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Texto do episódio
1242

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas 
(Jo 15, 1-8)

Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que em mim não dá fruto ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto ainda. Vós já estais limpos por causa da palavra que eu vos falei.

Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim.

Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permanece em mim, e eu nele, esse produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Quem não permanecer em mim, será lançado fora como um ramo e secará. Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados. Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes e vos será dado. Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos.

No Evangelho deste 5.º Domingo da Páscoa, Jesus está na Última Ceia com os Apóstolos e, tendo-lhes lavado os pés, começa a lhes falar na intimidade: “Eu sou a videira, vós sois os ramos” (Jo 15, 5). Por meio dessa comparação, Jesus ensina a necessidade de estarmos unidos a Ele, porque, segundo suas palavras, “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15, 5).

Aqui, é importante nos atentarmos para este versículo, o quinto do Evangelho de hoje: “Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permanece em mim, e eu nele, esse produz muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer”. Que fruto é esse? Antes de tudo, é o fruto da caridade. Com essas palavras, Nosso Senhor destrói uma heresia que tem causado grandes males espirituais: o pelagianismo. 

O que é o pelagianismo? Na época de Santo Agostinho, na passagem do século IV para o V, um monge irlandês chamado Pelágio, célebre por sua austeridade e retidão, começou a difundir a ideia de que Jesus nos deu o exemplo, como está escrito na Primeira Carta de São Pedro: “Ele vos deu o exemplo para que sigais os seus passos” (2, 21). Assim, segundo Pelágio, se temos o exemplo, basta-nos segui-lo; de modo que quem peca, peca por se afastar dele, mas força e capacidade para ser santo todos têm. Agostinho, de fé profundamente católica e larga experiência de vida, reagiu dizendo que essa não é a fé da Igreja. 

“Sem mim, nada podeis fazer”. Esse nada é o mais radical de todos. Sem Cristo, não somos capazes de nada. A simples vontade de rezar uma Ave-Maria com devoção e amor já é uma graça. “Sem mim, nada podeis fazer”, quer dizer, nada de bom, de salvífico, de meritório. O que se pode fazer sem Jesus? Pecar, só isso. A única coisa que pode ser feita sem a colaboração de Deus é o pecado. Até o mínimo ato de virtude supõe uma intervenção da graça divina.

O mesmo diz o Apóstolo São Paulo: “É Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o fazer” (Fl 2,13). Trata-se, em outras palavras, de uma incapacidade não só para fazer o bem, mas inclusive para querer fazê-lo [1]: “Sem mim nada podeis fazer”, — “Sine me nihil potestis facere”.

A Igreja, fazendo sua a reflexão de Santo Agostinho, condenou o pelagianismo como heresia em vários sínodos. O que acontece é que hoje em dia, evidentemente, quase ninguém professa o pelagianismo teórico. Qualquer um que diga: “Sou capaz de atos salutares de virtude sem o auxílio da graça”, fere-nos o ouvido. Ninguém diz isso. O problema é o pelagianismo prático, que floresce numa doença espiritual chamada vaidade

Na prática, pensamos que os atos de virtude e de amor que realizamos são nossos, por isso ficamos admirados e inconformados com nossas quedas. Deveria ser exatamente o contrário. Quem tem uma espiritualidade correta sabe que pode cair a qualquer momento, por isso fica positivamente admirado, entusiasmado e agradecido a Deus com qualquer ato de bondade que a graça faz sair do seu coração. Do nosso coração de pedra, afinal, o que pode sair? Todo tipo de desgraça.

Mas que coisa extraordinária: Deus nos deu a fé! Não é maravilhoso ter fé, um verdadeiro privilégio, enquanto tanta gente não crê? Em toda classe de pessoas existem incrédulos: há donas de casa que não crêem, há empresários que não crêem, há até padres que não crêem. Na história da Igreja, por exemplo, os grandes heresiarcas foram quase sempre padres e bispos, e as grandes apostasias começaram muitas vezes com gente grande dentro da Igreja. Se Judas, um dos Doze, perdeu a fé, não é fantástico que em mim, tão miserável, Deus tenha escolhido guardar os seus tesouros?

