Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 17, 22-27)
Naquele tempo, quando Jesus e os seus discípulos estavam reunidos na Galileia, ele lhes disse: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens. Eles o matarão, mas no terceiro dia ele ressuscitará”. E os discípulos ficaram muito tristes. Quando chegaram a Cafarnaum, os cobradores do imposto do Templo aproximaram-se de Pedro e perguntaram: “O vosso mestre não paga o imposto do Templo?”
Pedro respondeu; “Sim, paga”. Ao entrar em casa, Jesus adiantou-se, e perguntou: “Simão, que te parece: Os reis da terra cobram impostos ou taxas de quem: dos filhos ou dos estranhos?” Pedro respondeu: “Dos estranhos!” Então Jesus disse: “Logo os filhos são livres. Mas, para não escandalizar essa gente, vai ao mar, lança o anzol, e abre a boca do primeiro peixe que pescares. Ali encontrarás uma moeda; pega então a moeda e vai entregá-la a eles, por mim e por ti”.
I. Reflexão
Com grande alegria celebramos a memória de Santa Teresa Benedita da Cruz. Talvez não a conheçamos por esse nome porque ela é mais conhecida por seu nome secular, Edith Stein. Trata-se de uma filósofa ateia do século XX convertida ao catolicismo que se tornou uma grande santa, morrendo num campo de concentração como mártir do nazismo. Como foi sua conversão? Edith Stein nasceu numa piedosa família judia. Sua mãe era devota e criou a filha no meio de muita oração. Mas, a certa altura da adolescência, Edith decidiu com plena consciência parar de rezar, e parou de rezar não por descaso, mas porque assim o quis, resolvida a buscar a verdade.
Para ela, no entanto, a verdade estava no ateísmo. Mais tarde, matriculou-se na universidade, em nada menos que três cursos simultâneos: filosofia, filologia alemã e história. Estamos no início do século XX, em 1911. Edith contava apenas vinte anos, e era raro que uma mulher cursasse universidade, muito menos três cursos diferentes! Ela ficou tão entusiasmada com a filosofia e a busca da verdade, que se transferiu para Göttingen, onde então trabalhava o mais importante filósofo alemão da época, Edmund Husserl, iniciador de uma nova corrente filosófica chamada fenomenologia. Qual era o lema de Husserl? De volta às coisas, ou seja, voltar às coisas de verdade porque a filosofia alemã, desde Kant, morto em 1804, entrara pelos descaminhos do idealismo, isto é, da prisão do subjetivismo, que vira as costas para as coisas do mundo exterior.
Edith ainda era ateia, mas tinha já grandes virtudes e, em sua procura pela verdade, foi atrás de Husserl, que prometia levar a filosofia de volta para as coisas mesmas. O fato é que a fenomenologia, aos olhos de Edith, demonstrou-se cada vez menos apta para fazer o que prometia. E Deus, por sua bondade, começou a atraí-la para a Igreja Católica por meio de pequenos acontecimentos. (É interessante notar que Deus nos chama muitas vezes, não por raciocínios, mas por acontecimentos que marcam e chocam.)
Como Edith era muito estudiosa, a primeira coisa que a tocou em suas leituras sobre a língua alemã foi o Pai-nosso. Ela ficou impressionada com uma oração tão curta, mas tão densa de conteúdo, embora tivesse consciência de que não tinha fé no que a oração dizia. Em 1914, com o estourar da I Guerra Mundial, uma verdadeira catástrofe, Edith se oferece para ser enfermeira. Ela interrompe os estudos, alegando que “agora, a vida privada não interessa mais. Diante dessa tragédia, já não tenho mais vida. A vida não me pertence”. Como enfermeira, chegou a ganhar uma medalha da Cruz Vermelha, tal foi sua bravura no cuidado dos enfermos durante os conflitos.
Vemos que a conversão de Edith Stein não foi improvisada. Não é que, de repente, ela tenha acordado de manhã e se feito católica. Não. Ela estava sinceramente em busca da verdade. Nesse sentido, ela lembra muito a atitude de Santo Agostinho, que, após ter lido o Hortênsio, de Cícero, se determinou a procurar a verdadeira filosofia.
