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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 1, 45-51)

Filipe encontrou-se com Natanael e lhe disse: “Encontramos aquele de quem Moisés escreveu na Lei, e também os profetas: Jesus de Nazaré, o filho de José”.

Natanael disse: “De Nazaré pode sair coisa boa?” Filipe respondeu: “Vem ver!” Jesus viu Natanael que vinha para ele e comentou: “Aí vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade”. Natanael perguntou: “De onde me conheces?” Jesus respondeu: “Antes que Filipe te chamasse, enquanto estavas debaixo da figueira, eu te vi”. Natanael respondeu: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel”.

Jesus disse: “Tu crês porque te disse: Eu te vi debaixo da figueira? Coisas maiores que esta verás!” E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”.

I. Reflexão

Com alegria celebramos hoje a festa de São Bartolomeu, um dos doze Apóstolos que, segundo a tradição, evangelizou a Índia junto com São Tomé e, junto com São Judas Tadeu, a Armênia. A tradição conta ainda que São Bartolomeu foi martirizado por esfolamento. Após ser torturado, teve a pele arrancada aos poucos e por fim morreu decapitado. As relíquias dele estão hoje em Roma, numa igreja construída sobre um antigo templo dedicado ao ídolo Asclépio. Quem foi São Bartolomeu? A tradição o identifica com outra personagem, presente no evangelho de São João logo no primeiro capítulo. Trata-se de Natanael, que aparece pela primeira vez no famoso episódio em que Filipe o chama para conhecer Jesus, o Messias, mas ouve em resposta: Por acaso de Nazaré pode sair alguma coisa boa? (Natanael teria portanto dois nomes, um próprio e uma espécie de apelido.) Em Jo 21,2, diz-se que ele é de Caná da Galileia, onde Jesus realizaria seu primeiro milagre. A esta altura do Evangelho, porém, o Senhor não tinha feito ainda nenhum sinal. Era um ilustre desconhecido. Apenas alguns discípulos de João Batista que tinham ouvido a indicação: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo, estavam entre os seguidores de Cristo. Por isso Natanael recebeu com certo ceticismo sua primeira evangelização: Por acaso de Nazaré pode vir alguma coisa boa? Por ser de Caná, cidade vizinha e rival de Nazaré, Bartolomeu despreza Jesus e se escandaliza com a afirmação de que o Cristo esperado viria de uma cidade tão humilde da Galileia, e não de Belém de Judá. 

 Ora, Jesus não é o Messias esperado. É muito mais! Os judeus esperavam a vinda de um ungido de Deus que libertaria o povo de opressões políticas e militares. Mas o que veio? Veio não só o Messias, mas aquele que une o céu à terra — Deus Filho em pessoa. É isso o que Jesus diz a Natanael. O futuro Apóstolo estava rezando a sós debaixo duma figueira e, ao encontrar-se com o Mestre, espanta-se com o que ouve: Eu te vi, quer dizer, “Naquele momento em te julgavas sozinho, falando apenas com Deus na intimidade do teu coração, eu vi os segredos de tua alma”, o que leva o israelita a dizer: Tu és o Filho de Deus. O Senhor então responde: Tu crês porque te disse: Eu te vi debaixo da figueira? Coisas maiores que esta verás! E acrescenta: Em verdade, em verdade eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem, uma clara alusão ao sonho de Jacó. No Antigo Testamento, o patriarca Jacó, pernoitando em Betel, viu em sonhos uma escada que chegava até o céu, e os anjos subiam e desciam sobre ela. Os judeus sabiam desta visão, mas ignoravam o seu significado. Jesus porém o está revelando hoje, como se dissesse: “A escada sou eu, que uno o céu à terra”.

Natanael começou cético: De Nazaré pode vir alguma coisa?, e terminou morrendo pela fé! Uma mudança verdadeiramente extraordinária, própria dos santos Apóstolos e mártires. Lembremos que todos os adversários do cristianismo, no início, diziam que os Apóstolos tinham “inventado” a ressurreição de Jesus, como se tudo não passasse — diríamos hoje — de um “golpe de marketing” para as pessoas se converterem à nova religião. Ora, nunca se viu ninguém mentir e derramar o próprio sangue para sustentar a mentira! Afinal, quando as pessoas estão mais dispostas a mentir? Quando precisam ou salvar a própria pele ou evitar sofrimentos atrozes. Bartolomeu não mentiu para salvar a própria pele, preferiu antes perdê-la toda, esfolado vivo, para não negar o que sabia ser a verdade, experimentada hoje, na presença de Filipe; experimentada pouco antes, em sua oração debaixo da figueira; experimentada mais tarde, no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo lhe confirmou na alma que somente Cristo é a escada que une o céu e a terra.

