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Texto do episódio
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Neste dia 29 de junho, solenidade de São Pedro e São Paulo, vamos falar sobre a vida deste último, o grande Apóstolo dos gentios, autor de metade dos livros do Novo Testamento.

Saulo, como era chamado entre os judeus, nasceu em Tarso, na Cilícia, atual território da Turquia, entre os anos 4 e 5 d.C. Embora não tivesse nascido na Terra Santa, era judeu descendente da tribo de Benjamin, da qual proveio também o rei Saul, em alusão ao qual provavelmente recebeu seu nome hebraico.

Olhando para Saulo e tantos outros judeus que viviam na diáspora, vemos como Deus, em sua infinita sabedoria, foi “preparando o terreno” sobre o qual lançaria a semente do Evangelho. Esses judeus haviam perdido a capacidade de compreender as Escrituras no hebraico antigo, lidas por eles apenas em grego, numa tradução conhecida como Septuaginta. Na região da bacia mediterrânica, portanto, havia tanto um povo preparado por Deus mediante a religião judaica quanto uma língua, o grego, que permitiria no futuro, por ser a língua franca da época, a evangelização dos gentios.

Como de costume entre os judeus da diáspora, Paulo tinha um nome em hebraico, Saulo, pelo qual era chamado pelos judeus, e o outro em latim (língua oficial do Império Romano), Paulus, pelo qual era conhecido entre os pagãos.

Desde cedo, Saulo foi educado na Lei judaica e, ainda jovem, enviado pelos pais para ser instruído por Gamaliel, um mestre do grupo dos fariseus. Assim formado, demonstrou-se um homem temente a Deus e fiel seguidor do judaísmo. Por seu zelo religioso, podem-se-lhe aplicar sem exagero aquelas palavras de Cristo: “Eles vos expulsarão das sinagogas, e virá a hora em que todo aquele que vos tirar a vida julgará prestar culto a Deus” (Jo 16, 2). Com efeito, logo após a Ressurreição de Jesus, Saulo passou a perseguir os primeiros cristãos. Os Atos dos Apóstolos (cf. At 7, 58–8, 1) mostram-no presente ao martírio de Santo Estêvão, aprovando o apedrejamento.

Ao saber que os cristãos estavam fugindo para outras cidades, Saulo pediu ao Sinédrio cartas de recomendação a fim de persegui-los. Foi justamente com esse intuito que, indo a Damasco, por volta do ano 35, São Paulo passou por sua experiência de conversão. Jogado ao chão e com a vista ofuscada por uma luz fulgurante, ouviu o próprio Cristo dizer-lhe: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (At 9, 4). Vemos aqui que a conversão de Paulo foi um acontecimento eclesial, já que, ao perseguir a Igreja nascente, Corpo místico de Cristo, ele estava a perseguir a própria Cabeça do Corpo: “Por que me persegues?”.

Depois dessa experiência com Nosso Senhor, Paulo, ainda cego, dirigiu-se a Damasco, onde ficou “três dias sem ver, sem comer nem beber” (At 9, 9). O Senhor lhe enviou um discípulo chamado Ananias, que lhe impôs as mãos, dizendo: “Saulo, meu irmão, o Senhor, esse Jesus que te apareceu no caminho, enviou-me para que recobres a vista e fiques cheio do Espírito Santo” (At 9, 17). No ato, Paulo recuperou a vista e foi batizado por Ananias. Isso demonstra que — ao contrário do que pregam algumas denominações pentecostais —  nenhuma experiência mística dispensa a recepção dos sacramentos, que infundem a graça de Deus ex opere operato em quem os recebe sem pôr óbices.

Depois disso, recolheu-se Paulo em oração no deserto da Arábia, conforme ele mesmo relata: “Quando, porém, Àquele que me separou desde o ventre materno e me chamou por sua graça, agradou revelar-me o seu Filho para que eu o anunciasse aos gentios, não consultei carne e sangue, nem consultei os que eram Apóstolos antes de mim, pelo contrário, parti para a Arábia e depois voltei para Damasco” (Gl 1, 15–17). Em Damasco, a conversão do antigo perseguidor causou escândalo e confusão entre os judeus, que decidiram matá-lo. Os discípulos, porém, anteciparam-se e o ajudaram a fugir durante a noite, descendo-o pela muralha da cidade dentro de um cesto (cf. At 9, 25). Foi então que ele partiu para Jerusalém, tendo-se passado já três anos desde a sua conversão, a fim de conhecer Pedro, com quem permaneceu quinze dias (cf. Gl 1, 18).

De Jerusalém, Paulo foi para Tarso, sua terra natal, onde permaneceu cerca de dez anos, preparando-se em oração e penitência para testemunhar a Cristo não só com palavras, mas também com a vida.

