Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 5,1-12)
Naquele tempo, vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, e Jesus começou a ensiná-los: "Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus! Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e, mentindo, disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus".
Embora a plena bem-aventurança do homem só possa ser alcançada no Céu, já nesta vida as pessoas podem chegar a uma tal comunhão com Deus, a ponto de serem chamadas verdadeiramente “santas”.
Essa, que é a doutrina católica a respeito da santidade, foi radicalmente negada pela teologia protestante, no século XVI. Para Martinho Lutero e seus seguidores, de fato, não é possível que uma pessoa se livre de seus pecados e defeitos nesta vida. Pela fé, o homem justificado não teria os seus pecados apagados, mas tão somente encobertos. É o que está na Declaração Sólida da Fórmula de Concórdia, um dos primeiros compêndios do luteranismo: “Os justificados são declarados e imputados justos e piedosos pela fé e por causa da obediência de Cristo (...), ainda que, por conta de sua natureza corrompida, eles ainda sejam e permaneçam pecadores até o túmulo” [1].
A maior prova de que essa teoria protestante está errada se encontra justamente na vida dos santos católicos, homens e mulheres que se livraram de todos os seus egoísmos e alcançaram a perfeição da caridade, “ainda neste desterro”.
Para compreender em que consiste essa santidade e como chegar a ela, vale servir-se da vida e da obra de uma grande doutora da Igreja, contemporânea a Lutero: Santa Teresa de Ávila.
Em sua obra Castelo Interior, Teresa compara a alma humana a “um castelo todo de diamante ou de cristal muito claro onde há muitos aposentos, tal como no céu há muitas moradas (cf. Jo 14, 2)” [2], e em cujo centro está o próprio Deus – sustentando o ser dos homens e dando-lhes a vida natural.
Quanto à vida sobrenatural, porém, um pode achar-se (a) ou em estado de graça (b) ou em pecado mortal:
“Gostaria que considerásseis o que será ver esse castelo tão resplandecente e formoso, essa pérola oriental, essa árvore de vida plantada nas próprias águas vivas da vida, que é Deus, quando cai em pecado mortal. Não há treva tão tenebrosa, nem coisa tão escura e negra que se lhe compare.
Basta dizer que o próprio Sol, que lhe dava tanto resplendor e formosura, se encontra ainda no centro da alma, mas é como se isso não acontecesse. Assim como o cristal pode refletir o esplendor do sol, a alma ainda é capaz de fruir de Sua Majestade. Todavia, isso não a beneficia em nada, daí decorrendo que todas as boas obras que fizer, estando ela em pecado mortal, são de nenhum fruto para alcançar a glória. Isso porque não procedem do princípio pelo qual nossa virtude é virtude – Deus –, mas nos apartam Dele, não podendo ser agrádeveis aos Seus olhos.
(...)
Assim como são claros os pequenos arroios que brotam de uma fonte clara, assim também é uma alma que está em graça, razão pela qual suas obras são tão agradáveis aos olhos de Deus e dos homens. Porque elas procedem dessa fonte de vida na qual, à semelhança de uma árvore, a alma está plantada; e ela não teria frescor nem fertilidade se não estivesse ali, sendo a água a responsável pelo seu sustento e pelos seus bons frutos. Quanto à alma que por sua culpa se afasta dessa fonte e se transplanta a outra de águas sujas e fétidas, não produz senão desventura e imundície.
Deve-se considerar aqui que a fonte, aquele sol resplandecente que está no centro da alma, não perde seu resplendor e formosura. Ele continua sempre dentro dela, e nada pode tirar-lhe o brilho. Mas, se sobre um cristal que está ao sol se puser um pano espesso e negro, claro está que, embora o sol incida nele, a sua claridade não terá efeito sobre o cristal.” [3]
A quem entrou nos primeiros aposentos, embora esteja no interior do castelo, nem sempre é dado contemplar a sua magnificência – debilitado que está por seus defeitos, arrastado que é por seus vícios e perturbado que se acha por suas paixões desordenadas –, a não ser que, interiorizando-se, entrando em si mesmo, vá se aproximando cada vez mais de Deus, que está no íntimo de seu ser [4].
Para tanto, é necessário recorrer constantemente à oração, determinando-se a nunca abandoná-la, até que se atinja a meta [5]. A oração de que aqui se fala, contudo, não são essas manifestações exteriores e sentimentais, que se encontram muitas vezes nos chamados “grupos de oração”, senão aquela que conduz a uma verdadeira reflexão:
“Pelo que posso entender, a porta para entrar nesse castelo é a oração e reflexão. Não digo oração mental mais do que vocal; para haver oração, é necessária a reflexão (consideración). Não chamo oração aquilo em que não se percebe com quem se fala e o que se pede, nem quem pede e a quem; por mais que se mexam os lábios, não se trata de oração.” [6]
De morada em morada, então, a alma cristã vai progredindo na vida da santidade, saindo do amor servil – que se limita ao mero cumprimento dos Mandamentos –, passando pelo amor filial – característico das almas mais generosas –, até chegar, enfim, ao amor esponsal – quando criatura e Criador se unem tão intimamente, a ponto de ela ver-se transformada no objeto do seu amor [7]. Nessas moradas mais elevadas, a alma desposada por Cristo é capaz de repetir com São Paulo: “Não sou eu quem vivo, mas Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).
Essa doutrina católica a respeito da santidade mostra a essência da liberdade, pois, neste cume a que chegam alguns santos, eles, verdadeiramente livres, são incapazes de cometer a mínima ofensa contra Deus. Longe de ser um ideal inatingível nesta vida, porém, essa doutrina de perfeição é uma realidade possível e acessível a todos. Sejamos, pois, santos, assim como o nosso Pai o é (cf. 1 Pd 1, 16).
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