Dali em diante, a vida dele não terá outro sentido senão amar Jesus e desejar que Ele seja conhecido e amado por todos. Essa é a razão da evangelização. Há quem olhe para a Igreja Católica como um “empreendimento de marketing”, às vezes até dentro dela. São pregadores ou padres jovens (ou nem tão jovens) empolgados com a popularidade virtual, mas esquecidos do motivo por que estamos na internet, por que evangelizamos, por que subimos aos púlpitos, por que cruzamos mares, enfrentamos leões, cachoeiras, índios canibais, torturas e até o esfolamento… É por amor a Jesus! Se o amamos, queremos que outros o conheçam e amem porque sabemos que isso agrada ao Coração dele. Queremos, numa palavra, dar almas a Jesus para agradar ao Sacratíssimo Coração, por isso estamos dispostos a perder a pele como São Bartolomeu Natanael. — Que ele interceda por nós e nos alcance a graça de testemunhar Cristo e fazê-lo conhecido e amado até os confins da terra. 

II. Comentário exegético

Filipe e Natanael (cf. Jo 1,43-51). — V. 43s. No dia seguinte àquele em que André trouxera-lhe o irmão, quis Jesus ir deliberadamente à Galileia. Logo ao partir ou já a meio caminho, segundo a maioria dos intérpretes, ou só depois de ter lá chegado, segundo outros, encontrou Filipe, que era de Betsaida, e disse-lhe: Segue-me, não só como companheiro de viagem, mas como discípulo (cf. Mt 8,22). — V. 45s. Assim como André comunicou-o ao irmão, também Filipe comunica ao amigo o tesouro que encontrara. Mas Natanael [1], ainda não iluminado pela graça, objeta-lhe em rosto: De Nazaré, lugar tão pequeno e insignificante, pode porventura sair coisa que seja boa? As palavras soam como um provérbio, o qual, embora não atestado em nenhum lugar, se explica perfeitamente, já que era persuasão comum entre os judeus que o Messias viria de um lugar nobre (cf. Mt 2,5s), e Natanael, sendo de Caná da Galileia (cf. Jo 21,2), expressaria algum sentimento de rivalidade com Nazaré, cidade vizinha.

V. 47. Jesus, vendo-o aproximar-se, elogia Natanael: Eis um verdadeiro israelita, i.e. verdadeiramente digno de tal nome, em quem não há dolo, i.e. um homem reto e simples. — V. 48. Natanael disse-lhe: Donde me conheces tu? São palavras de quem se admira ao saber-se conhecido por alguém com quem nunca teve contato. Jesus, no entanto, mostra que o conhece não só a ele, mas também a seus pensamentos e atos mais secretos: Antes que Filipe te chamasse, te vi eu, quando estavas debaixo da figueira. É difícil, senão impossível, conjecturar o que estaria fazendo ele. É certo, em todo o caso, que deve tratar-se de algo que só Deus ou alguém divinamente instruído poderia saber; do contrário, Natanael não o tomaria como sinal suficiente para confessar que Jesus é o Messias (cf. Santo Tomás de Aquino, Super Ioann. I, l. 16, n. 325).

V. 49. Maravilhado com esta essa manifestação de ciência sobrenatural, Rabi, exclamou ele, tu és o filho de Deus, tu és o rei de Israel (gr. ὁ υἱὸς τοῦ θεοῦ, σὺ βασιλεὺς εἶ τοῦ Ἰσραήλ). Ora, como só mais tarde Pedro será louvado por reconhecer a divindade de Cristo (cf. Mt 16,18), não é verossímil que Natanael a tenha reconhecido desde o início. Sinal disso são, por um lado, o fato de Jesus não o elogiar e, por outro, o uso do aposto (explicativo) rei de Israel, de maneira que a expressão o filho de Deus designa aqui simplesmente o Messias [2]. Afinal, a própria Escritura chama a Cristo filho de Deus e rei de Israel. Além disso, dado que tanto o povo eleito quanto — e sobretudo — os reis teocráticos eram chamados filho de Deus (cf. e.g. Ex 4,22; Is 1,2; Jr 3,19; 31,20; 2Sm 7,14 etc.), é evidente que o rei Messias haveria de ser designado da mesma forma, e de modo singular e excelentíssimo, assim como haveria de ser rei de Israel de modo mais sublime e perfeito que todos os outros [3].