Apesar de tanta virtude, Edith não dera ainda o passo decisivo. Terminada a I Guerra, aconteceram ainda dois pequenos fatos que a chocaram bastante. Até aqui, ela era uma judia ateia que não tivera contato algum com o catolicismo. Estava acostumada a ir somente a sinagogas ou a igrejas protestantes. Ora, que é uma sinagoga ou uma igreja protestante? São lugares de reunião em que as pessoas se juntam para rezar em comum. Certo dia, ela resolveu visitar a catedral católica de Friburgo e ficou chocada. Entrou como turista, para ver obras de arte, mas viu uma mulher entrar com uma cesta de compras, ajoelhar-se e a rezar sozinha.
Era uma novidade, algo absolutamente incrível! Por que alguém entraria num prédio vazio para se recolher em silêncio e falar como se alguém estivesse presente? Ela, é óbvio, não sabia nada do Santíssimo Sacramento, da presença real de Cristo na hóstia sagrada. No entanto, ao ver a atitude daquela mulher, Edith ficou chocada. Teve outras experiências mais. (Por exemplo, hospedada um dia na casa de um camponês, viu-o fazer as orações da manhã junto com os empregados.)
Mas o golpe de misericórdia que a fez começar a lutar pela conversão ao catolicismo veio de uma amiga, Anna Reinach, judia como ela que enviuvara fazia pouco tempo. Edith foi visitá-la, mas viu que a amiga estava serena e tranquila diante da morte do marido. Ela tinha se convertido ao catolicismo e começou a falar-lhe de Cristo e de como tinha abraçado a cruz, que fora em tudo o seu consolo e a sua força.
Chocada, Edith começou a investigar as verdades católicas e descobriu os Exercícios Espirituais, de Santo Inácio de Loyola. Achou a obra muito densa, fez as meditações durante trinta dias, mas não chegou a se converter. A conversão, porém, tinha data marcada e um instrumento escolhido por Deus porque dizia respeito à vocação dela. Afinal, Edith Stein fora pensada por Deus para ser carmelita. Certa vez, Edith Stein foi visitar uns amigos e teve de passar um dia sozinha em casa. Todos saíram para um compromisso, e ela, entediada na biblioteca, pegou um livro a esmo. Era de Santa Teresa, o Livro da Vida. Edith começou a ler. A noite começou a avançar, e ela não parava de ler. Veio a madrugada, e ela continuava lendo…
Raiou o sol. Ao cabo daquela noite, tendo lido numa sentada a vida inteira de Santa Teresa, ela fechou a obra e disse para si mesma: “Aqui está a verdade” e se converteu. Converteu-se porque viu na vida de uma santa a vida de Cristo; não uma teoria, mas uma realidade viva, Cristo vivo em seus santos. Ela comprou um catecismo e um missal e, como boa estudiosa, leu-os inteiros, e só depois de seu estudo privado é que foi participar pela primeira vez da Missa para saber o que encontraria. Terminada a Missa, ela procurou o pároco, pediu-lhe o batismo e, uma vez batizada (para tornar curta uma história longa), viveu um tempo como fiel leiga, fazendo conferências e boas obras.
Como visse que na sociedade alemã da época não havia mais espaço para uma judia, resolveu seguir a vocação em que tinha pensado desde os inícios: fazer-se carmelita. Tornou-se monja no Carmelo de Colônia. Mais tarde, por causa das perseguições nazistas, mudou-se para um Carmelo na Holanda, mas acabou deportada para um campo de concentração, onde morreu martirizada in odium fidei, por ódio à fé que Hitler tinha contra os católicos. Eis o glorioso desfecho da conversão de uma alma que buscou sinceramente a verdade, que é Cristo Jesus! Não pensemos que nossa fé é uma espécie de autoengano: “Faz de conta que é verdade”. Não, não! Busquemos sempre a verdade porque quem busca a verdade encontra aquele que é a Verdade, o Cristo vivo em sua Santa Igreja Católica.
II. Comentário exegético
Argumento. — Peregrinando pela Galileia, Jesus anuncia novamente aos discípulos sua paixão. Pouco depois, de volta a Cafarnaum, manda Pedro, pela pesca milagrosa de um peixe com um estáter na boca, pagar o tributo aos ministros do Templo.
