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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus 
(Mt 5, 1-12a)

Naquele tempo, vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a ensiná-los: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus! Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus”.


Neste domingo, aqui no Brasil, nós iremos celebrar a Solenidade de Todos os Santos. De início, é necessário recordar que esta solenidade, no calendário universal da Igreja, é celebrada no dia 1.º de novembro; mas, já que neste dia não temos feriado no Brasil, ela é transferida para o domingo seguinte.

O que é celebrar todos os santos? Em primeiro lugar, vamos notar uma coisa até desagradável de dizer, mas que não tem como negar: nem todos os cristãos acreditam que as pessoas podem ser santas. Infelizmente, sobretudo entre os protestantes, existe um pessimismo, baseado na teologia de Lutero e de Calvino.

Qual é a visão que a maior parte dos protestantes tem da vida humana aqui neste mundo? Você tem de acreditar em Deus, precisa ter fé, mas de qualquer modo você será sempre profundamente pecador; ou seja, a santidade não vai acontecer. Na visão deles, a santidade é uma realidade que só existe em Deus; aqui neste mundo nós vamos lutar para manter a fé viva, mas dentro de nós vai continuar sempre uma profunda falta de santidade, ou seja, um pecado arraigado.

É por isso que muitos protestantes ficam irritados quando nós, católicos, chamamos os santos de santos, como São Paulo, São Pedro, a Santíssima Virgem Maria, São José etc. Eles dizem: “Santo coisa nenhuma. Eles não são santos, eles são pecadores iguais a todo o mundo”. Isso daí se dá, infelizmente, a partir de uma experiência que todos nós temos: a profunda dificuldade de alcançar a santidade.

O filósofo ateu Jean-Paul Sartre escreveu uma peça teatral chamada “O diabo e o bom Deus”, “Le diable et le bon Dieu”, na qual um dos personagens, Goetz, propõe-se a ser santo, mas ele quer ser santo por revolta, para provar que dá conta de ser santo; depois de muita tentativa, ele se desespera e vê que não é possível ser santo.

Ora, essa experiência, essa conclusão que está nessa peça teatral escrita por um filósofo ateu, é também a conclusão do próprio Lutero. Lutero concluiu que é “impossível” ser santo. A santidade humana, que ele chama de “justificação” — usando a linguagem bíblica da Carta aos Romanos e das cartas de São Paulo — acontece simplesmente por uma espécie de “sentença” de Deus, que, quando vê a fé no coração de uma pessoa, imputa a essa pessoa uma santidade que ela não tem.

Em outras palavras, é simplesmente uma ficção. A santidade, a justificação, a salvação, para os protestantes, acontece porque Deus olha a sua fé e, dali para frente, se mantiver a fé que já tem, você será salvo, apesar dos seus pecados e das suas misérias.

Essa profunda descrença na santidade também  se vê muito na vida do próprio Lutero. Lutero era um homem desesperado da santidade. Durante muito tempo, enquanto ele era frade agostiniano, sacerdote católico, ele tentou viver a santidade, mas a viveu como um tormento, e assim caía no desespero.

Então, diante daqueles escrúpulos, da neurose que se tornou para ele a vida de santidade, e com um quadro psíquico conturbado, Lutero tirou suas conclusões teológicas a partir da sua própria experiência: “A santidade é impossível; nós não seremos salvos pelas obras, mas pela fé”.

Dito isso, vamos entender qual é a doutrina católica. Qual é a diferença do que nós, católicos, cremos para isso que Lutero defendeu?

Em primeiro lugar, existe uma coisa em que nós concordamos com o Lutero: de fato, nós somos salvos por Deus, e a forma de receber essa salvação de Deus é a fé. Recebemos a graça divina pela fé, pelos sacramentos, que são os meios que Deus deixou na sua santa Igreja para sermos salvos.

Essa ação divina modifica a nossa alma de tal modo que podemos, de fato, seguir um caminho concreto que nos conduz à santidade. Esse caminho de santidade não é uma ficção científica ou um “faz-de-conta”. Existe um processo e é possível, sim, chegar à santidade ainda aqui nesta vida. Essa é a nossa missão, esse é o nosso convite, e é para isso que a Igreja nos chama.

Então, quando celebramos a Solenidade de Todos os Santos, nós estamos celebrando a grande obra de Deus, uma obra de transformação das vidas humanas. Os seres humanos podem ser transformados pela graça, e nós cremos nessa transformação.