V. 50s. Jesus, a fim de confirmar a fé incipiente do discípulo, promete-lhe o ver portentos maiores: Vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo (como na escada de Jacó, cf. Gn 28,10ss) sobre o Filho de homem [4]. Com essas palavras, Jesus delineia e resume para os discípulos, em termos um pouco figurados, o que será a sua vida pública. O que nunca fora dado a um homem algum, subir até Deus (cf. Jo 1,18), isso mesmo será dado a Ele. Na verdade, tão patente será em sua vida a manifestação da claridade celeste, que com razão se poderá dizer que os anjos, como ministros perpétuos, subindo e descendo constantemente de um a outro extremo, apresentarão a Deus os desejos de Jesus, e trarão do Pai para Jesus os seus segredos e revelações, a sua glória e o poder de realizar milagres. Ao mesmo tempo, revela-se a peculiar natureza de Cristo: será homem na terra como os outros, mas unido a Deus com íntima familiaridade. Desta singular união serão testemunhas os próprios discípulos. O que Jacó vira em sonhos, verão eles despertos e à plena luz.

N.B. — Essa é a interpretação mais provável dos vv. 50-51 segundo boa parte dos autores modernos, embora no passado alguns os tenham referido ao juízo final, enquanto outros viram neles uma alusão ao papel dos anjos na vida de Cristo (aparição na ressurreição, na ascensão, na agonia etc.) ou os interpretaram em sentido místico (como se fora dito: “Vereis o céu aberto para de lá receberdes, pelo ministério dos anjos, os tesouros celestes”, i.e. graças e carismas). O texto deixa claro, não obstante, que as palavras do Senhor são dirigidas aos discípulos ali presentes, aos quais prometem algo no futuro para corroborar a fé deles. Ora, na ressurreição, os anjos apareceram apenas às mulheres, e na ascensão não apareceram sobre o Filho, mas depois que ele desapareceu entre as nuvens. Quanto ao juízo final, é evidente que, naquele dia, a fé dos discípulos não poderá mais crescer; de mais a mais, seria inadequado para este fim invocar um acontecimento tão distante no tempo.

Comentário espiritual.a) Sentido literal: Respondeu Jesus e disse-lhe: Antes que Filipe te chamasse, te vi eu, quando estavas debaixo da figueira, quer dizer: “Embora estivesses sozinho sob a figueira e julgasses não ser visto por ninguém, eu te vi e sei o que em segredo ali fazias e pensavas. Vi também e ouvi tua conversa com Filipe, quando ele te chamou para me conheceres, mas tu lhe disseste: De Nazaré pode porventura sair coisa que seja boa? Disto podes concluir que sou mais do que um homem, i.e. o Messias, ou o Filho de Deus”. — b) Sentido místico: Quando estavas debaixo da figueira, i.e. à sombra da Lei, te vi eu para te trazer à luz do meu Evangelho (cf. São Gregório Magno, Moral. XVIII 20). — c) Sentido tropológico: Aprendemos a reconhecer e venerar a Deus Pai e Jesus Cristo presentes em todos os lugares. Quando estamos a sós no quarto, ou mesmo quando pensamos ou alimentamos secretamente algum desejo no coração, Cristo nos vê e penetra nossos mais íntimos pensamentos. Tenhamos, pois, o cuidado de nada pensar, desejar ou fazer que ofenda os olhos de sua majestade. Assim viu ele a Natanael e seus atos debaixo da figueira, assim viu Deus a Adão comer sob a árvore o fruto proibido.