Nova predição da paixão (cf. Mt 17, 21s; Mc 9, 29ss; Lc 9, 43ss). — Após a transfiguração e o milagre relatado ontem, o Mestre e os discípulos, segundo Mc. (v. 29), atravessavam (gr. παρεπορεύοντο = peregrinavam; segundo outros, peregrinando, percorriam sem demora) a Galileia. Estas viagens (ou esta viagem) eram feitas “em segredo”, pois Jesus não queria que se soubesse, mas ia instruindo os seus discípulos (Mc.). — Nesse ínterim, enquanto andavam pela Galileia (Mt.), Jesus predisse novamente (pela terceira vez? cf. Mt 17, 12; Mc 9, 11) sua paixão e ressurreição, mas sem acrescentar nenhuma novidade em relação às predições anteriores.
Ocasião do milagre (v. 23ss). — V. 23. Quando Jesus e os discípulos entraram em Cafarnaum, chegaram-se a Pedro, em cuja casa o Senhor se hospedava, ou porque lhes parecia ser o primeiro entre os discípulos, os que recebiam o didracma para o Templo, e disseram-lhe: Vosso Mestre não paga o didracma? Por este lugar, pelo testemunho de Flávio Josefo (cf. Ant. XVIII 9, 1) e por alguns escritos rabínicos [1], sabe-se que na época de Cristo ainda estava em vigor a lei do tributo do didracma ou do meio siclo, a ser pago anualmente.
1) Esta prescrição já fora promulgada em Ex 30, 11s, embora, segundo alguns, apenas para aquela ocasião. Tornando-se dificílimas as condições para manter a casa do Senhor, impô-se também um tributo anual para o culto no Templo, mas reduzido à terça parte de um siclo (cf. Ne 10, 32ss). Não se sabe, porém, quando foi novamente instituído o didracma. Após a destruição do Templo, esse imposto anual passou a ser revertido para o Capitólio (cf. Flávio Josefo, De bell. VII 6, 6). — 2) Tais leis obrigavam a partir dos 20 anos de idade a todos os israelitas homens, tanto na Palestina quanto fora dela. Distinta era a legislação sobre os impostos para o erário (cf. Digest. L 15, 3, pr.: “Na Síria, estão obrigados ao tributo capital, até os 65 anos, os homens a partir dos 14 e as mulheres a partir dos 12; a idade levada em conta é a que se tem no momento de realizar o censo”). — 3) A coleta do tributo era feita em toda a Palestina [2] no mês de Adar (mar.-abr.), durante os 15 dias anteriores à Páscoa, mas não se sabe ao certo em que momento acabava.
De pergunta dos coletores não se pode concluir com certeza se Jesus tinha ou não o costume de pagar tal tributo; a resposta de Pedro, no entanto, parece afirmá-lo.
V. 24. Uma vez em casa, o Mestre corrige, interrogando-o amigavelmente, a opinião de Pedro, para quem Jesus estaria obrigado a pagar o tributo: Que te parece, Simão? De quem recebem os reis da terra o tributo (i.e., impostos sobre mercadorias) ou o censo (i.e., impostos pessoais ou diretos) [3]? De seus filhos, ou dos alheios (lt. ab alienis, i.e., pelo contexto, dos estranhos = dos que não são filhos, como diz o gr.: ἀπὸ τῶν ἀλλοτρίων)?
V. 25. Como Pedro respondesse bem que os tributos são exigidos dos estranhos, Cristo infere implicitamente não estar obrigado a pagar o do Templo, por ser Ele, como o próprio Pedro confessara poucos dias antes, o Filho de Deus em cuja honra eram coletados os tributos [4]. De fato, no entanto, a fim de não os escandalizar nem dar ocasião a mal-entendidos para os que não captariam facilmente o motivo de sua isenção, Jesus manda o discípulo pagar o censo.
O milagre não é narrado, apenas indicado (cf. v. 26). Cristo manda Pedro ir até o mar e, lançada a vara, recolher o primeiro peixe que fisgasse, em cuja boca acharia um estáter, i.e., um siclo, ou 4 dracmas. Alguns católicos afirmam que Cristo teria mandado o Apóstolo pescar a fim de pagar o tributo com o preço da venda do peixe. Loisy também pensava ser este o sentido original das palavras de Cristo, mas que o evangelista as teria entendido “como” um milagre. Afirmação de todo arbitrária [5].
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