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Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
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Texto do episódio
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O que significa celebrar as dores de Nossa Senhora? Significa celebrar o segundo maior sofrimento que jamais houve na história humana. O maior sofrimento foi o de Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz. Não é possível padecer dor tão grande como a que Ele suportou no Calvário.

Mas diante da dor e do sofrimento de Cristo nós, pecadores, reagimos com um coração insensível. Por quê? Porque para avaliar toda a dor que Jesus sofreu na Cruz é necessário ter um coração santíssimo, puríssimo e amorosíssimo como o da Virgem Maria. Só um coração como o dela, puro e imaculado, que amou a Deus na terra e o ama agora no Céu mais do que todos os santos juntos, pode entender o que Jesus sofreu.

Quando a Virgem Maria, em Nazaré, cuidava dele, prestava-lhe um culto mais sublime, mais santo, mais elevado e mais amoroso do que o culto dos serafins ao Filho de Deus no trono celeste. Sim, o amor de Maria a Jesus aqui na terra, em Nazaré, foi mais sublime, mais elevado do que o amor de toda a hierarquia celeste. Deus nunca recebera antes um culto tão perfeito, nem mesmo dos anjos. Nenhuma criatura o amou como a Virgem Maria.

No entanto, esse mesmo Coração, na sublimidade do seu amor, aguardava a realização da profecia de Simeão, que anos antes lhe dissera no Templo de Jerusalém: “Quanto a ti, uma espada transpassará o teu coração” (Lc 2,35). Sentimo-nos enternecidos por ser este o Coração de uma Mãe que vê o Filho sofrer, e é justo que seja assim.

No entanto, é muito mais. É muito mais porque o vínculo de amor entre Jesus e Maria não é só o de um amor natural entre mãe e filho. Digamo-lo com todas as letras: o amor de uma mãe pelo filho não é, em si e por si, virtuoso. É um amor quase “instintivo”, decorrente da natureza. Não é um amor pecaminoso, como o que temos aos prazeres, ao dinheiro, à vaidade. Mas nós cristãos sabemos que o amor materno só é virtuoso quando deixa de ser um mero apego carnal para se transformar em caridade, em desejo de salvação.

Esse é o amor virtuoso. Amar uma pessoa é querer vê-la no Céu. No entanto, quantas mães querem o bem estar físico e material dos filhos, sem se importarem com a salvação eterna deles? Quantas querem a todo custo que a vida dos filhos seja um analgésico, sem sofrimentos, sem problemas e sem lutas? Ora, amar é querer a salvação eterna do amado, mesmo que isso custe o próprio sangue, as próprias lágrimas.

A Virgem Maria amou Jesus mais do que uma mãe a um filho. Ela amou Jesus como ao seu Deus, Criador e Salvador, como à razão de sua vida, como àquele que a mantinha no ser. Embora o tenha gerado segundo a carne, fora criada por Ele. Sim, Maria sempre soube que seu Filho era Deus feito homem. E que horror o dela ao ver o amor infinito do Filho correspondido pelos homens com indiferenças, blasfêmias e cusparadas!… Quem mais além dela pudera compreender o drama vivido por Jesus naquele momento?

Há no Levítico uma proibição que reza assim:

O bezerro, o cordeiro ou o cabrito, quando nascerem, estarão sete dias mamando debaixo da mãe; ao oitavo dia, e daí por diante, poderão ser oferecidos ao Senhor, [mas] não serão imolados no mesmo dia com as suas crias (22,27s).

São João Eudes, grande devoto de Nossa Senhora, admirado em contemplar na cruz esses dois Corações amorosíssimos a sofrer um pelo outro, diz numa oração feita a Deus Pai:

Ó Pai das misericórdias e Deus de toda consolação… Como quebrastes neles a lei que vós mesmo tínheis feito de não sacrificar sobre o vosso altar, num mesmo dia, ao cordeiro e sua mãe? Mas eis que no mesmo dia, à mesma hora, sobre a mesma cruz e com os mesmos cravos, haveis pregado o Filho único da Mãe desolada e o Coração virginal de sua inocentíssima Mãe (Le cœur admirable de la très sainte Mère de Dieu, XII 6) [1].