Não significa simplesmente, como pensava Lutero, que Deus coloca um véu sobre o nosso pecado e decide não olhar para ele. Não é isso! Deus nos muda por dentro. Deus pode nos transformar; e, se nós ainda não somos santos, é porque não estamos ainda colaborando com a graça como deveríamos colaborar. Aqui, então, conseguimos enxergar qual é a verdadeira essência da santidade para nós católicos. 

Vamos agora colocar um itinerário. Como é que se chega lá? O primeiro passo na direção da santidade é termos fé. Nesse sentido aqui, e somente nele, a Igreja concorda com Lutero; depois a discordância é total. Mas o primeiro passo realmente é a fé, que significa crer no amor com que Cristo nos amou.

Mas é importante chamar a atenção para uma coisa, não significa que Jesus nos amou de forma genérica, como se dissesse: “Ele amou toda a humanidade”. Se formos amar a humanidade inteira, só podemos fazer uma espécie de “amor genérico”, pois não conhecemos os sete bilhões de habitantes deste planeta, nem temos condições de amar sete bilhões de pessoas; mas Jesus pode e podia.

Nosso Senhor, em sua humanidade, recebeu de Deus uma capacidade especial de realizar essa missão de nos amar pessoalmente.

Jesus amou você. Jesus viu este momento. Jesus viu, por exemplo, este programa que está sendo gravado e transmitido. Ele viu você ouvindo esta pregação e amou você. Ele morreu na Cruz por você. Creia nisso, dê esse passo na fé de que Jesus o amou e se entregou por você.

Então, quanto mais você crê nesse amor, mais você é tomado por uma pressa de amar de volta. É aí que acontece ou começa a acontecer o processo de santificação na alma. Por que é que nós queremos ser santos? Para a maior glória de Deus.

Ninguém pode querer ser verdadeiramente santo para a glória de si próprio. Isso prejudicaria o seu caminho de santidade. Para ser santo de verdade, é preciso estar focado na maior glória de Deus.

O que quer dizer “glória de Deus”? Querer que Ele seja amado de volta, da maneira mais perfeita e pelo maior número de pessoas. Assim, vamos transformando nossa alma e deixando que a graça de Deus vá nos transformando, exatamente para que Deus seja conhecido.

Assim, vamos amar a Deus cada vez mais, rezando mais e abrindo-nos à graça divina, a fim de transformar o nosso mundo interior, para a glória de Deus e para que Ele seja amado de volta.

Mas não apenas isso. Precisamos transformar isso num grande apostolado, fazer com que as pessoas passem a amar a Deus, saibam do amor com que são amadas. Isso quer dizer que precisamos dar a nossa vida, corresponder a esse amor e amá-lo de volta, porque Ele merece.

Mas, além de sermos tomados por essa pressa de aumentar a glória de Deus, nós nos encontramos com aquela experiência trágica de Lutero, a mesma experiência do protagonista Goetz no teatro de Sartre: a sensação de que somos incapazes de ser santos.

E o que fazer? Só há um jeito. O único jeito de sermos santos é nos tornando mendigos da graça de Deus. Essa é uma característica de todos os santos.

Se você ler a vida de santos como Santa Teresinha, de um Padre Pio e de santos leigos como São Luís e Santa Zélia, verá que existe uma coisa básica e fundamental em todos os santos. Todos eles chegaram a um ponto de desolação em que tiveram de compreender que não conseguem corresponder ao amor de Deus.

Todo santo, um belo dia, chega àquele “gargalo”, àquela porta estreita de Lutero. Todo santo chega àquele desespero das forças humanas, para então começar a esperar em Deus. Aqui está o segredo. O problema de Lutero não foi desesperar de si mesmo. Isso até que ele fez bem. O problema de Lutero foi não esperar em Deus. Ele apequenou a ação da graça, tornando-a medíocre e mesquinha, como se ela simplesmente desse uma maquiada na nossa miséria.

Por exemplo, uma menina graciosa, pode ser chamada de bela por sê-lo realmente. Ela é bela no rosto; é bela no corpo; é bela no coração; é bela na virtude; é bela na santidade. Se nós víssemos a Virgem Maria, nós diríamos: “Ela é cheia de graça”. Mas é cheia de graça porque Deus a transformou de tal forma com a graça, que ela se tornou belíssima aos olhos de Deus. Ela é cheia de graça, ela é graciosa.

A graça, para Lutero, não é essa beleza ontológica, essa beleza no ser, como a que a Virgem Maria recebeu de Deus. A graça, segundo Lutero, é uma maquiagem, como se pegássemos uma pessoa feia, horrorosa, e colocássemos tanta maquiagem nela que seria uma máscara para encobrir sua feiúra; no ser, a pessoa é feia, mas existe uma “máscara de engano”. Isso é a graça para Lutero. Muito diferente do que é a graça para nós católicos.

