V. 10. Da (minha) justiça também argüirá o mundo, i.e., demonstrará que eu, contra o que pensavam, não fui jamais ímpio, apóstata, subversivo à Lei (cf. Jo 9,24; 18,3), mas justo e grato a Deus, e isto porque vou para o Pai, a saber: por minha ressurreição e ascensão, como sugere a frase seguinte: de modo que não mais me vereis [4]. Logo, demonstrará que sou justo pelo fato de o Pai me ter glorificado.

N.B. — Essa é a interpretação mais comum e coerente desta difícil passagem. Outros, porém, preferem outras, e.g.: o Espírito Santo ensinará ao mundo, i.e., aos judeus que a verdadeira justiça não consiste na vã religião deles, mas na fé informada pela caridade; ou: convencerá o mundo de vossa justiça, porque vou para longe de vós, mas vossa fé em mim não irá desfalecer.

V. 11. Do juízo argüirá o mundo porque o chefe deste mundo já está condenado, i.e., sobre a questão se há de ser condenado Jesus ou ou mundo, o Espírito demonstrará que é o mundo, não Jesus, o digno de condenação, uma vez que (ὅτι = porque) o chefe (ἄρχων, príncipe) deste mundo, i.e., o diabo (cf. Jo 12,31; 14,30) já está condenado, (por prolepse) já foi vencido e expulso de seu reino (cf. Jo 3,15; 12,31s) pela morte de Cristo. Isso se tornará evidente com a conversão dos gentios, os exorcismos realizados pelos Apóstolos, o triunfo dos cristãos contra seus perseguidores etc. [5]. Quem, com efeito, ousaria afirmar hoje que os judeus calaram Jesus Cristo?

N.B. — Esse é, portanto, o primeiro benefício que o Espírito Santo trará, a saber: provará acima de qualquer dúvida que a) os que se recusaram a crer em Jesus permanecem em seus pecados; b) Jesus foi justo, o verdadeiro Messias e o Filho de Deus; c) pela morte de Jesus, o império do diabo foi destruído [6].

Referências

  • Tradução de H. Simón–G. G. Dorado, Prælectiones Biblicæ. Novum Testamentum. 6.ª ed., Turim: Marietti, 1944, vol. 1, p. 912ss, n. 679.

Notas

  1. O que Jesus diz em Jo 16,8 é περὶ ἁμαρτίας, sem artigo definido (τῆς).
  2. Outra solução possível é por via estilística, pela qual o traduzem assim certos autores: “e nenhum de vós me pergunta mais: ‘Para onde vais?’” Com efeito, “em semítico, assim como no grego semitizante dos evangelhos, o nosso ‘mais’ em ‘não… mais’ é quase sempre omitido” (P. Joüon, SJ, L’Évangile, Paris, Beauchesne, 1930, p. 562, n. 5).
  3. E não “convencerá subjetivamente”, i.e., levará de facto a inteligência de (todos) os inimigos a assentir (= “obrigará o mundo a confessar…”). A razão é que o assentimento intelectual em matéria de fé pressupõe, sob a moção da graça, o império prévio da vontade, sobre a qual o Espírito Santo não fará violência.
  4. Em gr., θεωρεῖτε, no presente, mas com força de futuro, como traduz a Vulgata (lt. videbitis).
  5. Viu-o até mesmo um modernista condenado pela Igreja: “A demonstração não se considera feita unicamente pela pregação evangélica, mas por toda a atividade do Espírito na Igreja, testemunho dado a Cristo sempre vivo pela vida mesma que Ele comunica aos seus” (*A. Loisy, Le quatrième Évangile, Paris, A. Picard, 1903, p. 782).
  6. Essa é, entre os exegetas modernos, a interpretação mais comum desta difícil passagem; para outras exposições, cf. Maldonado e Knabenbauer. — Entre os modernos, explicam-na de outra forma Zahn, Sickenberg, Lauck etc.: o Espírito Santo mostrará ao mundo (aos ímpios) que há pecado, justiça e juízo (em sentido teológico, ou sobrenatural).

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