Na casa paroquial onde vivo, por exemplo, há uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Todas as vezes que olho para o rosto dela, surge em mim um movimento de devoção e de entrega à Virgem Santíssima. Esse mínimo movimento de olhar para a imagem com gratidão: “Ó meu Deus, vós me destes uma Mãe tão boa”, deve-se à graça operando dentro de mim. Como de uma pedra, como é o meu coração, brota algo tão lindo? Isso é o que causa admiração. Sim, eu peco, e sinto-me decepcionado comigo mesmo. Vaidade… No entanto, que nós sejamos desordenados, isso não é novidade. De nós, que podemos esperar? “Sem mim nada podeis fazer”. 

Tentemos agora colher os frutos espirituais deste Evangelho de forma bem concreta. Vamos primeiro resumir o que foi dito até agora.

Pois bem, há uma heresia chamada pelagianismo, que diz mais ou menos o seguinte: “Eu consigo fazer o bem sem ajuda da graça”. Ninguém a professa em teoria, mas na prática, sempre que realizamos um ato bom, tendemos a atribuí-lo antes a nós do que à graça de Cristo e, pelo contrário, sempre que pecamos, reagimos como que surpreendidos: “Como pude eu, tão grande e maravilhoso, fazer algo assim?” É uma forma de pelagianismo prático, que alimenta a vaidade pelo esquecimento da graça e da gratidão a Deus.

Que nos cabe fazer? A primeira coisa que nós temos de entender é a necessidade da oração: “Permanecei em mim”. Muitos não rezam, não têm vida de oração íntima, exatamente por causa desse pelagianismo prático. Ora, quem não reza, isto é, quem não está em contato com o tronco, com a videira, se torna ramo seco, sem seiva, sem amor, sem virtudes.

O Concílio Vaticano II, por exemplo, falou da vocação universal à santidade (“Lumen gentium”, cap. 5). Isso quer dizer que todos os ramos dessa grande videira, que é Cristo, somos chamados à santidade e, portanto, a dar frutos de amor, heroico e divino.

Mas como fazer isso? O problema é que a pessoa quer amar e ser santa, mas não quer rezar… Ou seja, sem oração, ela rompe o vínculo dos ramos com a videira.

Não basta só ouvir homilias ou fazer obras de caridade, como quem diz: “Cristo deu o exemplo; basta fazer”. Não, conhecer o exemplo a ser seguido não é o mesmo que ter forças para o pôr em prática: “Sem mim nada podeis fazer”. 

Nós precisamos de vida de oração. Ninguém pense que vai ser santo sem rezar, e rezar muito. O problema é que, ao ouvir isto, as pessoas começam a fazer novenas, Vias-sacras e todo tipo de Terço existente, que são coisas boas, mas não são o suficiente. Não se trata de acumular devoções, mas de ter o hábito da oração íntima com Cristo. Comece com 15 min por dia, pelo menos. Vá à Missa, comungue bem, em estado de graça, e converse com Jesus durante a ação de graças, porque é necessário ter com Ele um trato de amizade.

Caso você tenha dificuldades, faça o seguinte: pegue papel, caneta e escreva uma carta a Jesus todos os dias. Ou seja, comece pela oração vocal, humilde, sem grandes meditações; mas fale como a um amigo e peça-lhe:

“Eis-me aqui, Senhor. Não vos amo, não me amo, não amo ninguém. Tende compaixão de mim, Jesus. Ajudai-me, porque da pedra do meu coração não sai água; mas Vós, que tirastes água do rochedo, bem podeis tirar amor do meu coração”

Por que é, então, que as pessoas não conseguem dar passos certos, seguros e definitivos na vida de santidade? Na maior parte dos casos, por inverterem a ordem das Moradas. 