Referências

  1. Bartolomeu (= filho de Tolma ou de Tolomeu) é provavelmente a mesma pessoa que Natanael (do qual fala Jo 1,45-50; 21,2). A identidade entre eles é ignorada pela tradição mais antiga, mas passou a ser admitida por muitos latinos a partir de Ruperto de Deutz († 1129) e por vários exegetas do séc. XVI; de fato, o evangelista João, que não fala de nenhum Bartolomeu, enumera duas vezes a Natanael entre os Apóstolos (cf. loc. cit.). Os sinóticos, embora não façam qualquer menção a Natanael, falam todavia de Bartolomeu. Também é digno de nota que, nos sinóticos, Filipe e Bartolomeu e, no evangelho de João, Filipe e Natanael aparecem lado a lado ou na mesma narração. É, portanto, ao menos verossímil que este Apóstolo, assim como Pedro, Mateus etc., tivesse um duplo nome, de modo que era conhecido como Natanael (nome próprio) e como Bartolomeu (cognome, ou nome do pai).
  2. Cf. J. Knabenbauer, Commentarius in Evangelium secundum Ioannem. Paris: P. Lethielleux (ed.), 1898, p. 112: “Muitos explicam que, neste lugar, filho de Deus não significa Filho natural, mas Messias, que por certa excelência é assim chamado mais do que os outros filhos; contudo, ainda não é reconhecido como Deus… Crisóstomo, com efeito, assim argumenta: ‘Por que Pedro, após tantos milagres, após receber tanta doutrina, confessou: Tu és o Filho de Deus, e foi declarado feliz porque o Pai lho tinha revelado, enquanto Natanael, que antes dos sinais e da doutrina dissera a mesma coisa, não ouviu nada parecido, mas foi enviado para ver coisas maiores, como se não tivesse dito nada além do necessário? Qual é, pois, a causa da diferença? É que os dois, de fato, pronunciaram as mesmas palavras, mas não com o mesmo sentido. Com efeito, Pedro confessou o Filho de Deus como verdadeiro Deus, Natanael porém como simples homem. Isso é evidente também pelo que segue, pois a Pedro não faz Cristo nenhum reparo, mas afirma, como se fosse já perfeita a sua fé, que haveria de edificar a Igreja sobre a sua confissão. Aqui, no entanto, vemos o contrário, e como se à confissão dele [de Natanael] faltasse a parte mais importante, acrescenta [Cristo] o restante’”.
  3. Para alguns autores (cf. id., ibid.), conquanto a divinidade do Messias seja declarada em Is 9,6, é provável que os judeus não a tenham compreendido. Por isso opinam que tampouco Natanael poderia tê-la confessado nessa passagem, ao que ajuntam outras duas razões: a) o fato de os discípulos a terem ignorado por muito tempo, b) e a afirmação explícita de que somente a Pedro ela foi divinamente revelada. Cornélio a Lapide propõe ainda uma terceira razão: a insuficiência do sinal dado por Cristo; com efeito, revelar os segredos dos corações, também os profetas o podem fazer por inspiração de Deus. Tal foi o caso e.g. de Eliseu, que revelou a Giezi os segredos de seu coração e o que tinha feito na ausência dele, e revelou as insídias secretas do rei da Síria (2Rs 5,26; 6,12).
  4. Lc 5,24 é o primeiro lugar nos sinóticos em que aparece a famosa expressão “Filho de homem”, utilizada 50 vezes (78, se se contam os lugares paralelos) por Cristo e 1 vez por Santo Estêvão (cf. At 7,55). — a) Forma gramatical. ‘O υιός τοῦ ανθρώπου é a versão literal do aram. bar’enasha, usado frequentemente sem determinativo para significar “homem”; com artigo significa algum “filho de homem”, i.e. algum homem determinado. (Considerando-se a índole do aramaico, a determinação do artigo não afeta “de homem”, mas apenas “filho”, de modo que a tradução correta é “o filho de homem”, e não “o filho do homem”.) — b) Origem. Esta designação de Cristo tem origem em Dn 7,13s: Eu estava, pois, observando estas coisas durante a visão noturna, e eis que vi um que parecia um Filho de homem, que veio sobre as nuvens do céu; chegou até o Ancião e foi apresentado diante dele. Foram-lhe dados império, honra e reino; e todos os povos, nações e línguas o serviram; o seu império é um império eterno, que não passará, e o seu reino não será jamais destruído. Aquele Filho de homem, para a maior parte dos judeus ortodoxos, é o próprio Messias. — c) Sentido teológico. Jesus usava essa expressão no singular, em parte porque era familiar aos hebreus referir-se a si mesmo na terceira pessoa, em parte porque, com essa inusitada denominação, desejava trazer à memória deles a profecia de Daniel acima referida e, desse modo, insinuar-lhes que era ele o Filho de homem, i.e. o Messias visto pelo profeta. De resto, este título é tão humilde e modesto para designar o Messias, que os Apóstolos e a subsequente tradição da Igreja se abstiveram de usá-lo.

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