Sim, pois Deus Pai não queria que a Virgem Mãe sofresse outro tormento que não o do seu próprio Filho. Nós honramos o Preciosíssimo Sangue, mas deveríamos honrar também as lágrimas da Correndentora. Cristo derramou sangue, Maria lágrimas, e com elas deu mais consolo ao Coração dele do que qualquer coração humano jamais pudera dar.

Vendo Jesus rodeado de indiferença e de blasfêmias, nós não apenas nos negamos a sofrer por Ele como ainda nos atrevemos a continuar pecando, quase a levantar uma e outra vez a mão assassina que matara na Cruz o Filho de Deus! Como é possível que eu, alma pecadora, mil vezes digna do inferno, não derrame uma única lágrima diante de um amor que tanto me amou? Só a Virgem poderia derramar lágrimas no meu lugar, arrancar o coração de pedra que há em mim, indiferente ao sofrimento do Filho, e dar-me o seu próprio Coração, materno e amoroso, para chorar as lágrimas que Ele merece.

Deus é amor; mas, vindo a esse mundo terrível, macabro, cheio de morte e de miséria, como o amor não sofreria? O amor não pode ficar indiferente diante do mal, do pecado, da dor, da morte, da miséria e da injustiça. Mas nós, com nossos corações entorpecidos e anestesiados de egoísmo, acabamos sim sendo indiferentes.

Folheemos as páginas dos jornais macabros da nossa sociedade, vil e pecadora, e vejamos as estatísticas. Guerras, abortos, famílias destruídas, miséria, droga, fome… São milhões de almas a precipitar-se no abismo do inferno, e nós, de coração anestesiado, indiferente, não derramamos uma lágrima sequer. Como é possível ser tão insensível? Como nos atrevemos a ir à igreja à procura de consolações ou sabe-se lá que sentimentos e que arrepios místicos?

Não, diante da dor e do egoísmo só há uma reação, se o coração verdadeiramente ama: Stabat Mater dolorosa, — a Mãe, cheia de dor, estava de pé junto da cruz, lacrimosa, dum pendebat filius, — enquanto o Filho pendia da Cruz. Se não conseguimos derramar lágrimas no dia de hoje, ao menos peçamos a Deus que nos encha o coração de gratidão àquela que tantas lágrimas derramou no nosso lugar. Por isso, a Igreja não teme chamá-la de Corredentora. Diante da Paixão era necessário que houvesse Compaixão: “Vede todos vós que passais, não há dor como a minha dor”.

De joelhos hoje diante de Deus, ao vermos a hóstia que se eleva imolada no altar, no sacrifício eucarístico e incruento, nós, no silêncio adorante da liturgia, recordemos que a vítima que agora se eleva sem derramamento de sangue um dia se elevou sangrando, não no silêncio adorador, mas em meio a gritos e blasfêmias, que transpassavam o Coração de uma Mãe que a amava mais do a amam todos os querubins e serafins.

O Coração de Maria amou o de Cristo mais do que toda a corte celeste. Só um tal amor corresponderia com tão grande dor. Peçamos a Deus a cura da indiferença do nosso coração, anestesiado pelo pecado. Queiramos nascer em dores do parto. Maria, que não sofreu ao dar à luz o seu Filho bendito, sofre agora ao dar à luz a nós, filhos leprosos. Ela sofre generosamente e não nos rejeita, pois quer consolar o Coração de Cristo dando-nos a Ele como filhos comprados ao preço de tantas lágrimas.

Referências

1. São João Eudes, Œuvres complètes. Paris: Beauchesne, 1905, vol 8, p. 238.

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