Como os cristãos fossem perseguidos na Terra Santa e se espalhassem por diversos territórios, começou a surgir, primeiro em Antioquia (da Síria) e depois em outros lugares, a necessidade de levar o Evangelho não apenas aos judeus, mas também aos gentios. Então, um discípulo vindo do Chipre, chamado Barnabé — que outrora havia apresentado aos Apóstolos o recém-convertido Paulo (cf. At 9, 27) —, dirigiu-se a Tarso a fim de buscar Paulo para auxiliar na evangelização dos gentios. Foi assim que, em Antioquia, por volta do ano 48, os dois foram ordenados sacerdotes e partiram em missão para a Selêucia e depois para a ilha de Chipre (cf. At 13, 3–4), levando consigo João Marcos, sobrinho de Barnabé, autor do segundo Evangelho canônico. Inicia-se, desse modo, o apostolado de São Paulo, que durará cerca de 20 anos, até o seu martírio em 67.

Do Chipre partiram para a região da Panfília, na atual Turquia, donde João Marcos, separando-se deles por alguma divergência, partiu para Jerusalém. Na Panfília, muitos se converteram com suas pregações, de modo que os judeus, tomados de inveja, passaram a persegui-los até os expulsarem do território. Eles então sacudiram a poeira dos pés e partiram para Icônio, onde novamente, porque “uma grande multidão de judeus e de gregos se converteu à fé” (At 14, 1), foram perseguidos pelos judeus incrédulos e fugiram para Licaônia e depois para Listra.

Em Listra, “apedrejaram Paulo e, dando-o por morto, arrastaram-no para fora da cidade” (At 14, 19). Como porém sobrevivesse ao ataque, Paulo se levantou, entrou na cidade e, no dia seguinte, partiu com Barnabé para Derbe, onde fizeram muitos discípulos. De lá, voltaram para Listra, Icônio e Antioquia da Pisídia, onde instituíram anciãos para conduzir na fé cada uma das comunidades. Em seguida, retornaram para a região da Panfília e, por fim, voltaram ao ponto de partida, Antioquia da Síria, onde “reuniram a igreja e contaram quão grandes coisas Deus fizera com eles, e como abrira a porta da fé aos gentios” (At 14, 27).

A partir desse momento, começou a surgir uma controvérsia quanto à exigência, feita por cristãos judaizantes, de que os gentios convertidos à fé deveriam também ser circuncidados. Para resolver o impasse, São Paulo, por volta do ano 49, reuniu-se com os Apóstolos no Concílio de Jerusalém, no qual se definiu que não era necessário circuncidar os gentios, cuja evangelização lhe foi especialmente confiada:

Tiago, Cefas e João, que são considerados as colunas, reconhecendo a graça que me foi dada, deram as mãos a mim e a Barnabé em sinal de pleno acordo: iríamos aos pagãos, e eles aos circuncidados. Recomendaram-nos apenas que nos lembrássemos dos pobres, o que era precisamente a minha intenção (Gl 2, 9–10).

Depois disso, no ano 50, São Paulo partiu numa segunda jornada missionária — separando-se de Barnabé, que queria levar João Marcos (cf. At 15, 37–39) —, através da qual o Evangelho foi difundido pela Europa. Guiado pelo Espírito Santo e acompanhado de Silas, Paulo percorreu a região da Síria e da Cilícia. Ao chegarem a Listra, juntou-se a eles Timóteo, filho de uma judia conversa ao cristianismo. Quando chegaram a Trôade, onde Lucas passou a acompanhá-los, São Paulo teve a visão de um macedônio que lhe suplicava: “Passa à Macedônia, e vem em nosso auxílio!” (At 16, 9).

Partiram para a Macedônia, passando por Filipos, onde São Paulo exorcizou uma escrava que, por estar possessa, dava lucro aos seus senhores com as previsões que fazia. Como o Apóstolo, ao exorcizá-la, os privou de sua “fonte de lucro”, os donos da escrava levaram Paulo e Silas a juízo. Condenados aos açoites, os dois, repletos de chagas e com os pés amarrados em cepos, foram jogados na prisão. O livro dos Atos dos Apóstolos narra que, mesmo depois de açoitados, “pela meia-noite, Paulo e Silas rezavam e cantavam um hino a Deus, e os prisioneiros os escutavam” (At 16, 25). Naquela hora, sentiu-se um tremor de terra que abalou os fundamentos da prisão, o que levou à conversão do carcereiro e sua família. Muitos outros milagres e conversões assim aconteciam por intermédio de Paulo.

Foi no final desta segunda viagem missionária, entre os anos 52 e 53, que ele escreveu sua primeira epístola, o livro mais antigo do Novo Testamento: a Primeira Carta aos Tessalonicenses.