As Moradas são uma linguagem inventada por Santa Teresa d’Ávila para descrever o caminho de perfeição cristã. O estado de graça, ou seja, estar em amizade com Deus, sem pecados mortais, é a Primeira Morada. O desejo de progredir leva à Segunda, que, na prática, se traduz em ter vida de oração com “determinada determinação”. À medida que se progride na oração, brotam na Terceira Morada frutos como o amor, o apostolado, a doação, a dedicação e a entrega aos outros.

Focando apenas nessas Moradas iniciais, a ordem natural é ir da Primeira para a Segunda e desta para a Terceira. Mas o que fazem muitos fiéis? Pulam da Primeira para a Terceira, e só depois pensam na Segunda. Querem, numa palavra, começar pelas obras sem passar pela oração. Ser santo, para eles, é fazer pastoral, ajudar os pobres, fazer isso ou fazer aquilo… É uma forma de pelagianismo. No entanto, ninguém dá conta de amar por si só. O que fazer, então? Antes de tudo, rezar. Sim, é permitido fazer pastoral; mas há que rezar, obedecendo à ordem: primeiro, alcançar o estado de graça (Primeira Morada); depois, pedir graças atuais na vida de oração (Segunda Morada).

Façamos uma comparação. Se você quer enxergar, seu olho precisa estar saudável; é o estado de graça da alma sã, livre de pecado mortal. Ora, se o olho está doente, incapaz de ver, é preciso tratá-lo. Faz-se uma cirurgia, ou seja, recebe-se a absolvição pelo sacramento da Confissão, e pronto: o olho está íntegro. Mas ainda não é o bastante para enxergar. Afinal, a luz não está acesa, e de pouco serve ter olhos bons num quarto escuro, onde nada se pode fazer. A luz só se acende na oração: “Sem mim nada podeis fazer”. Sem a luz, que é Cristo, o olho não enxerga. A Primeira Morada é o olho; a Segunda Morada, a luz acesa; a Terceira Morada é a visão das coisas, isto é, quando começamos a realizar obras concretas.

Portanto, tratemos de ter vida de oração, deixemos de lado a vaidade de achar que damos conta de produzir frutos de amor sem que o Cristo ressuscitado nos ilumine com a sua luz.

Notas

  1. No presente estado de natureza decaída, o homem tem potência física para querer e fazer o bem moral, ou seja, praticar atos de virtude adquirida; do contrário, dever-se-ia concluir que a vontade está de tal modo corrompida em sua natureza, que lhe é absolutamente impossível querer e fazer o bem, de forma que todos os seus atos são pecaminosos, o que é doutrina condenada pela Igreja (por exemplo, pelo Concílio de Constança, pelo Papa Leão X, pelo Concílio de Trento etc.). O que o homem não tem no presente estado é a potência moral expedita para querer e fazer todo o bem moral de maneira contínua e perfeita, a menos que seja curado pela graça sanante. A razão disso é que, dada a analogia existente entre as ordens natural e sobrenatural, a vontade privada da graça está para a realização do bem moral como um doente crônico para a realização do ato físico próprio do órgão comprometido. Com efeito, quem é manco pode ver, ouvir e cheirar como qualquer homem saudável, mas não pode caminhar como um, de quem difere pelo fato de que este pode realizar todos os seus atos, enquanto o manco é incapaz de realizar, como alguém saudável, todos os seus atos (Cf. Caetano, in STh I-II 83, 3, n. 18). Logo, ao homem, enquanto espiritualmente enfermo, é necessária a graça (sanante) inclusive no que diz respeito à integridade da vida moral no plano da natureza; e, enquanto ente criado, é-lhe necessária para ser elevado ao plano sobrenatural e, assim, tornar-se capaz de atos propriamente salutares. Cf. S. Ramírez, De gratia, 1 (Salamanca 1992) 127 s147, nn. 115ss 133.

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