Então, o caminho para a santidade é exatamente nós nos colocarmos como mendigos da graça de Deus, suplicando, pedindo, clamando.

Por isso, não é possível ser santo sem rezar e sem rezar muito. Existe aquele momento em que a pessoa vê que não dá conta sozinha; ela precisa pedir a Deus essa ação da graça, essa transformação. Por isso, nós católicos cremos que toda santidade é uma santidade mística.

O que quer dizer “mística”? Na vida espiritual, há duas etapas fundamentais: a ascética e a mística. A ascética é aquilo que fazemos para corresponder à graça de Deus; a mística é aquilo que Deus faz em nós para nos transformar. Na ascética, nós agimos, somos os agentes da nossa mudança de vida; já na mística, somos os pacientes, mas não é passividade total: Deus vai agindo em nós, e nós precisamos corresponder a essa ação para buscarmos a santidade.

Infelizmente, hoje as pessoas perderam a noção do que é a santidade. Elas acham que, se cumprir os Dez Mandamentos, se não matar, se não pecar contra a castidade, se não roubar, elas já serão santas. Não é assim! Quem parou de pecar, está na estaca zero.

Ser santo é muito mais que cumprir a obrigação de parar de pecar. Ser santo é amar a Deus. Nós vemos que não damos conta de amar a Deus como Ele merece ser amado, por isso que a graça precisa agir em nós e nos transformar. Pela graça, somos transformados em “outros cristos”, ou seja, no próprio Cristo. A santidade é “cristiforme”, porque nos configura a Cristo.

No dia 8 de novembro, nós iremos celebrar a Memória de Santa Elisabete da Trindade, que tem uma expressão muito inspiradora em relação a essa configuração a Cristo. Ela afirmava que queria oferecer a Cristo uma “humanidade de acréscimo”, uma “humanidade sobressalente”. Vamos entender: Jesus está no Céu, glorioso, e não sofre mais. Mas, para que Cristo possa continuar sofrendo e amando os seres humanos aqui na terra, ela queria oferecer a sua humanidade. Assim, sendo habitada por Cristo, sua humanidade poderia por meio do sofrimento e da expiação, realizar neste mundo a obra de amor de Nosso Senhor.

Então, um santo é uma “humanidade sobressalente” à do Cristo. Um santo é uma pessoa que, por meio de uma grande obra ascética, matou o egoísta que estava dentro de si e deixou que a graça do Espírito Santo gerasse Cristo em seu coração, de tal forma que pode dizer como São Paulo: “Vivo, mas não eu; é Cristo quem vive em mim” (Gl 2,20).

Isso é um santo, e nós católicos cremos que a santidade é possível. Não somente isso: o Concílio Vaticano II nos diz, no capítulo 5 da “Lumen gentium”, que a santidade é para todos.

Lutero crê que ninguém é santo. Nós católicos poderíamos crer que alguns podem ser santos, mas um número reduzido. O Concílio Vaticano II, porém, afirma que todos nós somos chamados à santidade. Se não somos santos, é desgraçadamente por falta de correspondência nossa, por nossa preguiça de corresponder à graça divina. 

Sabemos que os santos são “nossos irmãos maiores” que já estão no Céu, que deram grande glória a Deus aqui na terra e hoje dão uma imensa glória a Deus no Céu, intercedendo por nós. Eles já são felizes, estão com Deus e intercedem por nós, protegendo-nos e, junto conosco, suplicando a graça de Deus, que pode transformar nosso coração de pedra num coração que ama.

Então, neste domingo, Solenidade de Todos os Santos, peçamos a graça de desesperarmos de nós mesmos e de esperarmos em Deus.

Se Judas — sim, Judas, o Apóstolo traidor — ainda com a bolsa cheia das trinta moedas, tivesse olhado para Jesus, desesperado de si e jogado em Cristo a sua esperança, Judas hoje seria um grande santo. Haveria igrejas dedicadas a ele, estaríamos acendendo velas aos pés de suas imagens, e por meio de sua intercessão aconteceriam muitos milagres.

Não importa o tamanho do seu pecado. O que importa é o tamanho da graça. Por isso, desesperemos de nós mesmos e esperemos em Deus. Só assim Ele fará de nós os santos e santas que nós precisamos ser, para a sua maior glória, aqui na terra e no Céu.

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