No ano 53, Paulo iniciou sua terceira viagem missionária, finalizada cinco anos depois. Foi durante esta viagem que ele escreveu, em 54, a Primeira Carta aos Coríntios, na qual afirma, ao falar sobre a Eucaristia e a Ressurreição de Nosso Senhor: “Eu recebi do Senhor o que vos transmiti” (1Cor 11, 23). Numa época em que ainda não havia um cânone bíblico fixo e concluso, o Apóstolo deixa claro que a Tradição precede as Escrituras e reconhece a sacralidade destas.

Já no ano seguinte, em 55, Paulo redigiu a Segunda Carta aos Coríntios, na qual, distinguindo-se dos falsos apóstolos, resume os percalços e dificuldades que até então suportara em seu ministério:

Muito mais do que eles, pelos trabalhos, pelas prisões, pelos excessivos açoites. Muitas vezes, estive em perigo de morte. Cinco vezes recebi dos judeus quarenta chicotadas menos uma. Três vezes fui batido com varas. Uma vez apedrejado. Três vezes naufraguei, passei uma noite e um dia em alto-mar. Fiz inúmeras viagens, em perigos de rios, perigos de ladrões, perigos da parte de meus compatriotas, perigos da parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos em regiões desertas, perigos no mar, perigos por parte de falsos irmãos! Trabalhos e fadigas, inúmeras vigílias, fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez! E sem falar de outras coisas, a minha preocupação de cada dia-a-dia, a solicitude por todas as igrejas! Quem fraqueja, que eu também não fraqueje? Quem tropeça, que eu também não me inflame? Se é preciso gloriar-se, é de minhas fraquezas que me gloriarei (2Cor 11, 23–30).

O Apóstolo menciona ainda, nesta mesma carta, uma doença que parecia atormentá-lo. Embora não saibamos de que se trata, São Paulo a define como um “espinho” que lhe foi metido na carne “para que a grandeza das revelações não me levasse ao orgulho”, e como “um anjo de Satanás para me esbofetear e me livrar do perigo da vaidade” (2Cor 12, 7). São Paulo confessa ter suplicado a Deus que o livrasse do tormento, mas não foi atendido porque o espinho lhe servia de remédio contra a vaidade:

Três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim. Mas ele me disse: “Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força”. Portanto, prefiro gloriar-me das minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. Eis por que sinto alegria nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque, quando me sinto fraco, então é que sou forte (2Cor 12, 8–10).

No regresso de sua terceira viagem, estando em Mileto, Paulo fez um discurso a presbíteros convocados de Éfeso, e suas palavras, em tom de despedida, foram uma verdadeira profecia do que viria a acontecer:

Só sei que, de cidade em cidade, o Espírito Santo me assegura que me esperam em Jerusalém cadeias e perseguições. Mas nada disso temo, nem faço caso da minha vida, contanto que termine a minha carreira e o ministério da palavra que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho ao Evangelho da graça de Deus. Sei agora que não tornareis a ver a minha face, todos vós, por entre os quais andei pregando o Reino de Deus (At 20, 23–25).

Uma vez em Jerusalém, confirmou-se o que São Paulo havia previsto: ele foi perseguido, espancado e preso. Em seu julgamento, por ser cidadão romano, apelou a César. Por isso, foi enviado a Roma, onde chegou por volta do ano 60. Em Roma, concederam-lhe uma licença para permanecer em casa própria acompanhado de um soldado (cf. At 28, 16).

Conta a tradição que Paulo esteve em liberdade por um curto período, durante o qual partiu para evangelizar o atual território da Espanha. Depois disso, retornou a Roma, onde foi preso pela segunda vez e, no ano de 67, finalmente decapitado.

Vemos emergir na biografia de Paulo um grande amor por Cristo e pela salvação das almas; um amor sobrenatural que demonstra uma participação na vida divina. Como grande Apóstolo que foi, Paulo desejava que outros também vivessem a caridade divina, e por isso dedicou a esta sublime virtude um hino esplendoroso:

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e co­nhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada. Ainda que distribuís­se todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria! A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (1Cor 13, 1–7).

Esse louvor à caridade é, decerto, um reflexo do que ele próprio vivia, como um homem impelido pelo amor de Cristo: Caritas Christi urget nos (2Cor 5, 14). O Apóstolo nos mostra, desse modo, que tanto as obras quanto a são imprescindíveis para a salvação. O hino prossegue, destacando o caráter perene do amor:

A caridade jamais acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará. A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita. Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como crian­ça. Desde que me tornei homem, eliminei as coisas de crian­ça. Agora vemos como por um espelho, confusamente; mas então veremos face a face. Hoje conheço em parte; mas então conhecerei totalmente, como eu sou conhecido. Atualmente, permanecem estas três — a fé, a esperança e a caridade — mas a maior delas é a caridade (1Cor 13, 8–13).  

Oxalá também nós, pela intercessão de São Paulo Apóstolo, possamos um dia alcançar tão grande caridade que, seguindo os seus passos, sejamos dignos de contemplar face a face o grande mistério de amor que agora, sob o véu da fé, vemos como em enigma.

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